quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Lovecraft visita as ruínas - O local que inspirou o conto "O Cão de Caça"

Em 16 de setembro de 1925, o escritor H.P. Lovecraft pegou um metrô e decidiu conhecer um pouco mais da cidade de Nova York

Aquela não era uma decisão simples para Lovecraft, um típico yankee, nascido e criado na Nova Inglaterra, orgulhoso de sua herança anglo-saxã. Dizer que ele não gostava de Nova York é trivializar seu profundo desprezo pela cidade para onde havia se mudado.

Lovecraft detestava Nova York e nunca escondeu tal coisa. 

O lugar o sufocava, o deixava em estado de alerta, ele não dormia e não conseguia relaxar. Estava constantemente em estado de nervos. Escrevia aos seus colegas e se queixava com a esposa, Sonia Greene, frequentemente. A Metrópole o oprimia: com seu tamanho, seu barulho, seus cheiros... tudo o deixava sobressaltado.

Por esse motivo, quando aquele alto e desajeitado sujeito embarcou na estação de metrô na Clinton Street e saltou no Brooklyn, sua atitude era comparável a de um explorador adentrando terreno desconhecido. Lovecraft, no entanto sabia bem onde queria ir...

Ele desejava visitar a Igreja Reformista de Flatbush, no Brooklyn e conhecer pessoalmente o lugar que seu bom amigo, Rheinhart Kleiner, havia descrito como "absurdamente sinistro". Ele supunha que esse lugar poderia fornecer a inspiração para um de seus contos aterrorizantes. 

O autor chegou ao lugar e ficou impressionado pelo cenário de abandono que encontrou. Algo naquele ambiente decadente o deixou imediatamente fascinado. A Igreja em si não foi o que mais lhe chamou a atenção, mas sim o velho e venerável cemitério no terreno contiguo.

Lovecraft pediu licença ao amigo que se manteve na Igreja e adentrou sozinho o terreno, caminhando em meio aos túmulos que adornavam o campo escuro e de aspecto lúgubre. Haviam varias lápides de pedra gastas e cobertas de líquen, raízes brotando do chão e mato crescendo selvagem. Não havia sinal de visitantes recentes. As estátuas tristonhas de anjos se empoleirando sobre as pedras eram as únicas testemunhas de sua visita. Fazia tempo que não havia ninguém ali para depositar flores nas sepulturas e prantear os ossos que ali jaziam.

Algo naquele ambiente soturno o atraía, apelando ao seu senso de antiquário e morbidez. Lovecraft se sentia arrebatado por aquele ambiente que a maior parte das pessoas achariam funesto. 

Explorando o local ele conseguiu determinar que lá haviam ocorrido sepultamentos entre 1730 até meados do século XIX. Ao se aproximar de uma das lápides em ruinas — datada de 1747 — ele se permitiu uma transgressão. Lascou um pequeno fragmento de pedra e o colocou no bolso pedindo desculpas ao ocupante do jazigo, cujo nome não conseguiu ler por estar demasiadamente gasto.

Lovecraft depois confidenciou ao amigo que ter feito aquilo causou-lhe um arrepio involuntário. Quem pode dizer se algo não sairia da terra centenária para se vingar da profanação? E, caso tal coisa acontecesse, quem poderia dizer com o que se pareceria esse cadáver?

Ele ficou ali contemplativo por longos minutos até Kleiner vir chamá-lo, interrompendo seus pensamentos. Estava escurecendo e eles deveriam retornar para casa. O autor estava tão absorto em seus pensamentos que nem percebeu o tempo passar. Passara ali horas vagando entre os túmulos.

Ao voltar para sua casa, Lovecraft colocou o fragmento cinzento sobre a tampa da escrivaninha onde costumava destilar em palavras suas tramas macabras. Ele o observou com interesse. Naquela noite, ele pós o fragmento debaixo de seu travesseiro esperando que o pequeno objeto pudesse afetar seus sonhos e trazer inspiração.

Lovecraft escreveu "O Cão de Caça" (The Hound) pouco tempo depois, usando como nome de um dos personagens principais o apelido que deu ao seu colega, Rheinhard Kleiner, "Saint John". Não se sabe o que Kleiner achou dessa "homenagem", sobretudo porque Saint John era um necrófilo interessado em roubar sepulturas e obter troféus para sua macabra coleção.

O túmulo que no conto é fatalmente vilipendiado ficava em um "terrível cemitério em estilo holandês" — uma clara referência à igreja dilapidada de Flatbush ter sido construída no período colonial por imigrantes protestantes vindos dos países baixos.

Lovecraft jamais mencionou ter experimentado outros elementos da história como os uivos de cães diabólicos e uma entidade tenebrosa em busca de vingança contra Saint John e seu amigo (o narrador). Não resta dúvida, contudo que o tempo que Lovecraft passou sentado sobre as lápides admirando o Cemitério de Flatbush e sua antiguidade foram cruciais para o conto se instalar em sua imaginação e dali transbordar para as páginas.

Dessa viagem até Flatbush restaram duas fotografias.

Lovecraft posa em frente de seu prédio

Lovecraft ao lado de Kleiner

A Igreja Reformista de Flatbush










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