A mórbida prática de caçar-cabeças - a remoção da cabeça de um adversário após este ter sido derrotado e morto em batalha - é uma prática historicamente presente em várias partes do mundo.
No século III A.C. no império chinês Qin, soldados decepavam a cabeça dos seus adversários vencidos e as amarravam na cintura como uma forma de aterrorizar e desmoralizar os oponentes. Na Nova Guine, a tribo Marind-anim usava machados afiados para arrancar a cabeça dos inimigos e assim controlar seus espíritos após canibalizar sua carne. Os celtas na Europa também praticavam a caça à cabeças até o início da Idade Média. Para eles, as cabeças tinham um importante significado ritualístico, desse modo os inimigos derrotados perdiam a cabeça que era amarrada em postes e portões. Os indios americanos Squaw tinham como costume capturar os prisioneiros para em seguida realizar uma cerimônia ritualística que envolvia arrancar a cabeça usando afiadas facas de sílex. As cabeças em seguida pendiam em totens como troféus.
À despeito de muitos povos caçarem cabeças, apenas um grupo tradicionalmente praticava a arte de tomar cabeças como troféus e em seguida as encolher até o tamanho de um punho fechado. O encolhimento de cabeças humanas está longe de ser um rumor, o costume era praticado pela tribo Jivaro que habitava as florestas do Equador e da Amazônia peruana. Os Jivaro se dividiam em pequenos sub-grupos que incluía os Shuar, Achuar, Huambisa e os Aguaruna e controlavam uma vasta região na selva equatorial.
Quando os espanhóis tomaram a maior parte da América do Sul a partir do século XVI, tiveram de enfrentar os Jivaro. Os conquistadores descobriram da pior forma possível que os nativos eram guerreiros ferozes e que não seria facil subjugá-los. De acordo com os registros da época, no ano de 1599 as tribos Jivaro se uniram em uma revolta contra os espanhóis. Segundo documentos, mais de 25 mil colonos foram mortos durante os brutais ataques: fazendas incendiadas, animais massacrados e campos de plantio arruinados. Os Jivaro atacaram a cidade de Logrono e deram vazão ao seu repúdio contra a ávida busca por ouro imposta pelos colonizadores. Ao capturar o governador geral o obrigaram a engolir ouro derretido.
Soldados equipados com armas superiores, aço e pólvora foram enviados para combater a ameaça, mas combinando táticas de guerrilha e um conhecimento do terreno, os Jivaro continuaram vencendo os invasores. A fúria dos nativos era tamanha que o termo "jivaro" se tornou sinônimo de "selvagem" na Espanha.
Diante da inesperada resistência, os espanhóis recuaram, apesar da enorme quantidade de ouro existente no território. Os Jivaro foram o único povo nativo da América do Sul que conseguiu não apenas enfrentar, mas expulsar os conquistadores.
O temor que os Jivaro inspiravam e a densa floresta em que habitavam fez com que eles continuassem a viver isolados até o final do século XIX e início do XX. Quase nada se sabia à respeito de seus costumes, mas esse pouco era bastante assustador.
Apesar de terem obtido sucesso ao expulsar os espanhóis, os Jivaro jamais se arregimentaram em uma unidade política. Embora seus costumes, aparência, creças e cultura fossem similares, as tribos preferiam viver em pequenas comunidades individuais e esses grupos frequentemente lutavam entre si. Enquanto na maior parte do mundo a guerra envolve ganhar terras e poder, as disputas entre os Jivaro eram motivadas pela sede de vingança. De acordo com seus costumes, a morte de um membro da tribo exigia uma retribuição, a chamada "vingança de sangue". Os Jivaro acreditavam que se não vingassem a morte de um parente, o espírito deste voltaria trazendo má sorte para toda aldeia. De fato, os Jivaro temiam muito mais esses espíritos do que aqueles que os haviam assassinado.
Durante um ataque a vilarejos inimigos, os Jivaro usavam arcos, zarabatanas, facas e azagaias. A letalidade dessas armas era certa pois eram embebidas em veneno e toxinas paralizantes extraídas de plantas e animais. Os guerreiros se especializavam na prática da decapitação. Eles eram capazes de passar uma lâmina na garganta de um inimigo vencido e romper a coluna cervical em poucos segundos, usando ferramentas especialmente criadas para essa tarefa. O objetivo das incurssões em território inimigo não era apenas matar os rivais, mas voltar com o maior número possível de cabeças.
De posse das cabeças de seus adversários, os Jivaro retornavam para sua aldeia onde praticavam um ritual chamado tsantsa. O processo se iniciava com um corte transversal na parte de trás da cabeça através do qual o crânio era removido por inteiro. Este e seu conteúdo eram descartados em algum rio ou queimados. Os olhos eram costurados usando cipó e a boca fechada com espinhos ou pontas de madeira que perfuravam os lábios. Nesse momento, a cabeça era mergulhada em um caldeirão com água fervente por algumas horas. Várias ervas ricas em tanino adicionadas na mistura ajudavam a preservar a pele, conferindo a ela uma textura de borracha. O calor fazia com que a cabeça encolhesse até um terço do tamanho original. Os cabelos eram colados no topo da cabeça encolhida cujo interior era preenchido com pedras ou areia, para finalizar a incisão na parte de trás era costurada com cipó. O último passo envolvia depositar a cabeça em um forno de carvão para que ela lentamente endurecesse adquirindo uma cor mais escura.
Era essencial para os Jivaro que o produto final mantivesse as feições originais da vítima. O encolhimento resultava em alguma distorção, mas de um modo geral, o indivíduo podia ainda ser reconhecido. Os guerreiros usavam orgulhosamente as cabeças encolhidas em seus cinturões ou em tiras de couro no peito. Quanto mais cabeças um guerreiro mostrava, maior era o respeito conquistado.
Além disso, os Jivaro acreditavam que cada guerreiro possuía um poder mágico inerente chamado arutam. O arutam simbolizava sua força, vitalidade, resistência, sorte e habilidade com armas. Esse poder podia ser aumentado ao coletar as cabeças dos guerreiros inimigos derrotados. O prática de vedar olhos e boca da cabeça encolhida era uma maneira de manter o espírito do inimigo ali dentro, preservando o arutam bem perto.
Apenas guerreiros eram sujeitos a essa prática. Extrair a cabeça de uma criança, de um velho ou de uma mulher era considerado imoral. O guerreiro também tinha de ser derrotado em combate, tendo a oportunidade de se defender. Se um guerreiro fosse morto fora de combate, sofresse de ferimentos antigos ou estivesse desarmado, a cabeça não podia ser reclamada.
O Comércio de Cabeças Encolhidas
É como se diz: "Nenhum costume primitivo é tão horrível que a civilização não possa torná-lo ainda pior".
No final do século XIX, europeus e americanos, tendo ouvido estórias sobre as práticas das tribos Jivaro, começaram a comprar cabeças encolhidas como curiosidades.
Em meados doa anos 30, estrangeiros pagavam até 25 dólares por cabeça encolhida. As tribos logo descobriram que podiam ganhar dinheiro com o comércio de tsantsa ou trocá-las por armas de fogo. O uso de armas de fogo levou a um consequente aumento do número de mortes e vinganças, que resultava em mais cabeças. O comércio de tsantsa chegou a tal ponto que os Jivaro as vendiam a turistas por 5 dólares ou as trocavam por uma caixa de munição.
Em 1934 o governo do Peru e do Equador aprovaram leis que proibiam o comércio de tsantsa a fim de conter os massacres. Em 1940, o governo dos Estados Unidos também baniu a importação de cabeças humanas encolhidas. Cabeças encolhidas de preguiças continuaram a ser comercializadas, pelo menos até a população de animais ser totalmente extinta.
Com a demanda pelo macabro souvenir em alta e as leis que coibiam o comércio em ação, um medonho mercado negro entrou em funcionamento. Rumores sobre corpos sendo desenterrados dos cemitérios e pessoas desaparecendo nas ruas se tornaram algo corriqueiro.
Uma estória apócrifa menciona um turista ruivo que planejava adquirir tsantsas que seriam levadas para a Europa. O homem que andava pelas regiões mais perigosas, acabou desaparecendo sem deixar vestígios enquanto procurava por contrabandistas. Meses mais tarde, uma cabeça encolhida com uma coroa de cabelos vermelhos circulava pelo mercado negro.
O mercado de falsificações também se expandiu. Cabras, porcos e macacos também tinham as cabeças encolhidas e modificadas para aparentar serem de humanos. Muitas cabeças encolhidas comercializadas na década de 40 vinham do Panamá, Honduras ou México. Muitas eram de animais, outras de pobres infelizes vítimas assassinadas. Experts ou antropólogos eram capazes de diferenciar as peças verdadeiras (mais valiosas) das falsificações.
Nos dias atuais, réplicas de tsantas podem ser adquiridas em mercados, mas elas são apenas reproduções artesanais. O costume Jivaro de encolher cabeças foi praticamente extinto entre os nativos nos tempos modernos. A partir dos anos 50, missionários que penetraram no território Jivaro, os catequizaram e os velhos costumes aos poucos foram desaparecendo.
A tradição dos encolhedores de cabeças se tornou apenas uma estória macabra.
Eu sempre quis saber como que encolhiam essas cabeças, parece tão absurdo... Mas na verdade é até bem simples XD Que coisa assustadora!
ResponderExcluirSabe, o que mais me incomoda nessa coisa não são os nativos arrancarem e encolherem cabeças, mas o fato dos ditos povos civilizados desejarem ter em suas casas essas coisas horrendas.
ResponderExcluirPosso entender o interesse de antropólogos e historiadores, mas o resto? Só sendo muito doente mesmo.
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