terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Neonomicon - Obra de Alan Moore inspirada nos mythos tem resultado frustrante.

O nome Alan Moore talvez não precise de apresentações entre os fãs dos quadrinhos.

Responsável por obras primas como a sensacional série do Monstro do Pântano e por trabalhos como V de Vingança, From Hell, Watchmen, The League of Extraordinary Gentlemen e tantos outros, o escritor britânico está, certamente, entre os mais famosos nomes da indústria dos quadrinhos.

Moore escreve à respeito de fantasia, magia e terror e não raramente cita as criações de Lovecraft e as criaturas do Mythos em suas obras. Na grandiosa saga do Monstro do Pântano ele associava um mal antigo ao retorno de Cthulhu, o roteiro de "The Courtyard" falava sobre assassinatos em Red Hook e de uma droga chamada Aklo, além de ter várias outras referências óbvias, na Liga Extraordinária um dos anexos mencionava Arkham, Dunwich e Innsmouth.

A última incursão de Moore no universo lovecraftiano é Neonomicon, uma série que se propõe a ser uma derivação, continuação e releitura contemporânea do horror de H.P. Lovecraft. Por si só, esse lançamento é extremamente significativo - dado o argumento - para os fãs de literatura fantástica e aficcionados pelo horror cósmico. Mas à despeito de toda ansiedade que a notícia gerou, o resultado infelizmente ficou bem longe do esperado.

Em primeiro lugar, do que trata Neonomicon?

A minisérie em quatro partes, editada pela Avatar Press, é uma espécie de sequência de "The Courtyard", mas não é necessário ter lido esta série para compreender os acontecimentos.

A estória acompanha Brears e Lamper, dois agentes do FBI que são incumbidos de investigar uma série de crimes relacionados a rituais místicos. Os crimes parecem estar ligados a investigação de outro agente chamado Aldo Sax, o protagonista de "Courtyard" que foi trancafiado em um asilo para doentes mentais depois de ter enloquecido durante um caso. Sax é acusado de múltiplos homicídios e só se comunica através de idiomas não humanos. Seguindo as pistas obtidas na invasão a um clube, os dois agentes descobrem a trilha de pistas para um horrível segredo e uma conspiração medonha envolvendo criaturas não-humanas.

A premissa realmente parece interessante.

Os fãs de Alan Moore (eu inclusive!) esparavam há tempo que ele retornasse ao horror, gênero que lançou seu nome. Uma releitura de Lovecraft, pelos olhos de Alan Moore já justificavam o interesse nessa obra, parecia ser um casamento perfeito. Quem melhor que Alan Moore para trazer os Mythos para o século XXI? Quem melhor que Moore para mergulhar em tópicos polêmicos como sexo e perversidade que Lovecraft não ousava discutir abertamente?

No papel parecia à prova de erro, mas a execução resultou em algo tão bizarro e incômodo que é até difícil classificar Neonomicon.

A Avatar Press é conhecida por não censurar nenhum material de seus autores. Para o bem ou para o mal, a editora não poupa os leitores de cenas degradantes, explícitas e sanguinárias. Pouco depois de concluir a série, Moore deu uma entrevista, e nela ponderava que a liberdade que a Avatar lhe concedeu para escrever Neonomicon se tornou uma tentação no sentido de testar seus próprios limites. Ele mesmo concluiu que "talvez tivesse ido longe demais", mas que o resultado "era uma boa estória de horror".

Com todo o respeito a Moore, eu concordo apenas com a primeira parte. Ele foi longe demais e o resultado final é uma desgraça.

Neonomicon não é uma continuação, derivação ou releitura de Lovecraft, na minha opinião não passa de uma visão equivocada, forçada, distorcida e superficial. Sendo mais claro: Alan Moore meteu o pé na jaca feio, aqui.

A estória é bastante superficial, quase que uma desculpa para um desfile de bizarrice e situações incômodas. Ela também acrescenta bem pouco a mitologia criada por Lovecraft, se satisfazendo em aludir a elementos clássicos e se divertir citando nomes impronunciáveis. Moore parece interessado apenas em chocar o leitor ao associar o horror de Lovecraft quase que exclusivamente a bizarrice e sadismo. Aquilo que Lovecraft deixava implícito, Moore aborda de forma explícita. O mal dos Mythos e seus aspectos inumanos se resumem a práticas de perversão sexual.

Não me entendam mal, não sou nenhum puritano quanto a quadrinhos. Não me importo em absoluto com um material pesado, desde que haja contexto e razão para isso. Moore usa desses artifícios para mover a trama, focando quase tudo nesse aspecto o que se torna cansativo e de gosto duvidoso.

A segunda e terceira edição (50% da mini-série), giram em torno de uma mesma situação levada ao extremo. Os dois agentes do FBI, usando identidades falsas, conseguem convencer o dono de uma sex-shop na cidade de Innsmouth a convidá-los para uma "festa de adultos". Eles pretendem dar um flagrante no bando de degenerados em meio a algum tipo de orgia ritualística. Acabam concordando em tirar a roupa e seguir os cultistas até um um porão e dali para uma piscina. Apenas quando é tarde demais, descobrem que caíram em uma terrível armadilha.

Moore não poupa o leitor de uma sequência de imagens extremas, em que Brears, a personagem feminina é vítima de um gang bang por parte dos cultistas e então (quando você imagina que não pode piorar!) oferecida para ser usada como brinquedo sexual por um monstro (deep one/abissal) invocado pelo culto.

A cena do estupro é horrivelmente desagradável. Ela é gráfica e assustadora com requintes de crueldade, pois Brears que havia tirado as lentes de contato sequer consegue ver o monstro que a está atacando. Chamar a sequência de "cena" é simplificar as coisas: são páginas e mais páginas com a pobre personagem sendo sistematicamente violentada e reduzida a uma coisa nas mãos da criatura.

É quase como se Moore estivesse esperando por uma desculpa para inserir uma longa sequência de abuso entre espécies e dedicasse quase toda sua energia criativa a tornar essa experiência o mais desagradável possível. O pior é que além de serem desnecessariamente gráficas, as imagens acrescentam muito pouco à trama. Elas nada mais fazem além de salientar que cultistas de Dagon são indivíduos cruéis e depravados. Dãããã!

Lovecraft ao aludir sobre nascimento de híbridos humanos e abissais, deixava implícito o que isso significava. A mera sugestão já é suficiente para deixar a criativiadde correr solta e causar inquietação, revelar isso em detalhes é chover no molhado.

O pior é que a personagem depois de miraculosamente sobreviver a essa provação não parece especialmente chateada com tudo que aconteceu. "Pela primeira vez na vida, não tenho problemas com minha auto-estima" ela diz ao recordar o acontecido. Ah, dá um tempo... a infeliz é seviciada, brutalizada, impregnada por um monstro metade peixe e ainda diz que a experiência ajudou com sua auto-estima?

Nem perdendo toda sanidade do mundo...

Quando Alan Moore escreveu Neonomicon disse que estava "de mau humor e que essa era de longe sua obra mais misântropa". Bem, um cara que justifica metade de sua série se concentrar apenas em um estupro deve estar mesmo de muito "mau humor". E deve de fato estar numa fase misântropa.

Neonomicon acaba sendo uma daquelas obras menores desagradáveis que não chegam a riscar a carreira de um grande escritor como Alan Moore. Em geral, ele é, e com justiça, apontado como um dos maiores Contadores de Estórias da atualidade, mas aqui (logo aqui!) derrapou e cometeu uma horrível gafe. Talvez o rumor de que Moore apenas topou escrever Neonomicon por razões financeiras explique o tamanho do descaso com que ele tratou o tema.

Uma pena que não deu certo. Faça um favor a si mesmo e ignore Neonomicon.

19 comentários:

  1. Sei lá, mas depois de Lost Girls, o Moore não é mais o mesmo (League of Extraordinary Gentlemen que o diga... PQP!). Eu li o Courtyard a apesar da história não ser do mesmo nível de clássicos do Moore, ela tem uma abordagem do Yellow Sign que gostei muito. Agora, o Neonomicon (só li os 2 primeiros) é morro abaixo...

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  2. Eu gostei, não achei um desastre tão retumbante assim. Claro, o Moore vai na direção oposta do Lovecraft ao tornar a coisa explícita e sexual, mas nesse ponto ele mantém a consistência com o que fez em outras ocasiões reinterpretando obras literárias: deu a sua interpretação pessoal da obra, doentia talvez, mas construída nas lacunas que a obra original deixa na mente do leitor, contrapostas a um contexto contemporâneo.

    Acho que a auto estima melhorada de Brears faz sentido enquanto sinal da perda de sanidade e consequente aumento da lucidez dela, uma vez que a personagem passa a ver a realidade com outros olhos, dado o papel que ela acaba por desempenhar. A cena do estrupo desfocado que tanto lhe desagradou, não deixou de cumprir seu papel, pois é terror em primeira pessoa, com o leitor vendo o mundo através dos olhos da personagem é uma grande sacada. Claro a obra não é uma explosão de criatividade do Moore, é até meio morna em muitos momentos, mas não chega a ser medíocre. Infelizmente, não empolga tanto quanto the courtyard. Faltou um suspense, menos previsibilidade.

    Acho que ele faz melhor se estiver de bom humor.

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  3. Um trabalho ruim de doer esse do Moore. A cena da garota masturbando o deep one é de causar pena de tão ridícula...

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  4. Opa Demian,

    Eu não tenho dúvidas que o Moore poderia fazer algo muito melhor. Sou fã dele, mas nessa série ele extrapolou. O resultado ficou muito aquém do esperado. Parece uma daquelas obras concebidas apenas para chocar e nada mais, o que para um grande escritor como Moore é frustrante.

    Eu pessoalmente achei o resultado bastante fraco, mas já fico feliz por não ter comprado a edição encadernada.

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  5. Pode ser por aqui:

    http://www.amazon.com/Alan-Moores-Neonomicon-Avatar-Moore/dp/1592911307/ref=tmm_pap_title_0?ie=UTF8&qid=1330692047&sr=8-1

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  6. Eu nunca vi esse material, entao nao posso opinar. Mas por outro lado, nem tudo esta perdido para as obras dos Mythos nos quadrinhos. Eu andei descobrindo o FATALE, da dupla Ed Brubaker & Sean Phillips, que me pareceu bem atraente. Mistura o cenário Noir com os mythos de cthulhu. E tem uma arte mais realista pè no chao. Vale a pena conferir.
    o site Nhandrega disponibilizou a primeira ediçao traduzido para quem quiser conhecer a obra, ao total sao 12 ediçoes, se nao estou enganado.
    Aqui vai o link da demo da primeira:
    http://ndrangheta-br.blogspot.com/2012/02/hq-fatale-01-de-ed-brubaker-e-sean.html

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  7. Olá King in Yellow, uma pena que o conteúdo de Neonomicon não ficou no nível das artes de capa. Muito empolgantes elas. Nesse ponto acaba frustrando o leitor mesmo, gerando outra expectativa. Se o Moore tivesse ficado só em Courtyard quem sabe teria sido melhor, embora eu não jogaria no lixo a história completamente.

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  8. amigo! tem noticias ou sabe se essas obras do alan moore"the courtyard","neonomicon"e"Yuggoth Cultures ", serão publicadas no brasil? conheço lovecraft mais por filmes, e pelos contos do Hellboy mas pretendo me iniciar nos livros mas sou um grande colecionador de Alan moore parabens pelo blog acho super legal, acabei conhessendo muinto sobre os mitos atraves de voce!

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  9. Acho que uma análise do texto como essa aqui no youtube ajuda a salvar um pouco neonomicon.
    http://www.youtube.com/watch?v=9gCH7e0r70U

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  10. Pra galera que quiser comprar segue o link: http://www.comix.com.br/product_info.php?products_id=16698

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  11. Aos interessados acabou de sair no Brasil pela Panini! Estou lendo ainda!

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  12. Comprei a Neonomicon na Comix neste fds (http://www.comix.com.br/product_info.php?products_id=17214&osCsid=7m7hbhc9f442mumev0kbs1ajl7). Gosto do Moore, principalmente por V e From Hell. Creio q existem duas maneiras baratas de vc chamar a a
    tenção de um fã de horror: sangue jorrando e sexo explícito. Moore usou a última neste HQ e, em minha opinião, o resultado é patético. Se vc consegue resumir uma trama de horror e investigação em 2 paragrafos beeeem curtos, algo está errado. Uma pena eu ter lido logo no dia 20/08...

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  13. Li hoje. Gostei. Não chega nem perto das grandes obras do Mago. Mas mesmo as HQs "ruins" de Moore são acima da média geral que encontramos à venda atualmente. Li sem muito afinco, sem tanto interesse com a mitologia referenciada. E gostei. Foi interessante e divertida. Conseguiu entreter-me com um mínimo de inteligência. A arte é competente. O trabalho da Panini também e o preço foi justo. Valeu a pena.

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. É difícil ignorar o apelo sexual do Neonomicon, mas o que eu consegui filtrar da história me agradou.

    Gostei do Carcosa, o avatar de Nyarlathotep que aparece tanto no Neonomicon quanto no The Courtyard. Muito interessante.

    Também gostei do modo como a percepção de tempo dos Antigos é diferente e o Cthulhu é uma espécie de Anti-Cristo que ainda nem nasceu. A Brears engravidou (pra mim foi o beijo do Carcosa, não o sexo com o monstro) e a a cidade onde ele dorme na verdade é o ventre dela. Isso eu achei bastante interessante.

    As cenas de sexo grotesco são altamente dispensáveis, claro.

    Só depois de ler o Neonomicon foi que eu li The Courtyard. Gostei muito mais do The Coutyard, bem mais elegante e interessante.

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  16. Li muitas resenhas críticas de Neonomicon na internet e essa é, de longe, a melhor de todas. E quem falou que a cena da mulher masturbando o Deep One ficou patética está coberto de razão (encontrei essa imagem na internet e dei risada, em vez de ficar chocado).

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