Originalmente publicado em 05/03/12
Inspirado no texto de Monte Cook
Então você acha que aqueles horrendos, assustadores e enlouquecedores deuses e criaturas do Mythos não combinam com o bom e velho estilo hack-and-slash?
Bem, pense novamente, ao menos é o que diz Monte Cook, um dos nomes mais famosos do RPG mundial. Cook fala com certo grau de autoridade, pois foi o autor de Call of Cthulhu D20, livro inspirado pela obra de H.P. Lovecraft. Na verdade, ele misturou ingredientes de fantasia heróica medieval com os Mythos em sua campanha caseira e o resultado foi... bem continue lendo.
"Eu inseri cultistas que veneram entidades malignas ancestrais como vilões centrais em minha mesa regular de D&D" disse Monte. "Apenas a idéia de que existem coisas que desafiam a sua sanidade adiciona um elemento interessante às campanhas de D&D convencionais."
Escrever a respeito de um encontro entre os dois estilos de jogo é um dos temas favoritos de Monte Cook. Converter magias e monstros clássicos do Mythos para serem inseridos em D&D é pura diversão. Que tal fazer a tradicional Fireball se tornar uma magia ligada ao Deus Flamejante Cthugha? Ou fazer com que os feitiços de Ilusão estejam ligados ao sempre enganador Nyarlathotep? É possível que Entes e Sátiros sejam serviçais do Bode Negro com mil Filhos?
Introduzir elementos provenientes dos bizarros horrores lovecraftianos em um ambiente fantástico resulta em uma campanha bem mais sombria. Mas Monte defende que esse estilo pode conviver com a tradicional aventura de heroísmo fantástico.
"Você pode fazer isso funcionar de duas formas" ele explica. "Se você tem uma campanha extremamente heróica, pode apresentar essas forças tenebrosas como inimigos oriundos de outra realidade, nêmesis de tudo que existe no mundo e dos seres que nele habitam. Por concepção eles são estranhos na realidade em que habitam os personagens. Além disso, essas forças não são apenas malignas, elas estão além do mal que se está acostumado a encontrar. Nessa situação, mesmo os Dragões e Beholders lutariam contra essas entidades, pois a vitória delas se traduz na obliteração de tudo. Uma união de forças seria necessária para conter essa grave ameaça e esse é o ponto de partida para uma campanha com característica épica".
"O outro caminho é focar sua campanha de D&D a partir de uma narrativa condizente ao estilo lovecraftiano, onde as forças enfrentadas são incrivelmente poderosas e praticamente impossíveis de serem derrotadas. A campanha então se torna uma desesperada luta contra um mal que sobrepuja tudo ao seu redor e as vitórias - quando elas são conquistadas - são relativamente pequenas. Os heróis, por mais poderosos que sejam não podem livrar o mundo de Cthulhu e seus servos, mas podem salvar uma vítima que seria sacrificada pelos cultistas, ou podem frustrar os planos deles por algum tempo".
O DM pode começar a introduzir lentamente algumas criaturas do Mythos de Cthulhu em seu jogo. "Eu posso facilmente imaginar um cenário de D&D usando vários monstros de Call of Cthulhu. Isso demonstra a flexibilidade de D&D acima de tudo. Posso imaginar uma aventura bastante sinistra com heróis enfrentando yithians, que obviamente vivem em um passado distante, mas são capazes de viajar mentalmente no tempo para possuir a mente das pessoas. Monstros como os Mi-go e os Shoggoth também são ótimos inimigos para D&D".
"Algumas criaturas de Cthulhu, como por exemplo os gnoph-keh parecem até mais apropriados para D&D do que Cthulhu. Quando narrei a campanha Walker in the Wastes, tive de me esforçar para tornar os gnoph-keh assustadores -- eles parecem enormes ursos polares com um chifre e isso é bem pouco lovecraftiano na minha opinião. De fato, um monstro como esse, encontraria lugar facilmente no Monster Manual entre manticores e lamias."
Introduzir monstros de Call of Cthulhu é uma coisa, outra muito mais complexa é adicionar algum Deus Ancestral a sua campanha. A imagem no alto desse artigo foi inspirada por um sessão de playtest na qual Monte lançou um grupo de aventureiros de vigésimo nível contra o Grande Cthulhu. "Eram seis jogadores e cada um podia assumir um personagem do mesmo nível caso o seu morresse. Mesmo enfrentando essa oposição, Cthulhu matou 13 heróis de alto nível antes de ser derrotado. E para ser justo, o grupo não conseguiu destruir Cthulhu, eles apenas o capturaram usando uma magia de aprisionamento de alto nível -- porque matá-lo parecia impossível."
Por sorte, você como DM não precisa colocar seus jogadores num combate contra Cthulhu em pessoa para injetar sua aventura algum elemento lovecraftiano. Para ajudar os mestres, aqui estão 10 formasde introduzir elementos de Call of Cthulhu em seus jogos de D&D.
10 Maneiras de Adicionar Cthulhu:
1 - Situe a aventura em um asilo para loucos, onde você pode introduzir regras de sanidade para seus personagens e NPCs. Loucura e insanidade podem existir em qualquer ambientação e contexto, então crie personagens que sofrem desses males. Quem sabe um anão adquiriu uma profunda fobia de serpentes depois de enfrentar um bando de Yuan Ti? Que tal um guerreiro que adquiriu um pavor de sangue após presenciar um ritual de sacrifício? Ou ainda inserir em um cenário um mago com múltiplas personalidades ou personalidade dissociativa? Alguém duvida que a vida de aventureiro é um convite a loucura?
2 - Tenha um mago, na verdade é melhor chamá-lo de feiticeiro, com acesso a magias especialmente cruéis (como Shriveling) e capaz de realizar a invocação de monstros lovecraftianos. Essa dica é bem bacana para transformar usuários de magia convencionais em vilões memoráveis no estilo Joseph Curwen. Em Cthulhu feiticeiros são por definição os inimigos e fazem por merecer esse título. Consórcio com as trevas, sede irrestrita de poder e crueldade sem limite são três características inerentes a um feiticeiro lovecraftiano. Transfira esses atributos para D&D e seu mago se transforma em um vilão memorável.
3 - Introduza tesouros baseados na avançada tecnologia dos Mythos. Os personagens não precisam compreender a estranha tecnologia das criaturas do Mythos, de fato é mais interessante que eles não saibam o que tem em mãos. À primeira vista, as estranhas máquinas, armas e equipamentos podem ser compreendidos como itens mágicos. Quem sabe o grupo ganhe acesso a um projetor de névoas dos Mi-Go ou a uma Arma de Raios dos Yithians. Aprender como esses itens funcionam ou como remediar os danos causados por eles, fornece material para aventuras inteiras.
4 - Faça com que os Sahuagin fiquem cada vez mais parecidos com os Abissais: monstros humanóides meio homem e meio-peixes, interessados em sequestrar fêmeas e carregá-las para suas cidades submersas com objetivos escusos. "A Sombra sobre Innsmouth" pode se transformar em um perfeito cenário de fantasia medieval manipulando alguns elementos. Pense em uma cidade costeira assolada por terríveis monstros marinhos e em um grupo tentando deter os planos de conquista desses terríveis seres.
5 - Improvise um encontro com uma criatura misteriosa e lendária (como o gnoph-keh) que habita uma região igualmente isolada e temida. A mitologia de Lovecraft é rica em temas como "a casa proibida" ou "a charneca maldita", para um contexto de fantasia medieval transforme tais localidades em algo como "a torre de magia abandonada" ou "a fortaleza em ruínas". Outro tema comum são as lendas à respeito de monstros lendários. Use e abuse de referências como "o pântano habitado pelo monstro" ou "as cavernas onde vive a coisa". Não identifique o que é o monstro, não seja preciso à respeito de sua natureza ou mesmo de sua existência... uma grande sacada é fazer com que não se saiba o que o grupo irá encontrar explorando esses lugares evitados pelas pessoas que tem juízo.
6 - Trabalhe a idéia de um cabal de feiticeiros que se reúne para cumprir um tenebroso objetivo comum. Nada mais lovecraftiano do que um grupo de feiticeiros especialmente cruéis (ver a dica 2) se reunir para juntos promover alguma conspiração tenebrosa. Talvez esses magos formem uma espécie de Sociedade Secreta ou Irmandade. Que tal se os magos descobriram uma antiga profecia à respeito de uma conjunção celestial (as estrelas estão certas!) que favorece a condução de um ritual a cada 1000 anos? Alternativamente os magos podem ter se reunido com o objetivo de emergir das profundezas uma cidade submersa ou ainda abrir um gigantesco portal dimensional que trará seus mestres.
7 - Trate as divindades lovecraftianas como deuses ou demônios há muito desconhecidos mas ainda poderosos. Essas entidades de poder incomensurável são citadas apenas nos anais da história élfica, em velhas parábolas descritas em runas gravadas pelos sacerdotes de Moradin ou ainda em velhos rolos de papiros dos mind-flayers. Os Deuses Ancestrais podem ser tão temidos que as raças primordiais fizeram um esforço para apagar sua existência de seus registros históricos... apenas alguns poucos documentos guardados em bibliotecas ou perdidos em tesouros sobreviveram. É um bom momento para apresentar algo tão medonho quanto o Book of Vile Darkness, o primeiro e único... Necronomicon.
8 - Um grupo de aventureiros decide explorar uma Masmorra abandonada em busca de tesouros e riquezas. Eles acabam adentrando um complexo subterrâneo de túneis pertencentes a uma civilização esquecida. Esses túneis podem ser a morada de ghouls (para um grupo de baixo nível), elder things (nível intermediário) ou cthonians (alto nível) que estavam hibernando há séculos e agora estão prestes a despertar e atacar uma inocente vila, cidade ou a capital do reino (dependendo de sua aventura). Conseguirão os heróis encontrar uma forma de deter essas criaturas antes que inocentes paguem pela sua ambição?
9 - Lance os heróis em um mistério encenado num ambiente urbano como Red Hook. O grupo de heróis chega a uma cidade e descobre que pessoas estão desaparecendo na calada da noite. Os habitantes do lugar suspeitam que alguma presença maligna esteja espreitando nas sombras e por isso evitam sair depois do anoitecer, trancando portas e janelas, mantendo velas acesas a noite inteira. Os heróis são contratados para investigar esses desaparecimentos e encontram indícios de que um culto está realizando sacrifícios nas noites sem lua. O plano desses cultistas é continuar invocando uma abominável criatura que vaga pelas galerias de esgoto faminta e sedenta de sangue.
10 - Os Mi-Go ou quem sabe, os Anciões, desejam conquistar o mundo dos heróis. Para isso começam a agir nas sombras através de agentes humanos, na verdade cultistas que os servem fanaticamente. Eles planejam ativar um dispositivo gigantesco que lhes permitirá abrir um portal dimensional conectando sua realidade e o mundo dos heróis. Para evitar essa catástrofe os heróis terão de desvendar essa conspiração secreta, apontar os envolvidos e atacar as bases estabelecidas pelos conquistadores a fim de destruir as máquinas que criam o portal. Como as outras raças irão reagir diante desses planos? Será que os Mind-Flayers ou a raça dos Githyanki sabem desses planos? Para que lado irá pender sua lealdade?
Meus dois centavos:
Antes de ser chamado de herege por algum jogador mais purista que se nega a misturar Cthulhu e Dragões, gostaria de lembrá-los que os mundos de fantasia são abertos a todo tipo de fonte e que boas aventuras dependem apenas da imaginação daqueles envolvidos. Em última análise, a diversão do grupo é o único limitador para as estórias vividas pelos personagens.
O que eu posso aconselhar é: "SE É DIVERTIDO, USE".
Lembre-se também que a primeira edição de D&D trazia vários seres do Mythos dividindo as atenções com orcs, kobolds e hobgoblins.
Muitos monstros hoje considerados clássicos são inspirados direta ou indiretamente pelos seres do Mythos. O Mind-Flayer com sua aparência de lula foi obviamente baseado em Cthulhu, o Black Pudding é um amálgama de Shoggoth e Nyoghtha, enquanto o Gibbering Mouther é apenas uma evolução que se aproxima ainda mais dos Shoggoth. O tendriculos é muito parecido com os Dark Young, os Yuan Ti lembram o Serpent People, os já mencionados Sahuagin e também os Locathah e Kuo-Toa são guardam similaridades com Deep Ones, assim como o Purple Worm lembra em alguns aspectos os Cthonians.
Mistério e terror são marcas presentes em qualquer campanha de D&D, não importa o quanto os personagens sejam heróicos eles são confrontados por criaturas que desafiam sua noção de normalidade. Negar que Cthulhu é uma fonte quase inesgotável de inspiração para aventuras épicas é ignorar um mundo de opções.
Por anos eu conduzi uma campanha de Ravenloft que era em essência um cenário tipicamente Lovecraftiano.
Os personagens buscavam pistas à respeito de um mal primordial que estava prestes a retornar graças às ações de uma Irmandade Secreta operando à guisa dos Lordes de Domínio. Os próprios Lordes de Ravenloft sabiam pouco sobre esse mal, mas suspeitavam que ele tinha potencial para rasgar a Terra das Brumas e devastar o tecido do Demiplano.
A conspiração envolvia o despertar de uma Entidade habitando as profundezas da assustadora Greta Sombria e que se alimentava do medo. Para que ela crescesse, a Irmandade fomentava terríveis acontecimentos que com o tempo permitiriam o retorno desse mal. Fosse o despertar de zumbis em Souragne, a presença de Fehyr em Nova Vaasa, múmias de faraós em Pharasia, pesadelos originados pela ciência em Lamordia, cada horror despertado favorecia o fortalecimento dessa entidade.
Ora, para bom entendedor, é claro que essa entidade maligna não era outra força senão uma espécie de Great Old One, a Irmandade que a servia um culto e os próprios heróis, investigadores tentando salvar o mundo. Foi uma variação para uma típica campanha ao redor do mundo, nos moldes consgrados por "Masks of Nyarlathotep" ou "Curse of Cthulhu" mas se passando em um mundo de fantasia gótica medieval.
Troque pistolas por espadas, rituais de proteção por encantamentos e a Universidade Miskatonic pela Universidade de Mordent e pronto.
O resultado foi bem legal e mesmo os jogadores mais xiitas jamais desconfiaram que sua masmorra havia sido invadida por Cthulhu.
...excelente post...ja usei a Mythologia Lovecraftiana nas minhas aventuras de DnD e confesso que surpreendi o grupo rsrs...principalmente se seu grupo for ja " veterano " no DnD...recomendo a experiencia...um abraço a todos...
ResponderExcluirA tormenta (do cenário de mesmo nome) é um exemplo que acho bem interessante de invasão de criaturas aberrantes que desafiam a realidade. O anime Berserk também é bem desenvolvido no termo de que o mundo é efetivamente governado por criaturas horrendas que se escondem atrás de fachadas humanas. Recomendo os dois.
ResponderExcluirHummm, Earthdawn, alguem?
ResponderExcluirEarthdawn, que muitos dizem ser o passado do mundo da Terra de Shadowrun (ou seu futuro muito distante) traz isso, um mundo de fantasia onde os povos se esconderam em cidades-cofres abaixo das montanhas esperando passar a invasão dos Horrores, serem alienigenas e extra-dimensionais terríveis, bem ao estilo Lovecraftiano.
O Old Dragon é cheio de criaturas e referências lovecraftianas.
ResponderExcluirLovecraft foi uma das principais referencias durante a criação do D&D,como afirmado pelo próprio Gary Gygax,junto com o clássico Conan, pai da Espada & Magia e que também flertou muito com os Mythos. Fica claro que a junção de D&D e Mythos, além de deliciosa, é um retorno às origens. Ótimas dicas,por sinal !
ResponderExcluirExcelente!
ResponderExcluireu ja narro a alguns meses uma campanha pathfinder baseado nos mythos onde os dragoes sao na verdade os "antigos" referentes do mestre lovecraft, que a muito habitaram o mundo no inicio dos tempos entre outraos... o pessoal ta curtindo, misturo muita insanidade com horror e faça os poderes deles parecerem apenas brincadeira de criança....uhauahua...
ResponderExcluirNo D&D 5th sugerem o Cthulhu como um dos possíveis patronos para warlocks. Quando li isso, já me vieram milhões de ideias...
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