domingo, 20 de maio de 2012

Capturando Imagens - Filmadoras nos anos 20 e 30


Depois de assistir essa tal Filmagem Bitterroot fiquei curioso à respeito de câmeras de filmagem antigas e resolvi fazer uma pesquisa à respeito do que existia nos anos 20-30. Descobri que é um assunto bem interessante e acabei escrevendo esse artigo. Estou longe de ser um especialista (muito pelo contrário!), por isso espero não escrever nenhuma bobagem muito grande. Se alguém entender desse tema, por favor releve qualquer deslize e fique à vontade para me corrigir.

Como ocorre com todas as invenções no início, as câmeras eram aperelhos quase artesanais construídas por entusiastas que ainda tentavam aprender os truques de filmagem, edição e continuidade.

As primeiras câmeras de filmagem comercializadas, chegaram ao mercado em meados de 1910 e eram grandes e pesadas exigindo um certo conhecimento técnico por parte do operador. Esses aparelhos eram usados profissionalmente para criação de filmes, documentários e notícias (os newsreels) projetados em salas de cinematographo, o equivalente aos cinemas atuais. As câmeras eram bastante caras e por isso destinadas aos estúdios ou produtores que podiam bancar seu custo, dificilmente uma pessoa poderia adquirir uma câmera para fazer suas próprias filmagens, a não ser que tivesse muito dinheiro e tempo livre para aprender o manuseio do equipamento.
 
Uma câmera francesa da Pathé modelo de 1913
Além disso havia outro empecílio: os primeiros rolos de filmes produzidos em formato 35mm tinham como componentes básicos o nitrato de prata e extratos petroquímicos dispendiosos. Mas a questão de preço era apenas parte do problema; havia o risco que qualquer fagulha transformasse o filme em uma bomba incendiária (quem viu Bastardos Inglórios sabe do que estou falando!). O perigo era tamanho que chegou a vigorar em vários lugares um código de segurança que impedia o transporte de rolos de filme e armazenamento sem os devidos cuidados. Latas de alumínio hermeticamente fechadas concediam alguma proteção, mas ninguém estava livre de acidentes. Hollywood que teve o primeiro pólo de produção cinematográfica contava com uma brigada de incêndio especialmente treinada para conter o fogo resultante da queima de nitrocelulose.
   
Projetores de cinema, eram consideravelmente mais acessíveis e podiam ser adquiridos por pessoas interessadas em apresentar filmes em casa. Um aparelho projetor não era barato podendo custar até 300 dólares, mas aqueles que adquiriam o equipamento podiam se filiar a clubes que disponibilizavam filmes para seus sócios. Funcionava mais ou menos como as video-locadoras, na qual as pessoas pagavam uma anuidade de 15 dólares e podiam alugavam os títulos em um catálogo -- cuja espera podia ser de 1 mês para recebimento. Rolos de vários gêneros desde documentários a docudramas podiam ser alugadas. Como não poderia deixar de ser, um mercado clandestino de produções eróticas e pornográficas se iniciou quase que instantaneamente entre os afixionados por projeções. Essas produções baratas se popularizaram de tal forma que o equipamento de projeção ficou associado com libertinagem em vários lugares dos Estados Unidos.

Birt Acres foi o primeiro a tentar estabelecer um formato amador para as câmeras ainda em 1898. Ele defendia que o potencial era enorme e previu que um dia qualquer pessoa poderia fazer seus próprios filmes e guardá-los para assitir quando bem entendesse. Birt tentou introduzir filmes de 17,5 mm, o Birtac, enquanto outros cinegrafistas testavam rolos com largura variada adaptando projetores para receber seus filmes.

Em janeiro de 1923, a companhia Eastman Kodak anunciou que lançaria no mercado o Kodascope, um sistema amador que permitiria criar filmes em formato 16 mm.

As alegrias de filmar o que estiver à sua volta

A proposta era notável. Filmes já haviam conquistado o público e a idéia de qualquer um poder filmar e exibir seus filmes despertou enorme interesse. Para lidar com a questão do risco de incêndio, foi desenvolvido um filme mais seguro à base de diacetato (e depois triacetato) que não se incendiava com a mesma facilidade. Por lei esse passou a ser o único filme aceito para venda e distribuição ao público, enquanto o filme de 35 mm tornou-se exclusivo para cinegrafistas profissionais, uma divisão que continua até hoje.
Propagandas anunciando o Kodascope começaram a aparecer nos jornais em maio de 1923 com o texto "Cine-Kodak permite a qualquer um fazer seus próprios filmes". A procura foi tão grande que se formou uma fila de espera pelo equipamento. Muitas das pessoas que compraram a câmera através do Catálogo Sears só a receberam 6 meses depois.

A popularidade dos filmes em 16 mm foi imediata resultando na abertura de uma cadeia de laboratórios de processamento da Kodak em todo mundo para produção de filmes em acetato. Um rolo com 100 pés de filme custava $ 7.50 e um com 400 pés saia por $ 30.00 nas lojas autorizadas da Kodak em 1923.

Uma vantagem do equipamento vendido pela Kodak é que o projetor era vendido junto com a câmera. O pacote contendo câmera, projetor, estojo, tela de 1,40 m por 90 cm, tripé e 400 pés de filme podia ser adquirido por US$ 335. Ainda era muito caro, considerando que em 1923 o modelo básico de automóvel vendido pela Ford Motors Co custava US $ 550.

Uma das jogadas de mestre da Eastman Kodak foi permitir que seu "filme seguro" de 16 mm fosse compatível com qualquer outra câmera, mesmo as concorrentes. Desse modo a Kodak assegurou seu lugar como principal forncedor mundial de filme vendendo 3/5 de todo o filme produzido no mundo.

As principais concorrentes da Kodak entraram no mercado a partr de 1924. A Bell & Howell, uma companhia formada em 1907 que se dedicava exclusivamente a equipamento cinematográfico de 35mm, apresentou a "Filmo 57" uma câmera de 16 mm mais simples e leve que a Kodascope a um custo bem mais acessível.  Por algum tempo a Bell & Howell foi a líder em equipamento de filmagem.

Victor Animatograph Company, introduziu a partir de 1918 a Animatograph uma opção ao modelo cinematográfico que empregava filme de 28 mm. Em 1925 a companhia se tornou a terceira a entrar no ramo de "Home Movie" utilizando filme no modelo 16mm, para o modelo batizado "Victor".

Propaganda da Cine Kodak Eight em 1932 para vendas de natal.
 Filme em cores se tornaram uma realidade para cinegrafistas amadores a partir de 1928 com a introdução do Kodacolor. O processo, no entanto, ainda era falho e os filmes muitas vezes acabavam se estragando ou tendo resultado aquém do esperado (com filmagem desbotada). Dessa forma os filmes coloridos não se popularizaram por pelo menos mais 15 anos até eles serem aos poucos reintroduzidos.

Som foi apresentado a partir de 1930 pela Victor através de um sistema adaptado do Vitaphone (o sistema que levou som ao cinema). Ele empregava um disco de gravação que era simultaneamente com a filmadora. O aparelho era enorme e acabou sendo um fracasso comercial retumbante. Os laboratórios Kodak, após três anos de experimentação conseguiram desenvolver um filme especial que registrava o som.
Em meados de 1932, a Grande Depressão atingiu o mundo com força e as pessoas não podiam se dar ao luxo de comprar o caro equipamento em 16 mm. A Kodak vinha pesquisando um modelo mais barato há pelo menos cinco anos e finalmente obteve sucesso com o Cine Kodak Eight. Esse tipo de câmera utilizava um filme de 8 mm que se tornou o grande sucesso de vendas desbancando todos os modelos anteriores.

A câmera permitia filmagens curtas com um filme pequeno de no máximo 50 pés a 16 frames por segundo totalizando filmagens com autonomia de 4-5 minutos no máximo. A principal vantagem dessas máquinas é que por serem menores podiam ser manuseadas com maior facilidade como dispositivos portáteis dispensando o uso do tripé. Os aparelhos também não tinham manivela funcionando com uma bateria interna. O grande atrativo dessas máquinas era o preço acessível em torno de $ 50.

A Bell and Howell começou a produzir câmeras de 8 mm em 1934 para acompanhar a tendência do mercado consumidor, mas a principal companhia a explorar esse novo modelo foi a suiça Bolex que começou a produzir câmeras voltadas para o mercado amador a partir de 1938. O modelo permaneceu dominando o mercad até 1965 quando foi lançado o formato Super 8 que utilizava um cartucho de melhor qualidade de imagem com o dobro da duração.

Aqui estão algumas câmeras usadas no período:

Bell and Howell model 2709 (1920)

À despeito do alto custo (chegaram a custavam mais de US$ 1000 dólares) e sua relativa complexidade operacional, a Bell and Howell colocou no mercado o Modelo 2709 que foi usada pelos estúdios ao longo dos anos 1920-30. Era essa a câmera utilizada pelos grandes estúdios para produzir filmes no período. Charlie Chaplin usou um desses modelos para produzir clássicos como "A Corrida do Ouro", "Tempos Modernos" e "Luzes da Cidade". D.W. Griffith e Cecil B. DeMille usavam esse mesmo equipamento.

No filme King Kong, tanto na versão da década de 30 quanto na mais recente, é uma Bell and Howell que vemos em cena.

Esse modelo apresentava um corpo todo de metal, um eficiente sistema de foco e uma manivela sem fricção. A câmera produzia filmes em 35 mm e podia estocar até 400 pés de filme, o bastante para 10 takes de 12 minutos cada ou duas horas de filmagem.

Acoplada a um cavalete ou tripé, a câmera móvel ela podia ser levada para qualquer lugar pelo operador e equipe, resistindo bem a solavanco e exposição aos elementos.

Mitchell Standard (1921)

Introduzida no mercado em 1921, a Mitchell Standart tinha um design inovador e operação fácil carecendo apenas de um operador para manejá-la. Seu criador se orgulhava do fato desta ser uma das câmeras mais simples existentes sem comprometer em absoluto a qualidade da filmagem.

Outra vantagem era o sistema de rotação que permitia utilizar quatro modelos diferentes de lentes para filmagem e filtros para compensar luminosidade.

Essa cãmera de 35mm podia estocar até 600 pés de filme em sua lata de alumínio. A Mitchell jamais foi tão popular quanto a Bell & Howell nos Estados Unidos mas foi muito usada na Europa sendo o equipamento utilizado por Luis Buñuel, Jean Renoir e Murnau.


Kodascope 16 mm (1923)

A primeira câmera de cinema produzida para o público em geral e vendida a 330 dólares. A máquina pesava 3,300 kg (4 kg com o filme) e era bastante móvel em comparação às outras.
Para ser operada ela carecia de um ponto de apoio por isso vinha com um tripé a fim de facilitar a movimentação da manivela na lateral. Em seu interior era possível colocar até 400 pés de filme de 16 mm em sua caixa quadrada de metal preto.

O aparelho era inovador e bastante fácil de operar, dotada de uma lente Anastigmat que permitia filmagens de qualidade a até 15 metros de distância. O grande problema desse modelo era o peso desconfortável e a manivela que precisava ser rodada em um determinado ritmo para não danificar o filme.

Bell & Howell Filmo 70 "Eyemo" (1926)

Considerada a melhor máquina em 16 mm dos anos 1920, a Filmo 70 se manteve no mercado por mais de 50 anos.

A Bell and Howell de Chicago produziu a Filmo 70 com o objetivo de ser a câmera mais fácil de operar disponível no mercado. A grande inovação era o mecanismo automático que dispensava a manivela e que processava o filme na velocidade correta permitindo ao operador mais liberdade para se concentrar exclusivamente no foco.

O aparelho também tinha um design inovador em oposição ao visual "quadrado" da Kodak. O compartimento de filme ficava ao lado protegido por uma placa aberta por um botão de mola.

Além de tudo a Eyemo (nome pelo qual essa câmera se popularizou) era mais barata. Essa máquina só perdeu a sua hegemonia com o advento das 8 mm.

Cine Kodak Eight (1932)

A primeira câmera de 8 mm foi a primeira filmadora realmente portátil. Ela podia ser operada facilmente embora tivesse grandes limitações quanto a duração e qualidade da filmagem.

O preço mais em conta, no entanto, conquistou o grande público e a Cine Kodak caiu nas graças de toda uma nova geração de entusiastas de filmagens caseiras.

O fato de ser uma máquina portátil e resistente (com um estojo de metal que garantia a integridade do filme) permitiu que câmeras portáteis desse tipo fossem levadas a lugares antes difíceis. O modelo 8 mm se tornou uma febre entre turistas e viajantes que desejavam registrar suas viagens e mostrar aos seus amigos onde haviam estado. Modelos em 8 mm foram usadas para documentar momentos marcantes da história como a Guerra Civil na Espanha e os primeiros anos da Segunda Grande Guerra. Máquinas em 8 mm permitiram a criação dos primeiros filmes jornalísticos produzidos por cinegrafistas amadores.

Aqui está uma típica filmagem amadora feita no Egito em meados de 1920:

6 comentários:

  1. muito bom amigo, excelente trabalho.

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  2. Muito interessante.
    Hoje em dia praticamente todo mundo tem uma câmera que cabe dentro de um bolso.
    Foi incrível a evolução desses equipamentos.

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  3. Muito bom para minha coleção de imagens...

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  4. alguém poderia me dizer se birt acres tentou estabelecer um formato para todas essas câmeras?

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