Eu admito que não conhecia a história do povoado de Myasnoi Bor e do bosque de mesmo nome, mas quando pesquisei a respeito fiquei arrepiado. Esse lugar enigmático fica na Rússia, na região de Novogorod, uma área conhecida como "Vale da Morte" ou "Vale da Carnificina".
Trata-se de uma floresta que cresce em forma de anel e que isola, quase como se estivesse abraçando, uma vasta área pantanosa de difícil acesso. Dentro dessa área, existem algumas comunidades na forma de vilarejos, sendo o maior Myasnoi Bor, fundado durante o período da União Soviética. Muitos desses povoados foram abandonados pelos seus moradores depois do fim do comunismo e tudo o que resta são ruínas de casebres esquálidos de madeira. Há ainda algumas poucas fazendas aqui e ali, a maioria delas antigas e arruinadas. As estradas são escuras e mal cuidadas e os moradores evitam seguir através delas após o anoitecer.
O que torna Myasnoi Bor tão bizarra é a quantidade de relatos de fenômenos paranormais dessa área. Cada estória é mais estranha e bizarra do que a outra.
Os aldeões comentam que no passado a região que corresponde a Myasnoi Bor era uma região muito temida. Os vizinhos acreditavam que em seu interior viviam fadas, duendes e criaturas mágicas do folclore russo. São fadas que tem muito pouco em comum com as entidades silvestres do resto da Europa. Na Rússia, quase todas as fadas são seres canibais, malignos e extremamente perversos, por isso temidos e respeitados.
Havia ainda lendas muito antigas mencionando lobisomens e vampiros que faziam do bosque o seu lar, uma vez que as densas copas das árvores concediam uma proteção natural contra a luz purificadora do sol.
Quando os bolcheviques tomaram o poder, a área foi destinada a ocupação e construção de fazendas coletivas. Muitos camponeses se negaram a se estabelecer ali mencionando velhas superstições, mas os sovietéticos não estavam interessados nessas tolices. Alguns foram coagidos, outros fugiram, mas enfim, alguns acabaram obedecendo as ordens e passaram a viver ali.
As fazendas se desenvolveram lentamente, mas aos poucos as comunidades se fixaram. Então, em 1942 veio o desastre. Aquele foi um dos anos mais duros da Segunda Guerra, quando o avanço nazista sobre a URSS tinha as qualidades de um rolo compressor. Myasnoi Bor foi palco de sangrentas batalhas que lhe valeram o apelido de "Vale da Carnificina". O Exército Vermelho, formou uma linha de defesa na região, o chamado Segundo Exército de Choque que foi distribuído ao longo de uma linha com o objetivo de fincar os pés e evitar a invasão de Leningrado.
O bosque foi cercado com arame farpado e trincheiras foram escavadas ao longo de toda sua extensão. A defesa dessa região, o Bolsão Volkhov, era essencial para que a cidade fosse devidamente evacuada. Cada dia de atraso nos planos alemães ganhava um tempo valioso de preparativos para Leningrado resistir ao inevitável cerco. As características do campo de batalha eram muito semelhantes às da Primeira Guerra décadas antes e o resultado do embate foi similar ao da traumática Guerra das Trincheiras.
Os soviéticos aguentaram o quanto podiam, mas foram arrasados. Mais preparados e contando com o apoio de tanques e de uma infantaria bem equipada, os nazistas atravessaram o bolsão Volkhov. Os cadáveres de milhares de soldados vermelhos foram abandonados no campo de batalha, uma visão aterrorizante como descreveu um oficial alemão em uma carta:
"Haviam montanhas de soldados comunistas mortos, empilhados pelos cantos apodrecendo horrivelmente. Os tanques e veículos passavam por cima deles, esmagando ossos congelados que se partiam como gravetos secos. As esteiras dos tanques deixavam um rastro vermelho cada vez que atropelavam os homens e cavalos mutilados. Muitos soldados não aguentavam olhar aquilo. Era como estar no próprio inferno! Um matadouro sem fim de cadáveres insepultos e semi-congelados. As armas ainda em seus dedos petrificados. Percorremos milhas de trincheiras repletas de cadáveres que não eram mais do que sacos pútridos de corrupção humana. Jamais vou esquecer daquilo. Aquela visão deixou um gosto ruim em nossas bocas apesar da vitória".
Os nazistas estavam certos que Leningrado seria sua próxima conquista e com essa vitória colocariam a URSS de joelhos. Mas a história preparava uma surpresa na forma de uma resistência acirrada que mudou o curso da guerra no Front Oriental.
Em 1943, os alemães ainda lutavam nas ruas devastadas de Leningrado até que acabaram forçados a se retirar sob uma neve densa e um inverno avassalador. Foi a vez dos russos então cair sobre os nazistas em frangalhos como lobos famintos. Não faltou violência e horror nesse contra-ataque.
Rumores sobre soldados alemães que acabaram virando comida para as tropas russas famintas se multiplicavam. A Wermecht sofreu pesadas baixas na enquanto tentava se reagrupar. Entre os mortos estavam os aliados dos nazistas, membros da "Divisão Azul", espanhóis que se voluntariaram para lutar contra os comunistas.
Nessas batalhas não foram feitos prisioneiros, assim como os alemães não pouparam ninguém quando avançaram um ano antes, os russos fuzilavam os soldados capturados, abandonaram os feridos na neve sem casacos ou deixavam que camponeses armados com baionetas acabassem com eles. A guerra havia se tornado literalmente o inferno!
O saldo dessas sucessivas batalhas foi um número elevado de vítimas fatais ao longo de dois anos (até hoje, ninguém sabe ao certo quantos morreram de cada lado). A grande maioria dos mortos simplesmente ficou na beira das estradas. O solo era duro e congelado e ninguém tinha tempo ou disposição para sepultar os mortos. Soldados de ambos os exércitos ficavam caídos uns sobre os outros.
Nos anos seguintes, o cenário da guerra mudou e a URSS passou de defensor a atacante. Os tiros e a matança em Myasnoi Bor silenciaram. Mas quando a neve secava no verão, os restos dos mortos ressurgiam como uma lembrança da tragédia.
Não se sabe ao certo por qual razão as autoridades soviéticas evitaram dar um descanso honrado para esses homens. É possível que o governo não quisesse reconhecer a quantidade acachapante de vítimas que pereceram na defesa da Mãe Pátria. O fato é que décadas após o fim da guerra, o bosque continuava parecendo um enorme cemitério à céu aberto no qual se destacavam ossos ainda trajando farrapos de uniforme. Os habitantes dos povoados não podiam sequer falar a respeito do bosque sinistro ou de seu conteúdo macabro.
Durante esses anos, Myasnoi Bor começou a criar uma reputação. O lugar era considerado estranho; parecia atrair todo tipo de acontecimentos inexplicáveis, muitos dos quais envolvendo assombrações que eram vistas nitidamente, fosse dia ou noite pelos aldeões. Os eventos eram tão frequentes que o Instituto de Análise de Eventos Paranormais, ativo durante o regime comunista, conduziu expedições na área para rastrear incidentes incomuns. Os agentes entrevistavam testemunhas, filmavam a área e coletavam evidências que eram reunidas em dezenas de dossiês descrevendo casos de atividade paranormal.
O principal interesse dos investigadores soviéticos era estudar os incidentes envolvendo chrono miragens. Tais incidentes são visões de acontecimentos ocorridos muito tempo antes, que eram reprisadas continuamente por "fantasmas" ou aparições. As testemunhas falavam de soldados vistos andando pelo bosque, russos e alemães vestindo seus uniformes, atirando e gritando uns com os outros. Em certos casos, testemunhas mencionaram até terem conversado com homens que se mostravam confusos e perdidos quando informados do fim da guerra ou em que ano estavam.
Em teoria chrono miragens são como bolsões alheios aos conceitos temporais onde passado e presente co-existem por alguns instantes. Seus estudiosos acreditam que tais anomalias temporais surgem quando uma região experimenta uma região é palco de um trauma emocional coletivo e de grande intensidade. É como se o tecido do tempo fosse de alguma forma afetado pela interação das pessoas que simultaneamente viveram uma experiência significativa, no caso de pavor, destruição e finalmente, morte.
A quantidade de chrono miragens em Myasnoi Bor é notável. De longe trata-se do maior número de incidentes registrados na Rússia e talvez no mundo. Há centenas de testemunhos de pessoas ouvindo explosões, tiros e gritos, além de outras que afirmavam categoricamente ver os soldados em ação.
Desde o fim da URSS, o passado de Myasnoi Bor vem sendo lentamente resgatado. A história da região e dos sodados que formaram o Segundo Exército de Choque se tornaram famosas. Civis, entre eles, muitos descendentes de pessoas que lutaram na guerra, começaram a se organizar com o intuito de escavar, recolher e conceder um enterro digno aos homens que tombaram no "Vale da Carnificina". Um fundo coletivo começou a recolher donativos para essa tarefa.
O movimento foi se formando naturalmente, com pessoas interessadas em vasculhar o bosque à procura de artefatos antigos. Além das ossadas, podem ser encontrados em Myasnoi Bor restos de uniformes, armas, equipamento e outros itens usados pelos soldados. Museus russos e arqueólogos tem auxiliado esses voluntários na identificação dos objetos resgatados. Mais importante ainda tem sido o trabalho de dar uma face aos homens que lutaram e identificar alguns deles. Desde que os trabalhos se iniciaram em 1992, os restos de mais de 23,000 soldados russos e quase 12,000 alemães foram devidamente recuperados. A identidade de muitos chegaram a ser descobertas.
É interessante, no entanto, que as alegadas chono miragens jamais cessaram e continuam ocorrendo. Marina Vasilieva, participante de um dos grupos de voluntários que se reúne semanalmente para explorar o bosque contou:
“A primeira coisa que notamos quando estamos no bosque é o silêncio incomum, eu diria até mesmo sinistro. No bosque raramente ouvimos o som da natureza, de pássaros. Parece que eles, simplesmente, não existem ali. Os pântanos e atoleiros estão em toda parte. É um lugar sombrio. Às vezes, nos barrancos, vemos ossos de soldados não sepultados. Tudo isto pressiona a psique. Certa vez, quando nós voltávamos em um grupo, depois de escavações, ouvimos algo como o som de cargas explodindo e depois gritos, tiroteio".
Anton Kunisky, outro voluntário relatou um acontecimento semelhante, quando seu grupo estava terminando uma escavação:
"Fomos atraídos pelo som de uma algazarra de vários homens, falando alto e comemorando. Chegamos a pensar que eram aldeões bêbados e estávamos dispostos a repreender essas pessoas por faltar com o respeito pelos mortos. Mas quando seguimos os ruídos não achamos ninguém. Ouvimos então gritos de alerta e testemunhamos dois soldados com uniformes soviéticos acenar para nós e pedir que nos aproximássemos. Os dois estavam nos limites de uma ravina e eles pareciam perfeitamente "vivos". Andamos com muito cuidado e chamamos por eles, mas pareciam ter sumido. Um de nossos companheiros então apontou para uma área extensa coberta de lama onde avistamos alguns destroços que pareciam ter sido um dia um acampamento. Investigando a área com mais cuidado e encontramos uma cova comum e os restos mortais de mais de 10 homens. Eu não tenho dúvida de que aqueles homens que vimos naturalmente, eram os fantasmas de dois daqueles sujeitos enterrados na cova comum e de que, quando os resgatamos, e concedemos uma cova honrada, eles puderam enfim descansar".
Os habitantes de Myasnoi Bor acreditam que os mortos só encontrarão tranquilidade quando os restos do último soldado for encontrado e devidamente sepultado.
Até lá, os muitos combatentes ali enterrados continuarão em guerra... para sempre!
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Nossa, que situação terrível! Fico imaginando tantos homens enviados para esse lugar, contra a vontade deles, para morrerem no meio do gelo, em nome de algo que com certeza não entendiam o bastante para concordar ou discordar.... Pode parecer clichê, mas nessas horas a gente se pergunta quanto vale a vida humana... E o que esses desgraçados, responsáveis por essas guerras e por essas mortes, finalmente ganharam às custas de tantas vidas! O horror deve ser visceral e lancinante nesse lugar! E que memória atormentada a dessas consciências, submetidas a uma experiência tão terrível que elas não conseguem esquecer ou se desapegar... Realmente, é de dar um gosto ruim na boca!
ResponderExcluirOs corpos dos soldados Soviéticos, provavelmente, nunca foram recolhidos simplesmente por causa da incompetência administrativa do governo soviético. Entre outras provas dessa desorganização administrativa estavam o "esquecimento" de promoções para soldados, as licenças perdidas e os meses a fio passados nos campos de batalha, sem qualquer descanso. Muitos soldados, ainda, condenados por crimes de guerra tais como: deserção, falta de entusiasmo político ou até mesmo por dormir no posto; eram transferidos para unidades de combate penais, onde deveriam cumprir suas penas por um determinado tempo, porém, não raro, muitos ficaram a guerra toda nessas unidades e, em alguns casos, acabaram sendo presos depois da guerra em campos de concentração siberianos (as unidades penais passavam as piores das piores situações no campo de batalha, como desarmar minas terrestres e cortar arame farpado sob fogo para o avanço da vanguarda). Na batalha de Stalingrado os feridos eram deixados ao relendo, mesmo tendo lutado bravamente, para morrer aos poucos, fosse no frio do inverno fosse no calor da batalha. A comida raramente chegava para alimentar bem todos os soldados, e a escassez fez com que muitos soviéticos (e alemães) recorressem ao canibalismo para aplacar a fome.
ResponderExcluirTodos esses exemplos denotam a desorganização e a incompetência administrativa do governo soviético, que custou a vida de milhões de homens no front oriental.
Mesmo sendo comandados sob esse tipo de governo, mesmo tendo sofrido mais do que qualquer povo durante a segunda guerra, os diversos povos que compunham a União Soviética conseguiram reverter o rumo da guerra em batalhas históricas: Leningrado, Moscou, Kursk e, claro, na mais terrível de todas: Stalingrado. Isso demonstra a força e a determinação de um povo que, mesmo dirigido por uma turba de incompetentes, egoístas e ignorantes (claro, também por ocasionais gênios militares), mesmo sob os maiores sofrimentos que a guerra pode proporcionar (e acreditem, os soviéticos aguentaram de tudo) e mesmo tendo deixado milhões insepultos (cujo caso apresentado é apenas mais um exemplo) ainda tiveram força para lutar até a última bala e para mudar a maré da guerra. Infelizmente o custo humano foi alto demais.
Parabéns pela matéria!