A descrição da Torre de Crânios de Nis me lembrou imediatamente de uma entidade obscura do Mythos de Cthulhu chamada Efígie do Ódio (Effigy of Hate).
Essa coisa é uma espécie de Totem místico, criado a partir do ódio, frustração e medo sentido por indivíduos que participaram de uma batalha especialmente sangrenta. Esses sentimentos negativos extremamente poderosos acabam se cristalizando na forma de uma entidade sobrenatural (supostamente um avatar de Nyarlathotep) que se manifesta a fim de atormentar aqueles que participaram do episódio em questão, condenando-o a reviver a experiência traumática da batalha de novo e de novo, num ciclo interminável.
A Efígie do Ódio foi criada por Geoff Gillian para um cenário de Chamado de Cthulhu chamado "Regiment of Dead". Eu sempre achei essa ideia muito interessante, e como ela encaixa no contexto, resolvi expandir alguns elementos, o que deu origem a esse artigo.
EFÍGIE DO ÓDIO
Avatar de Nyarlathotep
"O velho soldado gritou à plenos pulmões e se levantou da cadeira de rodas brandindo o punho cerrado amaldiçoando céu e inferno: "Malditos sejam! Malditos todos vocês! Que apodreçam no inferno para sempre! Vocês e toda a sua raça imunda! Eu os abomino! Eu os odeio com todas as minhas forças! Eu os mataria mil vezes se tivesse a chance!" seus gritos foram engolidos pelo vazio e escuridão e quando terminou, caiu de joelhos sem forças, lágrimas furiosas molhavam seu rosto. Mas os seus gritos não ficaram sem resposta, pois em algum lugar distante algo ouviu suas maldições. Algo que resolveu responder".
A Efígie do Ódio é uma força primitiva que incorpora uma série de emoções fortes, geralmente envolvendo medo e raiva incontidos. Essas emoções, comumente ligadas a episódios traumáticos desencadeados por combates, guerras e batalhas acabam coalescendo em uma forma sólida e consciente.
Para alguns teóricos do Mythos, essa manifestação seria um avatar de Nyarlathotep. É sabido que esse Deus Exterior possui um interesse peculiar pela raça humana e que em determinados momentos resolve atender chamados e apelos nas mais variadas formas. As razões pelas quais uma entidade de tamanho poder se importaria com a insignificante humanidade é motivo de discussão filosófica da qual provavelmente jamais existirá consenso. Contudo, é fato que o Caos Rastejante muitas vezes se relaciona com seres humanos agindo como intermediador, disseminando loucura e desespero onde quer que passe.
No caso específico, Nyarlathotep capta sentimentos na mente humana, emoções que ele decide explorar ou amplificar. A Efígie surge diante daqueles indivíduos cujas mentes foram fraturadas por experiências conflituosas traumáticas, veteranos de guerra ou sobreviventes de situações limites (quem sabe de campos de concentração) são em geral os escolhidos.
Existem livros que descrevem rituais para invocar a Efígie do Ódio fisicamente, mas é possível que não sejam necessários maiores preparativos para conjurar esse avatar nefasto. De fato, é bem capaz que ele possa se manifestar espontaneamente, atraído pelas emanações mentais de um indivíduo que por alguma razão obscura despertaram o interesse de Nyarlathotep.
Quando resolve responder, a Efígie surge do dia para a noite, brotando do solo em algum lugar isolado e afastado onde sua aparição passará desapercebida. Ele emite sinais para que apenas a pessoa desejada o encontre.
A Efígie do Ódio pode ter incontáveis formas e aspectos, mas em geral ela parece uma espécie de Monumento de Guerra ou Memorial que guarda um significado específico para o indivíduo e a batalha que ele tomou parte. A Efígie pode ser um Totem Indígena para soldados da cavalaria americana no Oeste selvagem, pode ser uma espécie de Arco do Triunfo para tropas das Guerras Napoleônicas ou uma pilha de cadáveres exalando fedor cáustico de Napalm para um veterano do Vietnã. Seja qual for a forma escolhida, ela é formada por partes de corpos humanos bizarramente entrelaçados, contorcidos e paralisados a ponto de ficarem endurecidos como uma estátua. Os cadáveres apresentam horríveis mutilações causadas pela batalha e vestem andrajos esfarrapados de uniformes, portando armas e equipamento militar em suas mãos mortas. É possível que a pessoa que invoca a Efígie reconheça entre os corpos alguns de seus colegas abatidos na batalha que desencadeou seu trauma. Esse marco construído com restos humanos, atinge vários metros de altura, em seu topo se destaca um enorme par de asas negras semelhantes a de morcego.
A pessoa escolhida pela Efígie é atraída através de sonhos e promessas de que seus pesadelos serão apaziguados ou que seus inimigos receberão a devida punição. Os sonhos são bastante reais e logo o indivíduo é incapaz de distinguir quando está sonhando e quando está desperto. Esse estado hipnótico faz com que ele seja conduzido repetidamente até o local onde a Efígie surgiu.
Em um primeiro momento a entidade se mantém inerte como uma estátua medonha da qual goteja uma substância negra e grudenta como piche. Com o passar dos dias ela começa a se transformar em algo vivo e pulsante a medida que vai se alimentando das memórias do indivíduo escolhido e se moldando de acordo com o que capta. A transformação vai se tornando cada vez mais rápida a medida que a efígie acessa as lembranças mais profundas trazendo à tona traumas dolorosamente enraizados no subconsciente. A medida que absorve essas memórias a massa humana de cadáveres começa a reviver, alguns deles abrem os olhos, murmuram palavras sem sentido e se contorcem espasmodicamente em agonia. O fedor dos corpos insepultos se torna ofensivo aos sentidos.
Quando a Efígie se alimenta o suficiente ela está pronta para liberar toda sua onda de loucura.
A entidade estende as suas imensas asas e começa a batê-las ruidosamente. Com efeito, os arredores do local onde o avatar está fixado são cobertos de uma densa neblina cinzenta que se espalha rapidamente - a extensão varia de acordo com os traumas absorvidos, uma mente realmente abalada poderia afetar um raio de até cinco quilômetros. Quando a neblina baixa, os arredores são completamente transformados para emular em detalhes o lugar em que a batalha foi travada. É possível que um deserto se torne uma selva tropical ou que uma área de floresta de um momento para o outro se transforme em uma montanha rochosa coberta de neve. A mudança é completa, não se trata de uma mera ilusão, os odores, a temperatura e as texturas são perfeitamente copiadas a partir das memórias absorvidas.
Em seguida o campo de batalha é povoado por soldados vestidos e armados para a batalha apropriada. Os exércitos opositores à distância parecem formados por soldados normais, mas observando com cuidado é possível perceber que seus olhos brilham com uma luz azulada. Tocar em um deles rompe momentaneamente a ilusão e permite vê-los pelo que são, mortos vivos putrefatos semelhantes a zumbis, trajando uniformes em farrapos. Esses soldados são comandados por oficiais trajando uniformes de elite. Tocar nesses "oficiais" revela sua real aparência, eles são na verdade Servos da Efígie do Ódio, grandes antropoides semelhantes a gorilas, que conduzem o curso da batalha.
A batalha é reencenada em seus mais sangrentos detalhes. Qualquer pessoa presente na área será absorvido pelos arredores e passará a participar da ação. Se a guerra inclui veículos, canhões ou as ruínas de uma cidade devastada, cada um desses elementos estará presente e será impossível dissociá-los de algo real. Para todos os efeitos, alguém ferido por disparos de metralhadora, trespassado por uma lança ou colhido por uma barragem de explosivos sofrerá o ferimento condizente.
A batalha em toda a sua selvageria fica confinada ao espaço designado, fora dela nada pode ser ouvido ou percebido. A área é centrada na Efígie, o som das suas asas batendo pode ser percebido mesmo em meio a cacofonia de gritos e tiroteio. Enquanto as asas baterem a batalha irá prosseguir e não havendo nenhuma interrupção ela continuará por horas.
Há entretanto duas maneiras de encerrar o horror. A primeira envolve encontrar e destruir a Efígie do Ódio, o que pode ser bastante difícil uma vez que ela se encontra no centro da batalha em um lugar protegido por soldados e oficiais. É possível utilizar armamento pesado e explosivos de alto impacto (foguetes, bazucas ou canhões se disponíveis) para danificar a Efígie do Ódio, contudo ela é extremamente resistente, mesmo às armas mais destrutivas. A outra maneira de encerrar os efeitos é eliminando a pessoa cujos traumas foram utilizados para reencenar a batalha. A tarefa não é tão fácil quanto pode parecer, o indivíduo assume a posição de um líder na batalha, controlando suas tropas que respondem fielmente aos seus comandos. Em geral a pessoa vê qualquer outra pessoa presente como um inimigo e ordena que estes sejam mortos. Outro complicador é que na reencarnação da batalha a pessoa tem a aparência que tinha naquela época em que ela foi travada, podendo ser bem diferente da sua imagem atual.
Se a Efígie ou o comandante forem eliminados a ilusão se desfaz automaticamente, ainda que ferimentos infligidos conservem sua letalidade e deixem cicatrizes duradoras física e mentalmente. Do ponto de vista das regras, participar de uma batalha pode ser uma experiência traumática que acarreta na perda de sanidade (com um mínimo de 1/1d8, podendo aumentar mediante a violência que é testemunhada).
Atributos:
FORÇA (FOR) 80
CONSTITUIÇÃO (CON) 50
DESTREZA (DES) 10
TAMANHO (TAM) variável
INTELIGÊNCIA (INT) 18
PODER (POD) 50
Pontos de Vida (PV): variável
Ataques e Efeitos: A Efígie não realiza ataques a menos que ela seja de alguma forma danificada. Nesse caso ela irá lançar dois filamentos para agarrar e arrastar a vítima até diante dela. Em seguida a criatura absorve a vítima assimilando-a a sua forma (testemunhar tal coisa acarreta em 1/1d6 pontos de sanidade).
Além de transformar o ambiente, a Efígie do Ódio é capaz de manipular as emoções de qualquer pessoa que está em sua área de influência. Essa manipulação mental faz com que o indivíduo sinta uma crescente fúria que o leva a cometer atos de violência e agressividade. O Guardião deve estimular os jogadores a agir de forma condizente fazendo seus personagens agir de forma brutal. Esse efeito desaparece quando a presença da Efígie se dispersa.
Bônus de Dano: Não aplicável
Ataques: Engolfar 80%, dano absorção completa
Armadura: 15 pontos
Magias: Qualquer uma que o guardião achar apropriada
Custo de Sanidade: 0/1 por ver a Efígie pela primeira vez parecendo uma estátua, 1/1d4 por vê-la parcialmente animada, 1/1d6 quando a coisa está totalmente animada batendo as asas.
SERVOS DA EFÍGIE DO ÓDIO, Comandantes dos Mortos
Atributos:
FORÇA (FOR) 20
CONSTITUIÇÃO (CON) 17
DESTREZA (DES) 11
TAMANHO (TAM) 20
INTELIGÊNCIA (INT) 6
PODER (POD) 16
Pontos de Vida (PV): 19
Bônus de Dano: +1d6
Ataques: Qualquer arma à mão 50% (dano variável), Socos 70%, dano 1d3 +db
Armadura: 4 pontos pele rígida
Magias: nenhuma
Custo de Sanidade: Normalmente nenhum, mas diante da forma verdadeira 1/1d6
NOTA: Os soldados que servem a tropa são tratados como zumbis normais conforme as regras de Chamado de Cthulhu.
Luciano, em qual suplemento foi publicado este cenário?
ResponderExcluirA aventura Regiment of the Dead está no livro "Tales of the Miskatonic Valley", é nela que a Effigy of Hate aparece pela primeira vez. Ela é citada também no Malleus Monstrorum.
ResponderExcluir...interessante...me lembrou a " árvore de corpos " que os persas fazem com os moradores da vila arrasada no filme 300...
ResponderExcluirLer essa descrição me tirou 1d6 pontos de Sanidade....
ResponderExcluirCaramba, que fantástico!
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