sábado, 5 de julho de 2014

Bem Vindos ao Front - Um Guia sobre a vida dos Soldados na Grande Guerra (II)


Comunicações

Estabelecer um canal de comunicações entre o Quartel-General e as unidades na linha de frente era vital para a situação militar, ainda mais na Grande Guerra onde a Infantaria realizava seus ataques coordenada com os disparos da artilharia. Qualquer erro de cálculo poderia ser fatal para as tropas avançando.

Comunicações da Linha de Frente para os quartéis regimentais ou divisionais era realizada por intermédio de telefones de campo.  Estes eram grandes e desajeitados dispositivos alimentados por geradores de manivela. Para funcionar, os telefones precisavam de quilômetros de fiação que ficava espalhada pelo campo ou eram colocadas em postes que ficavam à mercê dos rigores do clima e dos bombardeios inimigos. Não à toa, os comandantes sabiam muito bem que não podiam confiar plenamente nesse método que frequentemente saia do ar. Dadas as dificuldades de transporte, esse meio de comunicação não era utilizado pelas unidades que avançavam e raramente pelas que se encontravam na linha de frente.


As tropas possuíam um grupo de soldados que faziam o papel de mensageiros ou corredores, responsáveis por transitar as ordens essenciais para a realização das manobras. Os mensageiros eram de suma importância para o funcionamento das tropas. Para se deslocar entre a linha de frente e as bases de operações onde apanhavam as ordens, eles usavam automóveis, motos e até bicicletas. O trabalho era extremamente perigoso, os corredores eram alvos prioritários para os atiradores inimigos.

As unidades também se valiam de pombos correio para enviar mensagens., Mais de 25 mil pombos foram usados pelo exército francês na Grande Guerra. Esses animais carregavam mensagens para as bases e para as linhas de frente e sua eficácia era reconhecida. Segundo fontes militares, cerca de 85% das mensagens enviadas para os quartéis, através dos pombos chegavam ao seu destino final, incluindo uma em que se lia "Fiquem com esses bichos aí! Não aguento mais carregar esse malditos animais!".

Um pássaro bem treinado poderia representar a diferença entre a vida e a morte de uma companhia inteira. O célebre Batalhão Perdido foi salvo graças a pombos correio que enviaram informações sobre a posição dos homens na Floresta das Ardenas.

Medicina

Medicina no campo de batalha praticamente não existia.

Cada soldado carregava um kit de primeiros socorros bastante rudimentar para ajudar algum companheiro ferido. Este era levado em uma bolsa presa no cinturão e os soldados aprendiam o básico a respeito de socorros médicos para usá-lo. Mas havia a consciência de que um soldado ferido, dificilmente seria salvo apenas com os componentes desse kit. A ideia, era apenas fazer com que o soldado ferido recebesse algum alívio, tempo o bastante para levá-lo até um hospital de campanha ou enfermaria.

Homens feridos em geral precisavam de quatro companheiros para serem carregados através do solo irregular da Terra de Ninguém, isso de baixo de tiros e explosões. Muitas vezes, os soldados feridos acabavam abandonados à própria sorte, sobretudo quando a gravidade do ferimento não compensava o risco do transporte. Ferimentos na cabeça ou no peito eram considerados os mais graves e muitos soldados sequer se davam ao trabalho de verificar a severidade deles.


Aqueles que tinham "sorte" conseguiam chegar até uma das enfermarias dentro da trincheira. Nas enfermarias (também chamadas de "Postos de Ajuda" ou Aid Posts) era feita uma triagem e os feridos recebiam um diagnostico. Recebiam também algum tratamento preliminar na forma de injeções (sobretudo analgésicos e antibióticos rudimentares) para suportar as dores lancinantes. Cirurgias eram realizadas apenas como última alternativa já que as condições próximas ao fronte eram no mínimo insalubres. As enfermarias viviam cheias de homens gritando em camas improvisadas e macas. O sangue estava em todo canto, misturado a vômito e excremento salpicado de serragem. O fedor era insuportável. Apesar dessas condições decadentes, amputações eram realizadas de maneira frenética já que infecções por septicemia podiam se instalar com rapidez e levar a morte.

Os feridos que passavam pela triagem nas enfermarias eram transportados para uma Enfermaria auxiliar nas dugouts onde aguardavam o transporte para um hospital onde podiam receber um tratamento mais profissional. Nas enfermarias auxiliares freiras e enfermeiras se destacavam para ajudar os feridos. O transporte era feito em ambulâncias ou carroças dependendo da gravidade do ferimento.


Nos hospitais a maioria das cirurgias eram realizadas por médicos voluntários. O emprego de medicamentos, sobretudo antibióticos, aumentava as chances de sobrevivência dos feridos, mas os riscos de uma cirurgia ainda eram grotescos. Amputação ainda era a melhor solução para lidar com a maioria das hemorragias e para ossos partidos por balas. Pouco se sabia a respeito de anestesia e a maioria das cirurgias era realizada com um lenço embebido com éter ou uma dose de bebida alcoólica para aliviar o sofrimento do paciente.

Ironicamente, apenas 23% dos feridos levados aos Hospitais eram vítimas de tiros. A grande maioria era ferida por fragmentos de granada ou artilharia pesada. Estilhaços podiam infligir ferimentos realmente horríveis: um fragmento fumegante podia arrancar um membro, castrar ou estripar um homem com facilidade. Ferimentos na cabeça eram ainda mais sérios: olhos eram furados por pontas, orelhas e narizes cortados. Relatos de homens encontrados na terra de ninguém cortados ao meio, com o maxilar despedaçado ou o topo do crânio aberto a ponto do cérebro estar visível, eram razoavelmente comuns e não impressionavam os veteranos.

A Batalha

Defender uma linha de trincheiras era o serviço principal dos soldados e francamente não era das tarefa mais complicadas. Os homens ficavam dispostos lado a lado no interior da trincheira, colocavam os rifles para fora da borda, municiavam as metralhadoras e atiravam nos inimigos a medida que eles avançavam na sua direção. 

Disparar contra os alvos no espaço entre as linhas, a chamada Terra de Ninguém, não era tão simples quanto pode parecer. O terreno irregular fazia com que os alvos repentinamente sumissem da alça de mira e a fumaça das armas podia ser um fator complicador para acertar um tiro em cheio. Mesmo assim, um soldado mediano conseguia efetuar repetidos disparos contra os alvos à medida que eles se aproximavam. Os defensores tinham uma posição extremamente confortável dentro de suas trincheiras.


O que era MUITO difícil era tentar tomar uma trincheira.

As táticas de batalha haviam mudado muito pouco. Em 1700, durante as Guerras Napoleônicas os homens se posicionavam lado a lado e marchavam em formação pelo campo de batalha posicionando-se e atirando com seus mosquetes. Essas armas não eram muito precisas, portanto havia a necessidade de juntar muitos homens em uma grupo homogêneo para que os disparos deles se concentrassem e acertassem os alvos.

Por volta de 1800, a tecnologia das armas de fogo havia avançado para um estágio em que os rifles eram bem mais precisos e rápidos. Arregimentar as tropas como no século anterior resultaria em um massacre, porque formações eram um alvo fácil quanto mais para armas potentes, cuja munição podia atravessar um alvo e atingir quem estivesse atrás. Para lidar com isso, os homens marchavam pelo campo de batalha em intervalos, para que fosse mais difícil concentrar os disparos neles.

Em 1910, quando as metralhadoras surgiram as coisas se complicaram novamente, e as táticas de batalha existentes se tornaram obsoletas. Metralhadoras montadas em tripés eram capazes de derrubar centenas de homens, não importando como eles se moviam pelo campo de batalha. Os contantes bombardeios da artilharia faziam com que o espaço se tornasse um grande terreno irregular com enormes crateras, poças de água estagnada, lama, sangue, corpos e restos de vegetação em pedaços. Os comandantes não estavam cientes do poder destrutivo das metralhadoras ou das armas automáticas. Quando as primeiras metralhadoras foram colocadas no topo das trincheiras elas se mostraram letais. Milhares de soldados eram mortos todo dia, uma vez que bastava para os operadores das metralhadoras ajustar o ângulo de disparo para aumentar sua área de ação. Com três ou quatro ninhos de metralhadoras protegendo uma trincheira, era virtualmente impossível se aproximar o suficiente, e mesmo que alguém conseguisse fazê-lo, a quantidade de atacantes seria reduzida de tal maneira que não havia como ter sucesso na conquista.


Em virtude dos fracassos em avançar e tomar posições, a Guerra se estagnou de tal maneira que os soldados lutavam para conquistar poucos metros do território inimigo ao custo de centenas de homens.    

A tática de ataque consistia em aprontar um grande contingente de soldados borda da trincheira. A Artilharia disparava uma barragem para manter os inimigos abaixados e assim cobrir a saída. Quando um sinal era dado, os homens deixavam a trincheira e corriam o mais rápido possível, tentando avançar em direção a posição inimiga sendo saudados por disparos, granadas e rajadas cortando o ar.

Como resultado, muitos soldados não conseguiam avançar mais do que 10 metros em meio aos disparos efetuados pelos inimigos. Calcula-se que em cada ataque a chance de um soldado ser ferido ou morto era de pelo menos 60%.

Levou algum tempo, mas eventualmente os comandantes reconheceram que não haveria vencedores naquela guerra se eles não mudassem a maneira de lutar. Eles precisavam encontrar uma maneira de permitir a mobilidade dos homens, protegê-los de maneira mais eficiente e fazer com que os inimigos fossem expulsos das trincheiras. Novas armas eram uma necessidade para que as coisas tivessem resultado.

Para lidar com o problema da mobilidade, o Exército britânico inventou uma nova máquina, originalmente chamada de "nave de terra", os veículos motorizados e blindados que hoje conhecemos como tanques. Os tanques eram uma máquina revolucionária quando começaram a ser usados em 1916. 


Eles permitiam avançar pela Terra de Ninguém sem que os disparos fossem de grande importância para os homens em seu interior. Os veículos blindados também podiam conceder cobertura e fazer com que soldados que vinham atrás encontrassem alguma chance de sucesso na investida. Equipados com canhões e metralhadoras rotatórias, morteiros e lança chamas, os veículos blindados motorizados concediam um trunfo para os atacantes.

A Artilharia também se modernizou com armas cada vez mais potentes capazes de demolir as trincheiras com disparos precisos e devastadores. O alcance e precisão faziam toda a diferença, e engenheiros trabalhavam incansavelmente para construir peças de artilharia cada vez mais destrutivas. Eventualmente, os grandes canhões, eram capazes de acertar dentro de cidades a quilômetros de distância.

Finalmente, os exércitos desenvolveram uma das mais infames armas do período. Ela marcou o início da mais devastadora das inovações da Grande Guerra com uma nova maneira de matar, empregando para isso gás.     

O Terror da Guerra Química

A arma mais terrível empregada na Grande Guerra, sem dúvida, foi o Gás. Usado pela primeira vez em abril de 1915, o gás se tornou uma arma usada pelos dois lados até a conclusão do conflito. O gás de cloro foi o primeiro a ser utilizado com fins militares, em seguida o fosfogênio e finalmente o terrível gás mostarda.

O gás era disseminado através de projéteis de artilharia disparados dentro das trincheiras a fim de expulsar os soldados da posição defensiva. Para um soldado na Grande Guerra, nada podia ser mais assustador do que se ver preso numa trincheira bombardeada com gás. O terror era tanto que os homens largavam tudo e tentavam correr o mais rápido possível, para assim, quem sabe, sobreviver.


O Gás de Cloro, o primeiro a ser empregado ofensivamente, tinha um odor de abacaxi e reagia com a água nos olhos, na mucosa da garganta e nos pulmões, criando ácido hidroclorido, que por sua vez causava danos maciços aos olhos e sistema respiratório. A morte por asfixia podia acontecer rapidamente com afogamento ou ao longo de semanas de agonia. O Gás de Cloro amarelado podia ser visto como uma fumaça fosforescente soprada pelo vento. Quando ela foi usada pela primeira vez seus efeitos foram tão medonhos que os soldados que investigaram a trincheira onde ele tinha sido lançado voltaram para sua posição apavorados.

Gás de Fósforo, foi a inovação seguinte. Ele tinha um cheiro nauseante de peixe podre e a forma de uma neblina cinzenta que pairava no ar. Seu efeito era dramático quando respirado, produzindo queimaduras internas na garganta e nos pulmões que depois viravam grandes feridas sangrentas. Os homens expostos ficavam cegos imediatamente, em seguida sufocavam com inchaço nas vias respiratórias. Ao menos, a morte vinha rápido para aqueles expostos ao elemento.

Para lidar com esse horror, os exércitos passaram a usar máscaras de borracha com filtros para diminuir o efeito nocivo do gás. As máscaras protegiam o rosto, sobretudo olhos e a boca, impedindo que o soldado aspirasse o gás. Infelizmente nem sempre as máscaras eram eficientes, sem falar que eram desconfortáveis, quentes e limitavam a visão. Além disso, elas não ofereciam nenhuma proteção para a pele que era afetada da mesma maneira.  

Para limitar a eficiência das máscaras, criou-se uma nova e mais devastadora arma química, o Gás Mostarda.

Esse gás amarelo tinha um odor adocicado como baunilha ou sabonete perfumado. Seus efeitos podiam demorar até 12 horas para aparecer, mas eram simplesmente dantescos quando se manifestavam. Ele irritava a pele, assim como os olhos e pulmões. Induzia náusea e vômito, e criava bolhas ardentes que assumiam uma coloração mostarda-amarelada da qual decorria seu nome. O gás destruía as membranas revestindo os pulmões, causando uma secura nos brônquios que levava a dores escruciantes. A morte decorrente da exposição ao gás mostarda podia demorar até 5 semanas para ocorrer, e nesse período nada podia ser feito pelas vítimas senão amarrá-las às camas para não enlouquecer em agonia.

Um dos legados da Grande Guerra foi motivar as nações a assinar tratados para conter a proliferação e impedir o uso indiscriminado de Armas Químicas. Milhares de soldados sobreviventes da Guerra de Trincheiras, carregaram pelo resto de suas vidas as marcas da exposição às armas químicas, cicatrizes que jamais saravam.    

Uma Guerra de Cavalheiros

Apesar de todo horror e devastação desencadeado pela Guerra, haviam episódios curiosos de cavalheirismo entre oponentes. Aos olhos dos oficiais, a Guerra por mais selvagem e desesperada não deveria ser uma desculpa para fazer aflorar a falta de civilidade entre os povos.

Uma quase camaradagem vigorava entre as forças opostas que passavam a maior parte do tempo a poucos metros uns dos outros. Por vezes, soldados entravam em acordo para que artilharia e atiradores cessassem fogo ao menos no café da amanhã ou jantar. Em alguns casos, as linhas eram tão próximas que, quando de um lado os soldados cantavam, seus inimigos podiam ouvir e aplaudiam ou então se juntavam a cantoria. Soldados em ambos os lados também permitiam uma pausa para que mortos e feridos fossem removidos da Terra de Ninguém e enterrados.


Soldados deviam se respeitar e era considerado descortês a realização de ataques em dias santos ou feriados. Ingleses e alemães chegaram ao cúmulo de respeitar o horário de chá. Oficiais podiam se tratar pelo nome, porém soldados mesmo de uma nação inimiga deviam demonstrar respeito e cortesia diante de oficiais inimigos. Os oficiais também se congratulavam à cerca de seus objetivos, havia um amplo canal de comunicação entre oficiais de diferentes exércitos, onde táticas eram elogiadas, mesmo aquelas usadas contra o próprio exército.

Um dos momentos mais emocionantes da Grande Guerra ocorreu no Natal de 1915. Os próprios soldados declararam um armistício no Fronte Ocidental na noite do dia 24 de dezembro. Há relatos de que combatentes alemães e britânicos cruzaram a terra de ninguém para trocar presentes e cantar “Noite Feliz” em conjunto. Na manhã seguinte reuniram-se na Terra de Ninguém para um animado jogos de futebol entre membros dos dois exércitos. As notícias chegaram ao Alto Comando das tropas que proibiu tais confraternizações.

Com o tempo, a Guerra foi se tornando cada vez mais feroz e as cortesias dos primeiros anos foram sendo deixadas de lado. O Conflito entrara na sua fase mais devastadora e a alegada "civilidade" deu lugar a barbárie.

3 comentários:

  1. Incrível este texto ,tem uma riqueza de detalhes impressionantes,você copiou isto de algum lugar ou bolou tudo sozinho?
    Espero uma próxima parte

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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