Seria o sonho do Ditador Josef Stalin: Um exército de Soldados incapazes de sentir medo, com força e resistência sobre-humanas, que seguiriam todas as ordens sem pestanejar, que comeriam qualquer coisa, e que ignorariam dor e sofrimento.
Também poderiam ser operários que fariam o trabalho de dez homens sem reclamar, sem nenhum pensamento individual ou desejo de serem pagos. Com força para carregar a União Soviética ao longo do Plano de Cinco Anos e tornar a Mãe Rússia imbatível nos campos de batalha.
Pode parecer ficção científica, mas o plano de Stalin, de acordo com certas teorias conspiratórias, era desenvolver uma raça subserviente de escravos híbridos, meio humanos e meio macacos, cientificamente construídos; uma raça que se esperava fosse capaz de combinar enorme capacidade física, lealdade cega e genialidade humana para realizar tarefas complexas.
Mas quanto dessas estórias é verdade, e quanto não passa de invenção de escritores modernos e roteiristas de cinema em busca de uma estória sensacional?
Não é segredo que o renomado biólogo russo, Ilya Ivanovich Ivanov, passou grande parte de sua carreira trabalhando exatamente nesse projeto. Por volta de 1900 Ivanov ganhou fama e aclamação nacional por seu trabalho inseminando artificialmente cavalos, aumentando o número de animais reprodutores em vinte vezes. Em uma época de pré-industrialização, este era um imenso triunfo econômico já que animais eram usados como força motriz.
Ilya Ivanovich e um dos macacos de sua estação científica |
Trabalhando no Departamento Veterinário do Ministério do Interior da Rússia,
Ivanov apresentou seu método em simpósios. Sua próxima experiência contemplava a criação de animais híbridos especializados para a realização de tarefas nos campos da agricultura e indústria, bem como para pesquisas científicas. Seus experimentos no campo da inseminação artificial foram bem sucedidos ao juntar espécies de animais semelhantes: burros e zebras, camundongos e ratos, várias espécies de pássaros e roedores, além de diferentes raças de gado.
Em meados de 1910, Ivanov presidiu uma palestra em Moscou na qual expôs a possibilidade de misturar humanos e macacos, aplicando métodos de inseminação artificial criados por ele. Em face da reação geral dos outros cientistas, que questionavam a ética desses experimentos, Ivanov foi impedido de levar adiante suas polêmicas teorias. O que se pode dizer? Em 1910, a comunidade científica não estava preparada para aceitar experimentos que podiam resultar em humanos híbridos.
Ivanov caiu no ostracismo e passou a ser ridicularizado pelos seus colegas cientistas que o viam como uma espécie de "cientista maluco". Entretanto, a Revolução Russa de 1917 daria uma nova oportunidade a "gênios incompreendidos" como Ivanov. Com a instalação do novo regime, todos os programas sancionados pelo governo anterior foram dissolvidos e descontinuados, abrindo espaço para outros cientistas. Sob o comando do Departamento Científico da União Soviética, projetos inovadores, como a hibridização humana, foram resgatados.
Durante toda sua carreira, Ivanov procurou financiadores para seus projetos, alguém que aceitasse suas teorias e estivesse disposto a custear equipamento, laboratórios e obter espécimes para as pesquisas. Recursos para o projeto sempre foram escassos, principalmente porque a maioria das pessoas não levava as teorias de Ivanov à sério. Seria muita sorte ele poder contar com apoio governamental para levar à cabo suas pesquisas.
Curiosamente, muitos dos artigos modernos sobre Ivanov o retratam mais como um filósofo do que como um cientista. Costuma-se supor que o governo soviético investiu no projeto de Ivanov não por acreditar em seu sucesso prático, mas por considerá-lo capaz de contradizer as crenças criacionistas e desafiar dogmas religiosos.
Em virtude dos imensos problemas nacionais da União Soviético em suas primeiras décadas de formação, envolvendo a fome e desenvolvimento agrário, era estranho o governo despejar recursos em projetos como os de Ivanov. Apesar disso, os comissários pareciam satisfeitos em garantir total apoio a ele.
Em 1924 um alto-comissário do Ministério da Agricultura escreveu um memorando onde se lia:
"...O trabalho realizado pelo Professor Ivanov constitui um golpe decisivo nos ensinamentos religiosos, e pode ser usado como propaganda em nossa luta constante para libertar os trabalhadores dos ensinamentos da Igreja."
Parece plausível que os projetos de Ivanov servissem como material de contestação, mas será que eles foram mais do que isso?
Aparentemente, o projeto mais audacioso de Ivanov foi levado adiante. Ele recebeu o comando de uma estação de pesquisas construída na Guiné, África Oriental. As instalações eram abastecidas com várias espécies de símios capturados por caçadores: centenas de chimpanzés, orangotangos, babuínos e gorilas, adquiridos por agentes soviéticos e enviados em jaulas para o laboratório de Ivanov. Usando esperma de voluntários, Ivanov realizou tentativas sucessivas de inseminar artificialmente as fêmeas de símios. Ele também testou o processo inverso, tentando inseminar mulheres em um hospital financiado pelo governo soviético na África. É claro, suas cobaias humanas não tinham ciência ou davam consentimento para os testes de que participavam.
Três anos se passaram, e o projeto não obteve qualquer avanço significativo.
Ivanov recebeu ordens de fechar a estação na Guiné e retornar à União Soviética com o que restava de seus símios. Apesar de seus fracassos, o governo ainda estava disposto a patrocinar o projeto. O pesquisador recebeu uma nova e mais moderna Estação Científica, montada às margens do Mar Negro, em Sukhum (atualmente Sukhumi).
O complicado transporte dos símios no porão dos navios foi um desastre e apenas um orangotango, apelidado de Tarzã sobreviveu a viagem. Em 1929, o plano era inseminar artificialmente cinco mulheres especialmente escolhidas entre dissidentes políticas e previamente examinadas por ginecologistas a serviço do governo. As primeiras tentativas não tiveram resultado positivo e o progresso das pesquisas sofreu um novo revés quando o orangotango morreu.
Ivanov encomendou a compra de cinco chimpanzés, mas antes que os animais pudessem ser entregues o prestígio de Ivanov foi colocado em cheque. Ivanov passou a ser contestado e acusado de administrar de maneira imprópria os recursos que lhe eram fornecidos, um grave crime no estado soviético. De um momento para o outro, ele caiu em desgraça e foi acusado de traição, sendo preso meses depois. Mandado para um gulag na Sibéria, ele morreu dois anos mais tarde.
A estação de pesquisas de Ivanov sobreviveu e se tornou seu único legado. Em 1960 ela era usada como centro de pesquisas científicas chegando a ter uma população de mais de 2 mil primatas usados extensivamente no programa espacial soviético. Até onde se sabe, com a morte de Ivanov, nenhum cientista assumiu as suas pesquisas de hibridização humana, embora processos convencionais de inseminação artificial tenham sido usados nos símios mantidos na estação.
Então, afinal de contas, essa estória reforça ou contradiz o rumor de que Stalin desejava criar uma raça de super soldados híbridos?
Aparentemente, a despeito das teorias conspiratórias, Stalin jamais teve qualquer ligação com o trabalho ou com o projeto comandado pelo camarada Ivanov. É provável que ele sequer tenha ouvido falar dele. Não há evidências de que o governo soviético planejasse criar soldados ou operários híbridos, embora avaliando a proposta original do projeto de Ivanov possamos extrapolar que essa era uma das possíveis aplicações em caso de sucesso.
Soldados macacos? Onde será que ouvimos falar disso? |
As experiências bizarras de Ilya Ivanov por fim, não resultaram em híbridos. Elas foram um colossal fracasso. Contudo, na primeira metade do século XX, o tema de hibridização era recorrente entre cientistas. O pesquisador norte-americano Desmond Morris, chegou a afirmar que o governo americano manteve na década de 1930 uma estação de pesquisas onde se tentava realizar hibridização com espécimes humanos e símios. A estação teria existido na Flórida, até ser fechada em 1950. Na China, rumores de estações semelhantes foram muito difundidos até o final da década de 60. A mítica estação na Ilha Ghenzu teria um surtimento assustador de híbridos humanos, quase uma Ilha do Dr. Moreau, mas de verdade. Nenhum desses boatos, contudo foi confirmado.
Mas a hibridização é possível? Biólogos que se dedicaram a questão se dividem, mas a grande maioria acredita que não é possível cruzar duas espécies diferentes, ao menos empregando métodos de inseminação artificial conhecidos atualmente. A possibilidade de empregar engenharia genética para esses propósitos, contudo, é assunto controverso na comunidade científica internacional.