Assim como o elaborado livro infantil que invoca o bicho papão do título, “The Babadook” oferece uma boa dose de arrepios em um filme sobre a tempestuosa relação de uma mãe amargurada, seu filho problemático e uma velha casa onde coisas assustadoras acontecem na escuridão.
Eu já tinha ouvido falar desse pequeno filme australiano de orçamento modesto, angariado através de Financiamento Coletivo por apoiadores que depois de assistir um trecho, acreditaram no projeto. Segundo consta, o Financiamento feito pelo Kickstart australiano juntou metade dos 2,3 milhões de dólares necessários para rodar o filme. Um valor irrisório diante dos blockbusters, alimentados por efeitos especiais e sustos meia-boca. "Babadook" é o primeiro trabalho da diretora Jennifer Kent e realmente desponta como algo promissor, feito sem dúvida com muita dedicação e carinho.
O resultado é um filme incomum...
Ele está acima da média dos filmes de horror lançados esse ano, a bem da verdade, é possível que Babadook seja o mais interessante da safra 2014. Por outro lado, não há muito do que se orgulhar, já que o ano foi muito fraco de produções realmente assustadoras. O maior exemplo talvez seja Anabelle, que, lançado no Halloween, tentou ocupar o posto de filme de horror da temporada, mas não chegou a empolgar.
As críticas a Babadook se dividiram enormemente. Nas reviews públicas feitas por usuários do Imdb, muitas pessoas elogiaram a competência narrativa, a iluminação claustrofóbica, a atuação visceral do pequeno elenco e sobretudo o clima obscuro. Alguns chegaram ao ponto de chamá-lo de "novo clássico", de "pequena obra prima" e de "filme mais assustador da década". Não é para tanto! É curioso, pois se as críticas positivas soam enormemente exageradas, o mesmo acontece com as negativas. Comentários como "pior filme de horror que já assisti", "sonolento" e "evite a qualquer custo", estão lá para contrabalancear a opinião de quem gostou. Também não é para tanto!
Mais do que qualquer outro filme, Babadook parece ser um caso flagrante de "ame" ou "odeie". Sem espaço para meio termo, quando o meio termo seria o mais justo.
Buscando referência nos filmes de horror atmosféricos e em contos de fadas góticos, o filme constrói uma estória de maneira meticulosa. Os temas centrais são a perda, a dor diante de uma tragédia familiar e a dificuldade de reconstruir a própria vida após um trauma, assuntos pra lá de espinhosos que nem sempre são fáceis de serem digeridos. Calorosamente recebido no festival de Sundance (que premia filmes independentes), Babadook atraiu a atenção de críticos e aficionados do gênero horror, enchendo as salas onde foi apresentado.
O filme se passa cerca de sete anos após um acidente fatal que vitimou Oskar (Ben Winspear) justo quando ele levava sua esposa grávida, Amelia (Essie Davis) para o hospital. Mãe e filho sobrevivem ao acidente, mas à medida que o sétimo aniversário da criança se aproxima, fica claro que as cicatrizes do trauma ainda estão abertas. Emocionalmente devastada e sofrendo de insônia, Amelia tenta reconstruir os pedaços de sua vida. Ela trabalha como enfermeira em um asilo e devota sua existência a cuidar do filho, Samuel (Noah Wiseman). O menino é hiper-ativo e apresenta dificuldades para fazer amigos na escola já que as demais crianças o consideram "estranho". Samuel tem medo de monstros, e a mãe cumpre o ritual de abrir as portas dos armários toda noite para mostrar que não há nada escondido lá dentro. Apesar dos seus terrores, o menino se sente compelido a proteger a mãe e evitar que algo ruim aconteça com ela. O dia a dia de Amelia vai se tornando cada vez mais difícil, a medida que Samuel apresenta um comportamento inquieto e irritante.
Certa noite, um estranho livro aparece na prateleira do quarto de Samuel - um livro infantil, ou assim parece, grande e com uma capa vermelha e preta. Curioso com o estranho livro, Sam pede para que Amelia o leia. O título do livro é "Mr. Babadook", não há qualquer menção ao nome do autor e Amelia não se recorda de tê-lo comprado. O livro conta a estória de uma curiosa criatura; sombria e atarracada, ela veste um casaco comprido e cartola que oculta quase que inteiramente seu corpo. O estranho ser, chamado Babadook, escolhe uma casa para visitar e bate três vezes a porta, esperando ser convidado a entrar. Quando ele finalmente entra, coisas muito ruins costumam acontecer. Horrorizada pelo conteúdo macabro, Amelia tira o livro de perto de Samuel, mas o dano já está feito, o menino fica apavorado e passa a acreditar que o Babadook mais cedo ou mais tarde virá visitá-los.
Aqui eu abro um parenteses para falar do livro e dos desenhos contidos nele. Criados pelo ilustrador americano Alex Juhasz o visual gótico, monocromático e cheio de pontas é uma das melhores coisas do filme. As páginas se abrem em pop-ups tridimensionais com puxadores que simulam os movimentos das figuras ali representadas. O jogo de câmera, acompanhando as palavras escritas no livro, é nada menos do que enervante.
Como em toda boa estória de horror, não demora até mãe e filho começarem a experimentar visões e ter pesadelos com o Sr. Babadook. Amelia destrói o livro, mas ele acaba voltando, surpreendentemente com mais páginas, cujo conteúdo se torna cada vez mais bizarro e com acréscimos de cenas perturbadoras. Com isso, a situação que já era dramática vai ganhando contornos assustadores a medida que a loucura vai tomando conta de Amelia e ameaçando a família com uma nova tragédia anunciada.
O filme conta com atuações adequadas do elenco. Essie Davis, consegue passar credibilidade como a jovem viúva e mãe amargurada até a raiz da alma que tenta cuidar de seu filho. É impossível não sentir pena de uma personagem com existência tão deprimente. O jovem ator Noah Wiseman por sua vez encarna uma das crianças mais irritantes da história do cinema, e não estou exagerando. O menino é uma peste: inquieto e hiperativo, quando contrariado ele não se limita a chorar, mas grita e pisoteia tudo. A gente fica com vontade de entrar no filme só para colocar ele de castigo num canto ou dar umas boas palmadas (eu sei que estou sendo politicamente incorreto!). Para quem não suporta filmes de crianças impertinentes, talvez a atuação do menino como o auge da criança problemática seja um dos maiores obstáculos para ver o filme até o fim (eu mesmo quase desisti!).
Mas apesar disso, e do ritmo lento no início, o filme consegue prender o interesse. Hoje em dia, é difícil apresentar alguma surpresa em se tratando de horror, mas mesmo que não seja exatamente uma novidade, "Babadook" consegue habilmente trabalhar sons bizarros e sombras para manipular a audiência através do sempre eficiente poder da sugestão. Muito pouco é mostrado às claras, mas os sustos são legítimos, amparados por uma aura de angústia palpável. É o tipo de horror das antigas, acima de tudo psicológico.
Um dos méritos do filme é jamais deixar claro o que é o Babadook. O monstro parece uma enorme sombra que lembra o medonho vampiro do filme Nosferatu, possivelmente uma homenagem ao gênero gótico. O som da coisa falando é de gelar o sangue. Experimente assistir sozinho no meio da madrugada com as luzes apagadas.
Seria ele uma presença sobrenatural maligna? Um demônio que gosta de assustar crianças? Ou a criatura nunca existiu e não passa de um delírio da mente fraturada da mãe? O roteiro brinca com os delírios da personagem e deixa o espectador em dúvida sobre o que é real e o que existe apenas na imaginação dela. Há vários elementos perturbadores no filme, que só responde a essas questões nos últimos 20 minutos quando o terror toma conta e deixa a gente sem saber o que vai acontecer. O final talvez seja meio bobinho, mas apesar dos pesares, as coisa acabam se encaixando e não comprometem o efeito geral.
Cotação:
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Assista ao Trailer:
Babadook um ótimo NPC para cronicas de livro amaldiçoados!
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