terça-feira, 20 de setembro de 2016

Shadow of the Demon Lord - Resenha de um RPG Sinistro de Horror Medieval


Sim, este artigo já foi postado antes.

Sim, nem faz tanto tempo...

Mas eu resolvi postar novamente, uma vez que esse fantástico livro está em processo de Financiamento Coletivo aqui no Brasil através da Editora Pensamento Coletivo. Se você está em dúvidas a respeito dessa ambientação, aproveite aqui para conhecer um pouco mais a respeito dele.

No final do artigo está o link para a página do Financiamento brasileiro. Se você quer uma ambientação malvada para atormentar seus jogadores, um cenário de horror pesado e um jogo muito divertido, o que está esperando? A Sombra está sobre você...

*     *     * 

Que estranho fascínio a Idade Média exerce sobre as pessoas? O que há de tão atraente e cativante em uma época marcada pela brutalidade, pela superstição e ignorância? Como pode ser tão instigante apesar de suas facetas medonhas? Fanatismo, doença, injustiça, sujeira tudo isso estava presente e ainda assim... nós jamais nos cansamos de falar e conhecer mais a respeito.

Talvez essas perguntas pudessem servir como base de alguma tese. Eu mesmo gostaria de compreender o fascínio que esse período, a chamada Idade das Trevas, exerce sobre nós, que vivemos no que poderia ser chamado, em comparação, de Era da Iluminação.

Não é de hoje que eu queria jogar um RPG realmente medieval. Não me entenda mal, adoro a nossa boa e velha fantasia medieval, o pão com manteiga de nosso hobby. Enfrentar dragões, salvar princesas, encarnar heróis e viver sagas épicas é ótimo... mas chega um momento que a gente quer algo diferente.

E o que eu realmente queria era mergulhar em algo podre, me deixar contagiar pelo miasma de sujeira e pela névoa escarlate do sangue, pelas contradições morais, pela fé cega, pelas superstições absurdas e pelos incontáveis tons de cinza. Estou falando de algo bem mais brutal do que nosso D&D dos finais de semana. Em suma: MEDIEVAL com letras maiúsculas!


Depois de uma longa procura, parece que finalmente encontrei o RPG que estava procurando.

SHADOW OF THE DEMON LORD (Sombra do Lorde Demônio, em minha tradução tacanha) é uma ambientação que cumpre a proposta de levar o gênero Dark Fantasy a um novo patamar. E quando eu digo dark, eu me refiro a algo realmente encardido, pingando sangue e coberto de vísceras, repleto de horror transcendental, loucura primitiva e escuridão indevassável.

Foi esperando por isso que apostei nesse jogo, sem saber absolutamente nada a respeito das regras ou da ambientação. Me deixei levar basicamente pela capa (dane-se quem disse que um livro não se julga pela capa!) e pelo apelo do título que causou um arrepio na minha espinha: "Shadow of the Demon Lord". Cara, parece o nome de uma daquelas campanhas épicas na qual todos os personagens estão condenados a morrer gritando em meio a dor, caos e desespero... devorados por uma horda implacável de demônios com sede de almas imortais. Mas não se trata de uma campanha, mas sim de um Livro Básico! E o título, nesse caso, diz muito a respeito do que esperar desse livro. Entre as duas capas o leitor encontrará um festival de horror medieval que beira o obsceno.


Na boa, esse livro é perverso! Meramente folhear suas páginas fomentou uma verdadeira ebulição de ideias malignas na minha mente doentia. Não seria exagero dizer que esse livro, redigido por um escriba das trevas da lavra de Robert J. Schwalb, despertou o que havia de mais sádico na minha personalidade de Narrador de RPG. Desde que terminei de ler esse livro, me senti tomado de uma súbita vontade de mutilar os personagens dos jogadores, de torturá-los das maneiras mais vis, de dilacerar corpos e mentes e corromper cada fibra existente em seus corpos, para então, quando tudo estiver perdido, extrair suas almas e lançá-las no fogo e enxofre do Inferno.

Mas estou me deixando levar pela empolgação.

Se você nunca ouviu falar de Shadow of the Demon Lord (doravante SotDL), permita-me então ser o arauto dos mais pérfidos detalhes.


Antes de mais nada, cumpre dizer que Shadow foi concebido por Robert J. Schwalb um dos mais respeitados game designers da última geração dos jogos de mesa. Schwalb, um talento da Wizards of the Coast revela na introdução do livro como surgiu a ideia de escrever esse Tomo de Vil Escuridão. Sua inspiração principal foi o Old World de Warhammer, uma ambientação com status quase mítico entre os veteranos do RPG na qual a fantasia é apresentada de maneira bem pouco glamourosa. Tanto em Warhammer quanto em Shadow, o mundo é um lugar com tons dantescos onde viver e sobreviver é quase a mesma coisa, onde a morte chega fácil, geralmente de forma dolorosa.

Vamos falar um pouco da ambientação para dar uma ideia do que esperar desse jogo.

Imagine um mundo de fantasia clássico, que repentinamente se vê afundando numa espiral de destruição, deflagrada por um mal ancestral que todas profecias, oráculos e crenças concordam em dizer que está retornando. O tal Lorde Demônio do título é o catalizador de todos esses infortúnios. Uma força devastadora de poder e maldade sem igual. O Lorde Demônio é o Senhor do Inferno, o Comandante das Hostes Demoníacas, o Destruidor de Mundos, a Escuridão entre as Estrelas... e outros nomes igualmente incômodos.


O mais interessante a respeito dessa Entidade é que ela sequer se manifestou fisicamente, o Demônio ainda não cruzou a passagem entre as realidades, mas sua mera sombra já causa uma onda de tragédias. É mais ou menos a mesma premissa dos Grandes Antigos de Cthulhu, Seres Mega-Ubber-Poderosos que estão para retornar e que quando chegarem vão varrer a humanidade do mapa. Há entretanto, duas diferenças fundamentais entre Shadow e Cthulhu: 1) Em Shadow todos sabem que o Lorde Demônio está para chegar - o que gera muita paranoia e pânico entre as pessoas e 2) A chegada dele não vai acarretar apenas na extinção da civilização, mas em uma verdadeira colheita de almas imortais. Nesse panorama pra lá de niilista, há apenas uma certeza: as coisas que já estão ruins, vão piorar.

A mera sugestão de que o Lorde Demônio está para chegar fez com que o Continente de Rûr entrasse em crise. O Grande Império, que governava a maior parte do mundo conhecido ruiu com uma rebelião comandada por Orcs, a espinha dorsal do exército que servia ao Imperador assassinado. Ninguém senta no trono. Sem liderança vigora a anarquia. Cidades foram pilhadas e destruídas, massacres mancharam o solo com o sangue de inocentes. Pestes, terremotos, eclipses, tempestades, secas e enchentes se sucederam sem explicações plausíveis arrasando as terras e testando a fé dos habitantes do Continente. Além disso, bestas e monstros, alguns deles até então meras lendas, começaram a ser avistados com alarmante frequência. E que dizer dos Demônios, os servos do próprio Mal, que agem livremente; tentando, possuindo e corrompendo. Cultos e Seitas apocalípticas se multiplicam aqui e ali, desafiando a ordem. Seus membros fanáticos se reúnem em missas negras, fazendo sacrifícios almejando serem poupados quando seu Mestre se revelar. A loucura ameaça tomar a todos e não existe fácil redenção.


Mas apesar de tudo, há ainda um resquício de esperança. Alguns poucos indivíduos ousam se interpor diante dessa onda de escuridão. Estes bravos homens e mulheres surgem raramente, eles vem de todos os cantos, geralmente tem uma origem humilde, mas gradualmente aprendem a confrontar o mal, usando os meios que estão ao seu alcance. Sozinhos ou em grupo, eles buscam lutar o "bom combate" e por vezes até conseguem obter pequenas vitórias.      

Como o caro leitor deve ter presumido, os personagens dos jogadores assumem o papel desses heróis, ainda que nem todos eles possam ser chamados dessa maneira. Em Shadow, não há uma linha moral a ser seguida. Não existem alinhamentos, e o mais virtuoso cavaleiro pode de uma hora para outra cometer os atos mais baixos e vis para garantir sua sobrevivência. Lutar contra as sombras é uma tarefa inglória, para dizer o mínimo, uma que tende a terminar de forma muito desagradável. Mesmo assim, alguém tem que fazer o serviço... (ou morrer tentando).


Em SotDL os jogadores constroem personagens que são incrivelmente limitados nas primeiras sessões. Não se trata de um jogo no qual você começa a jogar com um "aventureiro", muito pelo contrário. Na primeira aventura, seu personagem provavelmente será um mero aldeão cujas únicas aptidões decorrem de sua herança (a raça) e suas profissões (aquilo que ele sabe fazer). Esqueça qualquer noção de iniciar o jogo lançando magias, matando inimigos com espadas ou fulminando-os com poderes especiais. É muito provável, que seu personagem nesse estágio sequer tenha uma arma, jamais tenha vestido armadura e que não faça a menor ideia de como funciona o mais básico encantamento. Ao invés disso, seu personagem pode ser um lenhador, um coveiro, um alfaiate ou (meu favorito) o matador de ratos do vilarejo.

A concepção de que seu personagem começa como um "zé ninguém" não é exatamente uma novidade, o Dungeon Crawl Classic (DCC) parte exatamente dessa premissa: você começa a sua carreira como um sujeito absolutamente normal que é arrastado para uma aventura, muito provavelmente contra a sua vontade. Se tiver sorte, e sobreviver a esse episódio, ele pode servir como trampolim para uma longa vida de aventuras, ou mais provável, uma breve carreira cheia de aspirações abreviada por lamentáveis incidentes.


Além de sua profissão, o jogador precisa escolher uma Herança, a raça na qual seu personagem está inserido. A herança irá conceder as diretrizes para construir seu personagem, seus atributos iniciais e estatísticas básicas. Há pouco espaço para customização nessa altura, algo que à princípio me incomodou um pouco, mas depois compreendi que cumpre a um propósito gerar personagens padronizados, capazes das mesmas coisas e abertos às mesmas possibilidades. Não espere haver muita diferença, por exemplo, entre dois ou mais personagens humanos de seu grupo, salvo suas escolhas de profissão e o background, eles serão bastante similares. O mesmo ocorrendo com as outras raças disponíveis.

As raças são bem interessantes e oferecem boas opções de interpretação: 

- Os humanos, são os mais numerosos e adaptáveis seres do Continente de Rûl cuja vantagem é poder escolher uma profissão adicional e serem mais aceitos que os demais; 

- Os misteriosos anões, são gananciosos, rudes e pragmáticos, interessados em acumular riqueza e obter ganho pessoal;

- Os goblins são os membros menos dignos do lendário povo fada, expulsos da Corte Feérica por serem excessivamente desagradáveis e francamente repulsivos; 

- Os Orcs são uma raça criada para o conflito, taciturna e brutal, sua existência se resume a sobreviver custe o que custar;

- Os Changelings formam uma raça curiosa que é capaz de assumir a aparência de outras pessoas e se misturar a outros seres. Eles não possuem sua própria sociedade e vivem ocultos;

- Os Clockworks (construtos) são seres mecânicos construídos com molas e engrenagens, animados por uma alma aprisionada em seu interior metálico. 

Não é possível jogar com elfos, embora eles existam em Rûl. Essa raça faz parte da Corte das Fadas, e portanto estão fora de alcance para os jogadores. O Role de cada Herança é explicado de forma bastante sucinta, sem elucidar exatamente qual o papel dessas raças na sociedade do Continente. Suponho que isso seja proposital, permitindo ao narrador utilizar aquilo que melhor convir para sua campanha e limar tudo que julgar desnecessário.    

Seja como for, seu personagem, uma vez escolhida profissão e herança, começa sua existência em Nível Zero. Ele não tem muitas opções e deve recorrer quase que exclusivamente ao seu bom senso, engenhosidade e uma boa dose de sorte para sobreviver a sua primeira aventura. Correr às vezes é melhor do que lutar, engolir o orgulho é uma maneira de não apanhar de alguém mais forte e confiar nos seus colegas, trabalhando em equipe, é a chave para o sucesso. Mas nada é certo nessa primeira aventura e ela pode muito bem acabar nas três temíveis letrinhas T.P.K. (Total Party Kill - Todo Grupo Morto).

Não pense que estou exagerando... essa é a mais pura verdade! O próprio autor deixa claro que a primeira estória deve ser uma espécie de "moedor de carne" no qual personagens irão morrer com enorme facilidade. A provação desse primeiro cenário servirá para estabelecer o clima e a constante do jogo, na qual a morte está sempre espreitando.


Ao final da primeira estória, os sobreviventes poderão escolher qual caminho (Novice Path) irão trilhar. Aquele que lutou nessa introdução provavelmente seguirá o caminho das armas, quem usou de dissimulação poderá investir na trilha do ladino, quem demonstrou interesse em magia, poderá se converter em um feiticeiro, assim como aquele que deu maior ênfase nos aspectos teológicos pode vir a se tornar um sacerdote. A aventura introdutória prepara o caminho dos personagens e os coloca numa trilha a ser definida.

Eu adorei esse estilo de progressão dos personagens. Não há pontos de experiência a serem obtidos matando inimigos, o grupo passa de nível quando o narrador acha conveniente e a cada avanço o jogador precisa escolher uma nova profissão dentro da carreira escolhida. Se o personagem sobrevive ao nível zero ele pode escolher se tornar um Guerreiro, um Feiticeiro, um Sacerdote ou um Ladino. Em seguida ele avança para um Nível de Especialista (Expert Path) no qual pode escolher algo mais adequado para encaminhar sua carreira. Por exemplo, um Guerreiro pode se tornar um Berserker, um Ladino tem a opção de virar um Assassino e um Feiticeiro pode se converter num Bruxo. Ou pode escolher qualquer outro caminho que lhe agradar. Cada avanço concede ao personagem novas opções e aprimoramentos que melhoram suas chances de sobrevivência graças a um leque de poderes, habilidades e melhorias. Os avanços prosseguem até chegar ao Níveis de Mestre (Master Path) no qual o personagem atinge um patamar bem superior de poder. 


Mas não se engane! Embora os personagens experimentem uma sensível melhoria desde a fase do "sangue, suor e lágrimas" do Nível Zero, eles jamais serão absurdamente poderosos e estarão constantemente em desvantagem diante dos servos do Lorde Demônio. Se você acha que seu personagem se tornará poderosos a ponto de enfrentar as hostes infernais com uma mão nas costas, pense novamente. O sentimento de impotência e horror irá acompanhar seu personagem ao longo de todos os dez níveis possíveis. E mesmo no mais alto nível, ele ainda poderá ser morto com relativa facilidade.

Gostou do que leu até aqui? Está curioso para saber mais a respeito de Shadow of the Demon Lord?

Ótimo, então é o ponto perfeito para quebrar essa imensa resenha na metade. Para quem quiser ler o restante, apenas fique conosco, logo colocaremos a conclusão.

E aqui está o link para o Financiamento brasileiro do Catarse, vale a pena dar uma olhada:

CATARSE - Shadow of the Demon Lord

11 comentários:

  1. Luciano,

    muito bom ver um livro com temática adulta. Só acho que o autor poderia ter sido mais audacioso e situado a história do rpg em nossa Idade Média real. Bom saber que o pessoal do Pensamento Coletivo vai trazer Demon Lord para o Brasil ainda em 2016.

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  2. Muito bom! Já estava na hora de lançarem um rpg assim...

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  3. Excelente, uma resenha muito interessante.
    Ansioso pela segunda parte.

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  4. parece ser muito bom, queria que meus jogadores gostassem desse tipo de campanha.

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  5. parece ser muito bom, queria que meus jogadores gostassem desse tipo de campanha.

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  6. me deixou no mínimo curioso, quero jogar ele antes de pensar em investir, parece que uma pequena editora pretende lançar...espero que ela não dê bola fora novamente como outros materiais que já pegou...

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  7. Essa resenha ficou simplesmente instigante! Eu li bastante sobre o livro quando estava na fase de financiamento, mas acabei perdendo o timming. Ainda não havia lido nada de quem realmente o leu e jogou por aqui mas, como sempre, seus préstimos à comunidade do horror e insanidade não tem limites! Parabéns!!

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  8. Eu joguei algumas sessões e sinceramente não acho isso tudo. O cenário é um dark fantasy meio bobo/forçado, perdendo pra similares como o shadows of esteren e o symbaroum. Quanto ao sistema lembra uma mistura de D&D e Dragon Age, e apesar do excesso (2/3 do livro só de regras sendo que mais da metade disso é só classes e magias). Tbm não faz muito meu gosto. Acho que o bestiário é uma das melhores partes do livro. De qualquer modo é bom saber que está vindo pro Brasil!

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  9. Achei exagerado chamar o rpg de "terror". Terror tem nuances, como Ravenloft se propõe a ser. Esse rpg parece confundir "violência gratuita" com "terror". Além disso, me incomoda bastante textos que usem "anarquia" como pejorativo. De todo modo a resenha tem seus pontos e me foi útil.

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    1. Anarquia é falta de ordem, logo, uma coisa tida como ruim.
      O jogo é terror, se você ler duas aventurinhas mais "bobinhas" consegue ver isso, se mesmo assim, não concordar, a sua vida já é terror suficiente pra você, nada mais te afeta! UHAHUAHUAHUAUHHUAHUA

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  10. alguem ai tem alguma sugestão de como assumir o lugar de um lord em um rpg? na sessão que estou jogando sou primo distante de um lorde de um mundo onde o boss final o vilão já venceu, e estamos tentando "reconquistar" esse mundo, e estamos agora derrubando o reinado deste lord q é meu primo (ele é tipo um subordinado o vilão), vamos mata-lo mas não sou o próximo na linha para substituilo, na vdd estou bem lá pra traz (sou um de seus guardas particulares) em fim a unica meneira de eu ficar no lugar do lord é faze-lo escrever um papel me designando a terra ou "vingar" o lorde de maneira que pensem q outra pessoa o matou não eu, alguem tem uma sugestão de como fazer isso?ps:ele tem uma filha q tbm é player n estava querendo envolve-la nisso porque ela possivelmente participara da nossa party mais para frente, alguma ideia?

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