Dando continuidade a resenha de Shadow of the Demon Lord (SotDL), aqui está a conclusão.
Vamos falar um pouco do sistema e elucidar alguns pontos para os leitores que são maníacos por um belo crunch (ou que estão curiosos para saber o be-a-bá do sistema).
Pessoalmente, eu achei o sistema bem redondinho e mais do que isso... simples! É o tipo do sistema que você entende rápido, assimila facilmente e ensina em poucos minutos de uma breve explicação para os jogadores. Para os narradores que costumam mestrar em encontros de RPG ou que precisam ensinar as regras dos jogos para seu grupo, o sistema é uma tremenda mão na roda.
Em SotDL os personagens tem quatro atributos principais: Agility (Agilidade), Strength (Força), Inteligence (Inteligência) e Will (Vontade), que não são obtidos por intermédio de um rolamento, mas que decorrem de uma base determinada pela sua Herança (raça). No início, os números são muito baixos, no nível zero, seu personagem provavelmente vai ter um modificador positivo e outro negativo. A medida que os personagens avançam de nível e adquirem Caminhos (paths) eles recebem pontos adicionais para espalhar nos atributos que permitem uma melhoria significativa. Dos atributos decorrem a base para outros sub-atributos como Perception (Percepção), Defense (Defesa) e Health (Saúde), e também seu Healing Rate (Fator de Cura). Esses atributos secundários serão bastante usados no correr do jogo. Criar um personagem nem SotDL é incrivelmente rápido, bastando distribuir alguns pontos e escolher suas profissões.
A ficha é de uma simplicidade incrível. Uma única página onde você anota o básico e pronto! O formato dessa ficha me chamou muito a atenção, adorei a sacada do pentagrama.
Para auxiliar a criação de um background o livro introduz várias tabelas de rolamento. Mas antes de torcer o nariz, eu lhes asseguro que o uso das tabelas é totalmente opcional. Elas funcionam como um guia para você construir o histórico do seu personagem e ter idéias de como detalhar melhor seu background. As tabelas por sinal estão em todo canto do livro. Você pode usá-las para sortear profissões, para detalhar a aparência ou para definir alguma peculiaridade única de seu personagem face a sua herança racial. Eu gostei desse método, ele é rápido e fácil de ser incorporado na construção dos personagens e concede um fator aleatório com o qual o jogador terá de lidar.A ficha é de uma simplicidade incrível. Uma única página onde você anota o básico e pronto! O formato dessa ficha me chamou muito a atenção, adorei a sacada do pentagrama.
O combate também se vale dessa mesma premissa. O atacante precisa igualar ou superar um número alvo que define a capacidade de defesa do alvo. O dano emprega exclusivamente o d6. Isso significa que em SotDL você precisará apenas de um d20 e três ou quatro d6. Boons e Banes se mostram uma mecânica bastante simples e rápida de empregar, permitindo que o narrador improvise e arbitre rapidamente o desenrolar de um combate na sua mesa de jogo. No que diz respeito ao combate, é preciso ser claro a respeito do grau de mortalidade do sistema e os jogadores devem compreender esse pormenor. As armas, magias e ataques produzem MUITO dano e é muito fácil um personagem sofrer ferimentos suficientes para cair inconsciente em um ou dois ataques. Uma vez caído, o personagem incorre em rolamentos para estabilizar sua condição ou dar um passo na direção da morte. É importante notar que a morte pode vir ainda mais rapidamente em função de uma regra que prevê dano maciço recebido em um único ataque.
Um ponto curioso diz respeito ao sistema de iniciativa: Temos rodadas rápidas, rodadas lentas e o fim do turno. Cada combatente pode realizar uma ação na rodada rápida (uma ação), ou mover e agir em uma rodada lenta (duas ações). Uma coisa interessante é que os personagens sempre agem primeiro, seguido dos monstros. Eu não gostei muito desse sistema quando li. No correr da primeira sessão de jogo que narrei, pareceu no entanto um método válido e justificado, muito embora eu tenha sentido a falta de um fator aleatório que crie a ordem de ações. Uma gambiarras aqui e ali devem ajustar da maneira que eu acho mais legal, contudo, usar conforme o livro apresenta não vai ser problema para a maioria.
Para auxiliar os jogadores nos momentos mais tensos e dramáticos, existe um recurso chamado Fortune. Semelhante a Inspiration na 5a edição de D&D, Fortune lhe garante uma pequena vantagem e uma chance de vitória na forma de sucessos parciais, boons ou transformando o resultado de um dado de Boon em um "6" natural. Fortune é essencial para que os personagens tenham êxito em suas aventuras, sem a boa e velha sorte muitos combates estão fadados a terminar em derrota. Com isso, ao menos existe uma chance... contudo, pontos de Fortune são escassos e lá pelas tantas, eles podem terminar deixando os personagens por conta própria.
As Profissões escolhidas pelos personagens não oferecem habilidades fixas, mas conceitos norteadores do que os personagens são capazes de fazer e de situações nas quais ele receberá um bônus. E essa é uma das melhores sacadas do sistema! O funcionamento é simples: digamos que seu personagem esteja na floresta e precise arranjar um lugar para acampar. Normalmente ele rolaria o d20 acrescido apenas do modificador de Inteligência, contudo, se ele possuir uma profissão ligada a sobrevivência na floresta (como por ex, lenhador, colono, caçador) ele conseguirá sucesso no rolamento (caso seja algo simples) ou contará com um ou mais Boons que o ajudam a melhorar suas chances de sucesso. Dada a grande quantidade de profissões disponíveis, separadas em seis categorias (comuns, religiosas, criminais, marciais, acadêmicas e exteriores), o leque de opções daquilo que seu personagem é capaz de fazer se mostra bastante amplo.
A medida que os personagens avançam de nível - quando o narrador julga adequado, eles ganham pontos adicionais, profissões, magias, movimentos e outros benefícios ligados ao caminho que eles escolheram. A medida que os personagens vão melhorando, as opções de customização se abrem e permitem que cada personagem avance e obtenha sua individualidade, o que é bem interessante, já que no início, conforme mencionei eles são bem padronizados. Nada impede que seu personagem faça escolhas únicas quanto aos caminhos adotados... Um Ladino no nível novato, ao chegar em Expert pode optar por virar um Druida e no Nível Mestre se tornar um Pistoleiro se isso for o que ele realmente quiser. Não existe uma árvore de Caminho, você tem total liberdade para encarar a combinação que lhe for mais atraente.
Como também mencionei antes, não existe um princípio moral no qual o seu personagem deve estar incluso, mas há uma mecânica de Corrupção que obriga seu personagem a não ser um bastardo maligno que vende seus amigos por algumas migalhas. A Corrupção é um perigo presente, e isso faz sentido já que a sombra do Demon Lord está em todo canto, incidindo sobre todas as pessoas. A ideia é que de uma hora aqueles que agem de maneira egoísta, maldosa ou temerária acabam abrindo a porta para uma corrupção moral que vai transformando-os física e mentalmente. Personagens que colecionam muitos pontos de Corrupção podem acabar se tornando, eles próprios, monstros e aberrações. Existem formas de eliminar a Corrupção e diminuir o fardo dos pecados, mas é claro, se livrar deles é bem mais difícil do que ganhar. Eu gostei muito disso... permite fazer algumas maldades com os personagens e tentá-los com promessas vãs de poder e benefícios. Quem se recorda de como os Poderes Negros de Ravenloft funcionavam não terá problemas em compreender esse princípio. Se você não sabe do que estou falando, tenha em mente as palavras "Lado Negro da Força".
As manobras e poderes obtidos pelos personagens são bem variados e o jogador deverá folhear o livro de um lado para o outro para escolher aquele que mais lhe agradar. Já aviso que dado o grande número de possibilidades, é difícil escolher de primeira seu caminho, afinal, tem muita coisa legal aqui! E sem dúvida, futuros livros e acessórios devem abrir ainda mais as possibilidades.
É preciso dedicar algumas linhas ao sistema de magias em SotDL. As magias são divididas em Tradições que precisam ser pesquisadas, estudadas e compreendidas pelos utilizadores. Elas possuem níveis e a medida que o mago vai se especializando, ele começa a conquistar níveis mais elevados, ganhando acesso a poderes realmente devastadores. E são de fato devastadores! As magias nessa ambientação permitem aos personagens fazer coisas incríveis, voar, produzir dano maciço, fulminar monstros com bolas de fogo e relâmpagos, etc... mas o mais divertido, sem dúvida, são as magias pertencentes às Tradições Profanas. Como sempre, tudo que é proibido é mais bacana... as magias Negras e Proibidas, eventualmente atraem a ruína e a corrupção de seus utilizadores. Magos que recorrem a esses feitiços, mais cedo ou mais tarde, vão ganhar tentáculos, desenvolver tumores enormes, mamilos extras, ficar albinos ou seja lá o que sua corrupção deixar transparecer... mas esse é o preço por lançar feitiços com nomes sugestivos como Tongue Rip (Arrancar Língua), Ravenous Maggots (Larvas Famintas) ou Bone Splinters (Fragmentos de Ossos).
E esses nomes não poderiam ser mais adequados para descrever o que essas magias blasfemas causam no alvo. Para satisfazer os mais curiosos, aqui vai minha tradução de uma das magias profanas que atende pelo singelo nome de Hateful Defecation, que eu traduzi como...
Defecação Odiosa - Magia Proibida de Nível 1
Defecação Odiosa - Magia Proibida de Nível 1
Alvo: Uma criatura viva com corpo físico dentro de alcance médio.
As entranhas do alvo se contorcem e roncam ruidosamente. Se a Saúde do alvo for 10 ou menos, ele morre instantaneamente, torrentes de sangue e fezes jorrando de todos os seus orifícios. Se a sua Saúde é maior do que 10, faça um ataque de Intelecto contra a Força do alvo.
Em um sucesso, o alvo recebe 1d6+2 pontos de dano e fica atordoado por uma rodada, enquanto as suas entranhas expelem violenta e espetacularmente todo seu conteúdo. Se esse dano incapacitar o alvo, excremento, órgãos e sangue explodem de seu corpo, o que acarreta em sua morte. Cada criatura a duas jardas do espaço ocupado pelo alvo deve testar sua Vontade, em uma falha ele fica incapacitado por uma rodada.
Whoa! Grotesco! Repulsivo! Bizarro! Mas bem maneiro, né? Coisas assim acontecem no caótico mundo de SotDL e podem acontecer com seu personagem numa sessão qualquer. Há um bom sortimento de magias disponíveis, mas o livro deixa a entender que aprender as artes místicas pode ser perigoso e atrair as forças das trevas, o que acredite, não é nada agradável. Isso encontra eco na forma como a magia é encarada no Old World de Warhammer, lá tradições místicas são extremamente temidas mesmo por aqueles incapazes de compreender seu funcionamento. Invocar magias na frente de camponeses supersticiosos ou religiosos zelotas pode condenar seu personagem a uma fogueira crepitante ou o fundo de um lago.
O Livro Básico não estaria completo sem uma Menagerie de Criaturas, Monstros e Horrores que rondam o Continente de Rûl. Temos páginas e páginas de aberrações, monstruosidades, demônios, mortos vivos e outras criaturas para desafiar seus jogadores. Eu adoro quando livros básicos oferecem monstros e aqui temos alguns que vão fazer o mestre mais sádico salivar. Diferente dos jogos de fantasia medieval convencionais, cada criatura tem um propósito bem definido. Elas raramente aparecem como encontros aleatórios, estão mais para chefes de final de fase que se encontra no fim de uma masmorra abandonada, no interior de uma caverna úmida ou numa passagem secreta nas catacumbas do cemitério. A razão de ser disso, é que os monstros são muito malvados. O maiNão estou brincando! Os mais "inocentes" ghouls, gárgulas ou mesmo zumbis apodrecidos podem mastigar um grupo inteiro nos primeiros níveis. E em níveis mais altos temos Demônios Gigantescos, Górgonas, Hags e terrores inomináveis que constituem um desafio considerável.
Para piorar as coisas para os jogadores, SotDL utiliza uma regra de sanidade na qual os personagens tem que superar seu horror diante de manifestações sobrenaturais e acontecimentos traumáticos. Não bastasse a integridade física dos personagens estar sob bombardeio, sua razão pode ser dilapidada por situações limítrofes, sofrimento inenarrável e a presença de alguns monstros aterradores. Há muitos horrores espreitando nesse mundo e lá pelas tantas o grupo já estará sofrendo de perturbações mentais.
Se você está curioso para saber se há uma ficha com os atributos do Demon Lord, a resposta é um sonoro: NÃO! Esse cramunhão feioso aí em cima usando uma prisioneira como tapa sexo (vai dizer que você não tinha reparado?), não é o monstro do título como alguns estavam dizendo (embora esse FDP seja realmente aterrorizante!). O Horror máximo da ambientação não é para ser conhecido em pessoa, encontrado e confrontado, ele é para ser temido e respeitado. Como Sauron de Lord of the Rings ele apenas observa e aguarda. Além disso, lembre-se que apenas a sombra do Lorde Demônio já foi o suficiente para arremessar o mundo em um terror primal e supersticioso, imagine o que ele faria com a mente dos pobres diabos que o encontrassem cara a cara. Sem dúvida transformaria seus miolos em algo parecido com sucrilhos que ficou tempo demais na tigela.
Eu fiquei muito empolgado com esse jogo, sem dúvida um dos melhores livros em que pus as mãos esse ano. Tanto a ambientação perversa e furiosa, quanto o sistema tranquilo me agradaram sobremaneira, sem falar a beleza do livro e a maneira como o texto foi escrito. É o tipo do jogo que eu realmente quero mestrar o quanto antes, aproveitando a hype!
Ah sim, e querem saber uma ótima notícia?
Shadow of the Demon Lord já está engatilhado para sair aqui no Brasil através de um Financiamento Coletivo pela Editora Pensamento Coletivo ainda esse ano. Isso mesmo, em breve teremos esse grande jogo disponível em português para que todos os mestres possam lançar a cólera do Demon Lord sobre seus pobres jogadores.
Sem dúvida, uma excelente notícia!
Update: Essa resenha foi concluída depois que eu tive minha primeira sessão mestrando Shadow of the Demon Lord. Nada como testar o jogo para ter uma boa perspectiva de como ele se comporta na prática. Qual a minha impressão? Vou te dizer, o sistema e a ambientação são realmente tudo aquilo que eu pensava! Esse é um GRANDE JOGO que vale a pena conhecer e se aprofundar. Eu realmente indico SotDL para todos grupos que gostam de uma boa ambientação de horror medieval, salpicado de sangue, tripas e sofrimento.
E nunca é demais:
CATARSE - Shadow of the Demon Lord - Financiamento Coletivo
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E nunca é demais:
CATARSE - Shadow of the Demon Lord - Financiamento Coletivo
Meu medieval oficial a partir de agora!
ResponderExcluirMuito bom, deu vontade de conhecer o jogo.
ResponderExcluirEsse jogo me lembro bastante do Darkest Dungeon
ResponderExcluirVale a pena esperar para comprar a versão NACIONAL desse jogo? Ou é melhor encomendar o original em inglês?
ResponderExcluirGrato pelas resenhas!
ResponderExcluirGilson
Excelente resenha que só me deixou mais ansioso para ler e testar!
ResponderExcluirQue resenha... já fiz o pedido do meu, esperando para começar a torturar meus jogadores...
ResponderExcluirJa adquiri o meu, cenário incrível atrelado a regras simples, na minha mesa o demon lord terá tentáculos..kkk
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