domingo, 20 de novembro de 2016

"O Dia mais Escuro" - A Nova Inglaterra imersa em uma escuridão inexplicável


Começou como um dia normal.

A manhã de 19 de maio de 1780 parecia como qualquer outro dia. Então, repentinamente entre 10 da manhã e 2 da tarde, os céus sobre a histórica região da Nova Inglaterra, na Costa Leste dos Estados Unidos começaram a escurecer até se tornarem negros como piche. A escuridão inesperada se estendeu a estados vizinhos como Maine e New Hampshire, chegando até Nova Jersey.

O fenômeno reportado por várias testemunhas horrorizadas lançou o que na época correspondia a quase metade do país, em uma onda de medo e caos. Uma demonstração assustadora de como pessoas normais reagem diante de situações inesperadas. 

O incidente segundo alguns foi tão inesperado e marcante que muitos interpretaram sua ocorrência como um inequívoco sinal de que o mundo estava prestes a terminar. Em determinados lugares, a escuridão foi tamanha que nem mesmo a lua ou as estrelas podiam ser vistas. Não apenas as pessoas ficaram alarmadas, animais também demonstraram um comportamento errático com aves domésticas se refugiando nos galinheiros e o gado retornando para o estábulo. Sapos e falcões noturnos, animais noturnos começaram a cantar e voar. Galos cantavam no meio do dia. Fazendeiros abandonaram os campos e voltaram para suas casas às pressas,preocupados com seus familiares. Os estabelecimentos comerciais fecharam suas portas e qualquer atividade foi suspensa.

Walter Connick, um famoso jornalista de Boston escreveu na edição do dia seguinte que "o mundo se tornou um lugar absurdamente escuro, ameaçadoramente apavorante e terrivelmente perigoso de uma hora para outra. Era como viver um pesadelo do qual não se podia despertar".

Em Morristown, o General George Washington relatou em seu diário pessoal a respeito da notória data: "O mais estranho dos dias, o sol desapareceu e as sombras pintaram campos e ruas como se a noite tivesse chegado mais cedo. Trevas completas, como a mais escura das noites".

Foi como um blackout inesperado e aterrorizante, mas obviamente nessa época não existia luz elétrica ou linhas de força. As pessoas estavam acostumados a depender de velas e lampiões, mas quando o dia se transformou subitamente em noite, muitos simplesmente perderam o controle. Afinal, não é sempre que um dia de sol se converte em "uma noite de negritude insondável", como descreveu outro cronista no Maine.

A causa para a escuridão não foi um eclipse solar, ao menos não que os astrônomos pudessem ter previsto. Não havia nenhum eclipse para esse dia, sendo que tais fenômenos são perfeitamente previsíveis através de mapas astrais e simples cálculos. Também não foi uma tempestade, embora algumas áreas da Nova Inglaterra tenham experimentado chuvas esparsas naquela mesma manhã. Nenhuma chuva poderia tornar o dia em noite. 

Então, o que poderia ter causado uma escuridão tão densa que o sol parecia ter sido apagado do céu?
    

Historiadores e cientistas ainda hoje tentam compreender o que aconteceu naquele dia e procuram formular uma resposta para a questão. Usando as informações registradas em jornais da época e diários pessoais de pessoas que escreveram sobre a ocorrência, ainda não foi possível explicar satisfatoriamente o fenômeno. A única certeza é que ele de fato ocorreu, a não ser que alguém queira sugerir que algum tipo de histeria coletiva atingiu a população da Nova Inglaterra. 

E de fato, a histeria marcou todo o incidente.

Compreensivamente, as pessoas entraram em pânico. Pessoas saíram pelas ruas gritando e chorando. Mulheres e crianças desmaiavam. Homens cometeram suicídio com tiros na cabeça. Igrejas lotaram de fiéis procurando ajuda e aconselhamento. Abrahan Davenport, um Juiz de Direito de Connecticut, escreveu no relatório da Corte de Justiça: 

"Serviços paralisados! Foi como se o mundo estivesse prestes a terminar! E francamente, havia razão para acreditar nisso! Ouvi gritos e discussões ásperas nas ruas. As pessoas se agrediam por qualquer motivo, muitas vezes fisicamente. Vi muitas pessoas chorando e se desesperando, sentando no meio fio com as mãos sobre o rosto. Eu desejava que a luz das velas pudessem aliviar o horror das pessoas, mas nada era capaz de contornar o temor presente nos olhos e expressões cheias de medo e apreensão. Eu não tenho vergonha de admitir que temi jamais ver o sol novamente".

O relato de Davenport não foi o único a constatar o estado de pânico que se instalou em várias cidades da região. O Massachusetts Herald de 20 de maio contabilizava os danos causados pela população enlouquecida na maior e mais populosa cidade da Nova Inglaterra:

"Várias lojas e estabelecimentos comerciais de Boston foram destruídos e saqueados. Uma agência dos correios foi depredada por uma turba que se formou repentinamente e começou a quebrar a fachada e destruir janelas. Na rua Sullivan nenhum vidro foi poupado. Dois homens saíram feridos quando tentaram conter a multidão de desordeiros. Um bonde puxado por cavalos foi virado e os animais apedrejados. Uma mulher foi atropelada por um dos animais em disparada e morreu. Uma casa foi incendiada e totalmente consumida pelas chamas. Tiros foram ouvidos por toda cidade".

Não apenas nas grandes cidades a situação foi de crise. Em uma época em que não havia telégrafo ou rádio, e a comunicação era precária, pessoas em áreas rurais, que viviam isoladas, não podiam recorrer a ninguém, nem mesmo aos seus vizinhos para pedir ajuda. Não havia como obter informações a respeito do que estava acontecendo. Muitos simplesmente se trancaram em casa e rezaram para que a escuridão terminasse.

A ideia de que poderia ser o Fim dos Tempos foi muito alardeada.


Uma boa parte da população da Nova Inglaterra era composta por protestantes fervorosos que interpretavam eventos naturais como Castigo Divino. Muitos viram no fenômeno um sinal de que Deus não estava satisfeito. Essa crença era reforçada por dois trechos da Bíblia que mencionavam textualmente o obscurecimento do sol como primeiro sinal do Apocalipse: "o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas" (Mateus 24:29) e "o sol ficou negro como serapilheira e a lua inteira ficou como sangue" (Revelações 6:12-13). Aos olhos de muitos fiéis o que havia acontecido era exatamente isso, o prenúncio do fim conforme descrito na Bíblia. Em algumas áreas, a lua assumiu uma coloração vermelho-alaranjada e as estrelas sumiram o que só serviu para renovar os temores iniciais.

Mas o que pensam os especialistas hoje em dia?

Teorias populares envolvem a influência de erupções vulcânicas do outro lado do mundo e a queda de meteoros como causas em potencial. Entretanto, a mais provável razão para a escuridão pode ter sido algo muito mais mundano - um incêndio ocorrido no Canadá. Examinando o crescimento dos anéis nos troncos de árvores em Ontario, cientistas foram capazes de determinar que um incêndio de enormes proporções ocorreu nessa região do Canadá, poucos dias antes do fenômeno da escuridão atingir a Nova Inglaterra. Eles especulam que uma combinação vento agindo sobre massas de fumaça grossa bem como um nevoeiro espesso possam ter contribuído para obscurecer o sol. Também havia uma severa seca na época, tornando um incêndio um acontecimento bastante provável. A teoria se encaixa com descrições de que havia um forte odor de fumaça e cinzas, além de fuligem cobrindo telhados e ruas no dia seguinte.

Esse não foi o primeiro "dia escuro" a ocorrer. Entre 1091 e 1971, cerca de cinquenta "dias escuros" foram registrados ao redor do mundo sempre causando consternação. Embora nós hoje em dia possamos zombar das pessoas na Nova Inglaterra de 1780 e dizer que agiram de modo tolo e supersticioso, reações semelhantes ocorreram na década de 1950, quando queimadas nas florestas de Alberta fizeram com que os céus de Massachusetts escurecessem novamente e as pessoas fossem dominadas por um temor quase palpável.


Como sabemos atualmente, o sol não pode simplesmente desaparecer, e em 20 de maio de 1780, ele ressurgiu nos céus da Nova Inglaterra com se nada tivesse acontecido. As pessoas correram para igrejas e templos religiosos para fazer orações de agradecimento pelo retorno da luz e pedidos para que tal coisa não acontecesse novamente. Pelo menos uma seita religiosa surgiu em face do fenômeno. Uma dissidência dos Quakers, os chamados Shakers se fixaram em Nova York e conseguiram converter centenas de pessoas, espalhando a crença de que a escuridão era o primeiro sinal de um Apocalipse vindouro.

Mais do que ser um fenômeno curioso, o "Dia mais Escuro" de 1780 serviu para mostrar a horrenda face que as pessoas podem assumir quando confrontadas com algo inexplicável. Em um período relativamente curto de trevas, toda e qualquer noção de civilidade se viu sufocada por uma onda avassaladora de superstição e temor. O que aconteceria com nossa civilização se essa escuridão durasse mais do que algumas poucas horas?

Talvez, francamente, seja melhor não saber, pois provavelmente nós não gostaríamos da resposta.

*     *     *

Vou confessar uma coisa.

Quando eu era criança vi algo parecido.

Eu devia ter uns oito anos de idade e lembro muito bem. Estava no colégio e na hora do recreio uma ventania repentina varreu o pátio e o tempo que estava claro e agradável mudou bruscamente. Ficou escuro, positivamente escuro! Como se o dia tivesse se tornado noite - ou assim me pareceu, e assim me recordo.

Foi algo inesperado e assustador, sobretudo por que muitas crianças começaram a dizer que o mundo estava terminando e que o sol havia sumido para sempre.

A situação só se acalmou quando os professores e inspetores foram chamados às pressas para reunir as crianças e conduzi-las para as salas. Explicaram que tudo estava bem e que não era nada de mais, mesmo assim, vários pais tiveram de ser chamados para buscar seus filhos, ainda chocados com o acontecimento.

Ao ler a respeito do "Dia mais Escuro" foi impossível não pensar nesse episódio da minha infância e ponderar que em uma escala muito menor também houve medo e angústia. Eu sei que, EU tive muito medo. Medo de não voltar para casa e não ver mais meus pais. Medo que o mundo fosse acabar. Realmente, em vista disso, não é tão difícil compreender a reação das pessoas diante de uma noite fora de hora que contraria tudo que elas estão acostumadas e se encaixa perfeitamente em suas crenças religiosas.

Lovecraft, o patrono desse blog, escreveu com enorme propriedade e eu, com a devida vênia, recorro a ele para encerrar esse artigo:



















Que se faça a luz!

3 comentários:

  1. No livro, Our time in the light of prophecy, o adventista Willian Spicer, relata esse acontecimento como sendo o cumprimento de profecias bíblicas.

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  2. Perfeita introdução para uma campanha de rpg "Call of Cthulhu".

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