Nós olhamos para o céu noturno e acreditamos ver inúmeras possibilidades. Horror e beleza entrelaçados entre as distâncias cósmicas e golfos de espaço que separam estrelas. O potencial de exploração é infinito.
Mas existem certos livros, tratados ancestrais que apontam para uma outra verdade aterrorizante. Eles insinuam que o universo é ainda maior do que podemos imaginar, muito mais vasto que nós podemos conceber, apenas uma faceta de uma joia infinita. Entre os espaços do que chamamos de realidade existem mundos paralelos, dimensões dispostas lado a lado em uma infinita miríade de realidades distintas, cada qual com suas próprias leis naturais.
O cabalístico Livro de Eibon talvez seja o mais respeitado tratado a falar das múltiplas dimensões que acercam o tecido da realidade. Como cortinas diáfanas eles se interpõem consecutivamente, tal como paredes que dividem os planos em camadas. Eibon, o ancestral feiticeiro Hiperbóreo que redigiu o livro que leva seu nome, descreveu algumas dessas dimensões: falou de esferas de céu púrpura, chão de vidro moído e infindáveis mares de mercúrio. Mencionou planos inteiros tomados por ar espesso carregado de eletricidade estática e de miasmas que brotam do solo pantanoso. Falou de mundos preenchidos por névoas cinzentas e indevassáveis, onde espreitam raças de predadores insectóides que vivem da caçada e que podem atingir dimensões colossais.
Aludiu a respeito de mundos líquidos, sólidos, vaporosos, de lodo primal e com desertos de areia revolta, soprada por vendavais capazes de arrancar carne e limpar ossos. A maioria das dimensões planares são absolutamente insalubres, incapazes de sustentar a permanência humana por mais do que alguns instantes. O calor extremo, o frio absoluto, a pressão esmagadora, os ares nocivos, as substâncias presentes na atmosfera, tudo conspira para a morte. Cada elemento é suficiente para matar os homens que altivos avançam através das passagens dimensionais. O próprio Eibon diz em seu tomo que "tolo é aquele que crê poder explorar as infinitas realidades sem tomar as devidas precauções ou conhecer previamente o que irá encontrar além das passagens". Ele bem sabia dos riscos de transpor o arcabouço de tais latitudes. Atingir os potentados do além, afinal, não é tarefa simples ou para os fracos.
O fato de existirem lugares tão daninhos ao ser humano, no entanto, não significa que estes sejam destituídos de criaturas nativas. É preciso compreender, entretanto, que tais planos, por serem em essência dessemelhantes ao nosso, geram formas de vida exóticas, aberrantes para nossas concepções e padrões. Tais seres são o anátema da natureza terrestre, não havendo termos de comparação capazes de exprimir suas formas. Para todos os efeitos, eles são tão estranhos, tão imensamente alienígenas que em muitos casos, o mero vislumbre de suas formas bizarras é suficiente para fraturar nossa sanidade.
Ao longo da história humana, a vacilante exploração das múltiplas dimensões, empreendida por feiticeiros capazes de romper a barreira dimensional , revelou a existência de habitantes nestes rincões distantes. Pode-se dizer sem receio que na maioria das vezes, o contato com esses seres dimensionais resultou em desastre. Tais criaturas não parecem compreender a natureza humana e julgando que esses visitantes são estranhos à sua realidade, tendem a adotar uma postura hostil. Não é de todo estranho esse comportamento beligerante; é preciso compreender que homens reagiram da mesma maneira. Ao se deparar com seres de outras realidades, buscam simplesmente aniquilar ou afugentá-los. O temor é uma constante recorrente na maioria das experiências pioneiras de contato entre espécies.
Os peregrinos planares cunharam vários termos para nomear as criaturas do outro lado.
Chamaram-nas de Dançarinos do Véu, na antiga Roma, um termo emprestado dos feiticeiros etruscos, usaram o nome Trôpegos Vacilantes na Babilônia para reportar uma de sua características mais marcante, o andar desajeitado. Os Egípcios os chamaram de Rastejadores Dimensionais, enquanto outros preferiram identificá-los como "Os que vivem além", um termo presente na edições grega do Necronomicon de Philletas. Mas foi com o nome Andarilhos Dimensionais que eles se tornaram mais conhecidos entre os estudiosos da Metafísica e pesquisadores dos Mythos de Cthulhu.
De fato, o termo Andarilho Dimensional é reminiscente dos teóricos iluministas que o cunharam provavelmente no século XVII, sendo utilizado até os dias atuais. Paracelsus, o famoso filósofo alquimista os conhecia por este nome, Ludwig Prinn, assim os anunciava no décimo oitavo capítulo do Vermiis Mysteriis, bem como o célebre Dr. John Dee, um dos copistas responsável por traduzir o Necronomicom, os identificava para o idioma bretão - Ye Dimensional Shambler.
As diversas interpretações, os nomes pelos quais são conhecidos, além da farta documentação em tratados esotéricos, podem sugerir ao leitor que a natureza dessas criaturas é compreendida, contudo, nada poderia estar mais distante da realidade. É frustrante constatar que não se sabe praticamente nada a respeito desses seres, salvo o seu nome e breves descrições sobre sua aparência física. E mesmo estas observações são insuficientes para lançar uma luz assertiva sobre o que eles são. Supõe-se que sejam entidades capazes de caminhar por entre os planos e mundos do universo, vagando entre as dimensões sem se fixar permanentemente a uma.
Não há um consenso de como eles engendram essa façanha, mas fato é que os Andarilhos, simplesmente são capazes de se deslocar entre um plano e outro, meramente avançando em seus passos cambaleantes. Ao cruzar os limites de uma dimensão, o Andarilho cria uma descarga de eletricidade estática que recobre seu corpo e se manifesta na forma de faíscas azuladas que lambem seu corpo produzindo um ruído característico de estalidos. Um cheiro de ozônio tende a permear o ar, momentos antes da barreira ser perfurada. O surgimento de um Andarilho é uma apoteose de centelhas e lampejos elétricos que se espalham, por vezes luzindo como fogo-fátuos ou luzes multi-cromáticas. Em outras instâncias, fala-se de um disco de luz, suspenso no próprio ar, como um portal através do qual a criatura emerge, carregando consigo uma substância plasmática e viscosa. Para alguns seria aliás, essa a real natureza do ectoplasma.
Seja como for, os Andarilhos são capazes de se manifestar fisicamente em diferentes dimensões, e se manter nestas indefinidamente. No momento em que se dá por satisfeito, o Andarilho retorna para seu lugar de origem, ou para um outro plano de sua escolha, simplesmente mergulhando em um novo portal ou se deixando envolver pelas faíscas azuladas. Não se sabe de Andarilhos dispostos a adotar dimensões adjacentes como um novo lar. Inexistem casos em que tais criaturas escolheram se estabelecer permanentemente em nossa realidade. Se tal coisa é viável, ou não, também não se sabe. É provável, entretanto, que os Andarilhos Dimensionais não sejam adaptáveis à nossa dimensão e que uma estadia prolongada seja potencialmente letal. Tentativas de aprisionar ou estudar o comportamento destas criaturas jamais tiveram resultado, dada a óbvia impossibilidade de capturá-los ou mantê-los cativos.
Ocasionalmente estas criaturas servem a algum Deus Exterior ou Grande Antigo, mas não se sabe qual a relação estabelecida entre eles e tais divindades. Dada suas faculdades planares, alguns teóricos sugerem que Yog-Sothoth pode ser a divindade mais próxima deles. Embora sejam categorizados como uma Raça Menor Independente, não se pode descartar que eles possam ser uma espécie Serviçal, disposta a auxiliar seus mestres mais poderosos.
No submundo da magia, ouve-se rumores de Feiticeiros que conseguiram criar poderosos Rituais de Vinculação que permite submeter tais criaturas a vontade e até compeli-los a realizar tarefas simples. Na versão mais conhecida do Ritual de Vinculação, o mago precisa desenhar vários símbolos num círculo designando a Dimensão de onde a criatura será convocada, velas são posicionadas nos limites de um pentagrama invertido e palavras específicas são proferidas. O utilizador precisa ainda de uma adaga de prata pura que ele utiliza para desenhar no ar símbolos de poder. Se todas as formalidades forem cumpridas, o Andarilho surge exatamente sobre o círculo que serve como área limítrofe impedindo a criatura de cruzar seus limites e de se deslocar de volta ao seu plano. Uma nova litania de palavras de poder, entre as quais as Preces de Eibon devem ser entoadas e ao fim destas, se a vontade do Mago prevalecer, o Andarilho ficará sob seu comando por um dia inteiro. Se o feitiço falhar, o Andarilho poderá simplesmente partir, ou se furioso, descontar sua frustração no mago.
Uma vez compelido a servir, o Andarilho Dimensional poderá ser enviado em missão de assassinato, para entregar uma mensagem, obter algum objeto ou contatar um aliado. Andarilhos possuem inteligência rudimentar, mas conseguem compreender ordens simples, possivelmente por intermédio de um elo psíquico compartilhado com o mago que o compeliu. A facilidade de se deslocar entre as dimensões permite que eles cumpram suas missões de maneira rápida e plenamente satisfatória.
Magos não acompanham os Andarilhos em viagens planares, embora as criaturas possam carregar pessoas através das dimensões meramente segurando-as em seus braços enquanto fazem a caminhada. Acredita-se que os humanos não estão preparados para essa modalidade de deslocamento planar sendo desintegrados a cada passo do Andarilho entre as dimensões. Inexiste qualquer registro confiável de algum mago que tenha retornado em segurança dessa tentativa. Ainda assim, há lendas sobre Feiticeiros que teriam atingido outros planos nos braços de Andarilhos, embora a maioria dos teóricos julgue tal coisa inviável. Isso conduziu à crença bastante difundida de que aqueles levados pelos Andarilhos Dimensionais jamais retornam, o que torna essas criaturas bastante úteis para quem deseja eliminar um desafeto fazendo-o "desaparecer" permanentemente. O fato de não restar qualquer indício material da vítima, é um enorme bônus.
Um andarilho dimensional jamais é igual a outro, há diferenças marcantes que tornam cada indivíduo único, horrendo em cada detalhe, medonho em cada particularidade.
Em geral eles são humanoides com dois braços, duas pernas e uma cabeça ainda que possam haver indivíduos com múltiplos membros. Estes são incrivelmente incongruentes, diferenciando-se quando a tamanho e massa, inchados ou estriados. Os braços são especialmente longos, com músculos e tendões esticados até quase o ponto de se rasgarem. As pernas são longas, franzinas e aparentam enorme fragilidade, como se fossem incapazes de sustentar o restante do corpo. O tórax é avantajado e irregular, com manchas que evidenciam diferentes cores e texturas. Não possuem pelos ou cabelos e seus corpos são coberto de tumores e gânglios que lembram cascas de ferida secas. A pele dos Andarilhos tende a ser rugosa e resistente como couro batido, apresentando camadas soltas que parecem retalhos de tecido conjuntivo. A coloração varia entre um amarelo doentio, podendo assumir uma tonalidade alaranjada, marrom ou cor de cobre nas extremidades. Os movimentos do Andarilho são desajeitados, seus passos são vacilantes com um tipo de ginga característico que lembra o andar dos símios terrestres. Em virtude desse movimento peculiar, alguns Andarilhos já foram confundidos com gorilas e outros antropoides de grande porte. Ainda que desajeitados, os Andarilhos são rápidos e quando empreendem perseguição usam os braços para se equilibrar e propelir na direção de seus oponentes.
O comportamento deles tende a ser agressivo, variando para o indiferente em alguns casos. Os andarilhos tem rápidas mudanças de humor, podendo atacar sem qualquer aviso, investindo furiosamente e agredindo repetidas vezes com seus punhos, pés ou com garras. Tanto as mãos quanto os pés dos Andarilhos são dotados de garras compridas e afiadas, no final de três dedos. As garras são feitas de um tecido quitinoso recurvo e somada à força avantajada da criatura, podem causar ferimentos consideráveis. O andarilho não se limita a atacar com os punhos, podendo saltar e rasgar uma presa com as unhas nos pés que mais parecem esporões. Por vezes, eles usam de sua capacidade de deslocamento dimensional para alcançar as presas de forma mais rápida, surgindo diante delas justo quando estas pensam já ter escapado.
Os sentidos do Andarilho são grosseiros, ao menos em nossa dimensão. Sua visão é limitada a alguns poucos metros e seus olhos, pequenos e fundos não parecem adaptados ao nosso espectro luminoso. Eles conseguem ver, mas de forma embaçada e pouco clara. Sua audição e olfato são melhores, e eles se guiam por estes sentidos na maioria das vezes, mantendo-se em total silêncio para captar súbitas mudanças de movimento. Alguns não possuem nem mesmo estes sentidos e é um mistério como as criaturas conseguem perceber seus arredores.
A cabeça dos Andarilhos é um pesadelo que remete a um boneco de barro ou argila semi-derretida. A boca é longa e rasgada de uma extremidade à outra, repleta de dentes grandes, tortos e acavalados. Não possuem língua. Eles possuem lábios grossos e deformados, manchados pela saliva que escorre em profusão. Na cabeça a pele é ainda mais rugosa retorcida com vincos e estrias. A testa é alta e o queixo termina numa papada quase como se não existisse, fundindo-se ao pescoço curto. A cabeça não se move, e ele se limita a inclinar para esquerda e direita ao prestar atenção em algo. Os andarilhos são incapazes de falar, o único som que eles produzem é um tipo de gorgolejar semelhante ao ruído de alguém se afogando. Por todos esses predicados distorcidos, não por acaso, observadores trataram estes seres como os míticos demônios, entidades presentes em várias religiões. É bem possível que muitas estórias sobre criaturas das profundezas e horrores do Hades sejam baseadas no contato com Andarilhos Dimensionais.
Não se sabe praticamente nada a respeito de seu ciclo reprodutivo. Não há uma distinção óbvia de sexos, se é que eles possuem gêneros diferentes, sendo que o mais provável é que eles todos sejam hermafroditas. Nunca foram registradas aparições de jovens ou filhotes. É possível que sejam imortais pela passagem do tempo. Podem, no entanto, cessar de existir. Ferimentos suficientes podem incapacitá-los, ainda que os andarilhos sejam mais vigorosos do que um humano mediano. Ao morrerem em nossa realidade, seus corpos desaparecem, como se puxados de volta para sua dimensão de origem em meio a centelhas elétricas e de um clarão muito forte.
Existem tipos de Andarilhos e o detalhamento de criaturas específicas será matéria de uma futura publicação.
adicionando agora mesmo este blog à lista dos favoritos do meu!
ResponderExcluira saber, http://mundodoeuvadio.blogspot.com.br/
visitem!
Os textos do blog são muito interessantes, fascinantes e até mesmo, vários, perturbadores, acendem a imaginação, nisso, estão de totais parabéns. Mas...pessoal, revisem antes de publicar: a quantidade de erros tolos que atentam contra o português formal é exasperante: prestem atenção à concordância de gênero e número e ponham na cabeça: não se separa sujeito do predicado com vírgula!!
ResponderExcluirEsse comentário foi escrito com boa intenção,orientar para que o blog fique ainda melhor. Saudações.
Parabéns pelo texto incrível (como sempre).
ResponderExcluirContinue com esse tipo de artigo, por favor. É muito legal ver uma criatura que é resumida em 2-4 parágrafos nos livros de rpg ser descrita por um longo texto
Um excelente artigo!Por acaso vocês já fizeram algo semelhante a respeito do monstro chamado Spectral Hunter?Caso ainda não tenham feito,fica aqui a sugestão.
ResponderExcluirTem ficha desse bicho para a 7ed?
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