Abaixo das ruas da Capital da Escócia, Edimburgo existe um assustador mundo subterrâneo que era considerado assombrado para os supersticiosos na virada do século XVIII.
As câmaras de Edimburgo, também conhecidas como South Bridge Vaults são únicas por oferecerem ao visitante um ambiente preservado de com era a cidade séculos atrás. Infelizmente a história de South Bridge é tão tumultuada que muitos acreditam que uma maldição pesa sobre esse subterrâneo intocado. Mesmo hoje, muitos dos moradores mais antigos de Edimburgo acreditam que esse não é um lugar para ser visitado. De fato, existe até mesmo a crença de que uma coisa medonhas e maligna habita esses túneis, uma presença conhecida como "A Entidade de South Bridge".
Em um país com tantas lendas e assombrações célebres, os subterrâneos talvez sejam um dos lugares mais temidos, o que em se tratando de Escócia, não é pouca coisa. A despeito de acreditar ou não nas lendas, o subterrâneo é um lugar que suscita pensamentos desagradáveis e atiça a imaginação a conjurar figuras sombrias.
Ao adentrar essas câmaras você se vê em um ambiente absolutamente escuro e estranhamente frio. A luz parece simplesmente incapaz de iluminar esses recessos cavernosos de pedra, concreto e tijolo. Qualquer luminosidade é engolida pelas trevas, provocando uma sensação de isolamento inenarrável. Além disso, o subterrâneo se estende como um labirinto de túneis e conexões tortuosas, algumas em franco processo de desgaste e prestes a desabar. Há ruelas e becos estreitos que forçam o explorador a andar agachado, tateando as pedras frias e cobertas de limo, em um contato físico claustrofóbico.
As ruas que um dia estiveram na superfície são tortuosas, com pavimentação irregular de paralelepípedos. Um descuido e você acaba tropeçando em uma pedra solta, ganhando um joelho ralado. Na escuridão perpétua, enxergar o caminho só não é mais complicado do que se guiar. Não são poucas as pessoas que resolvem entrar nos subterrâneos e acabam se perdendo, vagando à esmo pelas estruturas em busca da saída.
A História desses subterrâneos é igualmente obscura e se todos os detalhes a respeito dela fossem conhecidos, é bem provável que até os mais destemidos as evitassem.
A estrutura da South Bridge (Ponte Sul), formada por dezenove arcos foi erguida sobre essa porção da cidade em 1788. A monumental obra de arquitetura e engenharia recobriu a parte antiga da cidade sob um domo de concreto armado, colocando nas sombras tudo o que existia lá embaixo como um caixote. Com efeito, as pessoas que moravam naquela área resolveram abandonar a vizinhança insalubre e escura, deixando tudo para trás.
Os primeiros anos da nova ponte foram marcados por um fato inusitado.
Quando a obra estava próxima de ficar pronta, a moradora mais antiga da região, a viúva de um Juiz conhecido pela austeridade foi convidada pela prefeitura de Edimburgo para ser a primeira a cruzar a ponte. Até aí, tudo bem, mas infelizmente, dias antes da inauguração a mulher adoeceu e as festividades tiveram de ser canceladas. Pouco depois, a idosa acabou falecendo, mas o prefeito decidiu que a promessa feita tinha de ser cumprida. Dessa forma, a primeira pessoa a "atravessar" a extensão da ponte foi o "corpo" da mulher em um caixão colocado numa carruagem fúnebre. No meio do caminho, o féretro foi interrompido e os cavalos se assustaram, os animais dispararam e atropelaram pessoas que estavam nas laterais da ponte, derrubando alguns lá do alto.
Os moradores mais antigos ficaram horrorizados! A ponte estava amaldiçoada! A maioria dos moradores da região simplesmente se negavam a atravessar a ponte, preferindo ao invés disso adotar um caminho muito mais longo e complicado, através do Vale de Cowgate.
Para piorar as coisas, meses depois do acidente com a carruagem fúnebre, um dos engenheiros responsáveis pela obra quis mostrar que não havia nenhum perigo na travessia. Na metade do caminho, dizem, no exato local em que ocorreu a tragédia, ele sentiu um mau súbito e caiu fulminado vítima de um ataque cardíaco. Para alguns a causa mortis era muito mais séria: uma maldição.
Hoje em dia, é fácil culpar a falta de informação e ignorância das pessoas da época que eram realmente supersticiosas, mas ao longo dos séculos ficou claro que a ponte colecionava acontecimentos estranhos, nem todos passíveis de uma explicação razoável.
Por exemplo, dizem que o som de cavalos galopando velozmente pode ser ouvido de tempos em tempos no alto da ponte. Também se comenta muito a respeito de uma carruagem fúnebre, com plumas negras sendo puxada por cavalos de olhos vermelhos e cascos de fogo. A crença de que fantasmas das pessoas mortas na tragédia assombram o local é corroborada, segundo alguns, pelos lamentos e gritos que podem ser ouvidos na madrugada quando um nevoeiro denso cobre a ponte.
Também não ajuda em nada o fato da South Bridge ter se tornado um popular ponto de suicídio. A desconcertante quantidade de pessoas que escolhem esse lugar para se lançar do alto rumo a escuridão, motivou a construção de um posto de guarda para prevenir suicidas e posteriormente de uma cerca de ferro. Ainda assim, muitos saltam do alto da ponte, sendo que alguns infelizes, calcularam mal a trajetória e acabam empalados na cerca de ferro que deveria prevenir sua queda.
Mas voltemos a falar do subterrâneo que existe abaixo de Edimburgo.
Por cerca de 30 anos, as câmaras ficaram vazias, mas aos poucos elas foram sendo redescobertas por pessoas mais pobres e comerciantes que não tinham recursos para montar seus negócios em áreas mais nobres. Pequenas tavernas, bordéis de má fama e casas de ópio, além de ocasionais negócios legítimos ocupavam as casas decrépitas da Velha Edimburgo. O lugar era o paraíso de contrabandistas que encontravam espaço de sobra para esconder suas mercadorias roubadas. Também era um lugar para se esconder das autoridades, ao menos até elas pararem de procurá-los. Não é por acaso que no início do século XVIII o crime nessa região de Edimburgo atingiu um índice preocupante. Os subterrâneos eram o covil de bandidos, de assassinos e ladrões da pior estirpe que tinham ali uma espécie de refúgio regido pelas suas próprias leis. Até mesmo um tribunal improvisado e clandestino julgava as transgressões e punia aqueles considerados culpados - criminosos entre criminosos.
Nesse submundo sórdido, negócios de toda natureza aconteciam sem a preocupação de que a polícia pudesse perturbá-los. Dizem que assassinos podiam ser contratados por algumas moedas, mercadores de escravos agiam livremente, prostituição e casas de jogo abundavam. Vício era algo corriqueiro e as casas de tolerância eram as mais decadentes da Escócia, aceitando sadismo, tortura e pedofilia atrás das cortinas de veludo escuro. A violência ocorria na frente de todos sem que ninguém se importasse. Corpos eram jogados nas calhas de água que levavam para fora.
A razão para toda essa ousadia era simples, a parte baixa de Edimburgo era uma verdadeira fortaleza onde a polícia não ousava interferir. Era virtualmente impossível entrar sem ser percebido. Ao primeiro sinal de encrenca, haviam incontáveis túneis para onde era possível escapar, inclusive sistemas de esgoto que conduziam para o outro extremo da cidade. Além disso, havia um acordo entre policiais e criminosos: desde que a sujeira ficasse restrita ao Subterrâneo, eles não seriam incomodados.
Segundo rumores, os assassinos em série Burke e Hare, famosos por suprir as Escolas de Medicina (você leu o artigo a respeito?) com "material fresco" usavam um depósito no submundo para esconder suas vítimas. Dizem que os cadáveres ficavam ocultos no porão de um velho depósito em meio a uma pilha de palha seca. A temida quadrilha dos Degoladores também agiam no subterrâneo, apelidado de Hades (o místico inferno clássico). Os degoladores não usavam meramente esse nome, eles eram conhecidos por matar seus inimigos e arrancar suas cabeças com um garrote especial produzido com fios resistentes cobertos de cola e vidro moído.
Mas o Reino de Criminosos que proliferou nos subterrâneos de Edimburgo estava com os dias contados. Não seria a polícia a por um fim a suas atividades, embora a sociedade pedisse medidas imediatas. Foram as próprias condições de flagrante deterioração que contribuíram para sua ruína tornando o ambiente tão insalubre que nem mesmo os criminosos queriam ficar lá embaixo. A fumaça de fogareiros alimentados com carvão queimando dia e noite não tinha para onde ir e começou a se acumular nas câmaras tornando o ar irrespirável. As pessoas adoeciam e precisavam de máscaras para suportar o cheiro de fumaça misturado com o fedor de comida, lixo e esgoto.
As casas de comércio clandestinas fecharam suas portas e já em meados de 1850 apenas os mais pobres entre os mais pobres de Edimburgo aceitavam morar em habitações tão precárias.
Não se sabe ao certo quando o complexo de túneis foi fechado por completo e bloqueado pelos homens da prefeitura. Alguns acreditam que o fechamento se deu em 1855, mas outros creem que o subterrâneo continuou sendo habitado até meados de 1875. Não há documentos falando a respeito desse período, sobretudo porque essa verdadeira favela subterrânea era considerada uma vergonha para a população de Edimburgo. Tudo o que se sabe é que em 1890 toneladas de lixo foram descarregados dentro dos túneis tornando o acesso impossível.
As câmaras sob South Bridge foram redescobertas por Norrie Rowan, um ex-jogador de Rugby e historiador amador que descobriu um túnel de acesso não obstruído no início dos anos 1980. Cerca de cinco anos mais tarde Norrie e seu filho escavaram uma das câmaras passando por toneladas de detritos até chegar a uma das ruas subterrâneas perfeitamente conservadas.
No anos seguintes, as câmaras que compreendem a South Bridge e o Arco Cowgate se tornaram parte do roteiro de passeios guiados da cidade. Os turistas tinham a chance de ver como eram as ruas e os prédios construídos há 300 anos. Um pedaço da história perfeitamente preservado surgia diante deles. No entanto, apenas uma pequena parte do subterrâneo era acessível aos visitantes. Limpa e iluminada ela era uma atração para os entusiastas de história, contudo a maior parte das câmaras se encontrava fechada e raramente via algum movimento. Pesquisadores e historiadores tinham permissão para explorar os túneis e frequentemente retornavam de seu interior escuro com algum artefato de eras passadas.
Sabe-se também que desabrigados e mendigos viviam nesses túneis que também eram usados por criminosos e drogados. Com essa população marginal, não era de se estranhar que fosse um lugar perigoso, altamente desaconselhável para curiosos. Mesmo assim, todo ano alguém se perdia nesse labirinto. As pessoas simplesmente eram atraídas pela aura de mistério e decadência do lugar e quando se davam conta, estavam perdidas.
Como não poderia deixar de ser, o que não faltam são lendas e rumores sobre fantasmas na parte mais escura de Edimburgo.
"É um lugar muito sinistro. Há muitos, muitos espíritos lá embaixo", conta Nicola Wright, um dos guias que tinham autorização para descer na Cidade Subterrânea. Wright trabalhou por 15 anos levando turistas ao local e disse ter visto muitas coisas estranhas.
"Uma aparição recorrente era a de um homem de meia idade que corria pelos corredores com a garganta cortada. Seus passos podiam ser ouvidos ecoando pelas câmaras baixas. Dizem que ele foi vítima da gangue dos Degoladores. Também existia o fantasma de uma mulher, possivelmente uma prostituta que trabalhou em um dos bordéis que existiam na cidade baixa, a figura já foi vista várias vezes espiando do alto de uma janela, fazendo sinais e insinuações para quem passa".
Há ainda a famosa Entidade de South Bridge, um monstro envolto num manto de névoas esvoaçantes. Ele se aproxima das pessoas e as envolve com uma fumaça congelante as deixando aterrorizadas. Essa famosa "entidade" seria o terror de vários investigadores psíquicos que se disseram profundamente perturbados por uma presença maligna espreitando nos túneis. Um famoso médium aceitou acompanhar uma equipe de televisão até os subterrâneos onde entrou em contato com a entidade. Segundo ele, o contato foi tudo menos amistoso, o medium mostrou duas marcas de mordida que apareceram em seu ombro logo que ele tentou estabelecer um transe.
A entidade seria responsável por causar crises de pânico e surtos de desespero em indivíduos sensitivos. Também são reportadas súbitas mudanças de temperatura, com bolsões congelantes, ruídos estranhos e atividade psicocinética com direito a objetos voando. Em pelo menos três oportunidades objetos de madeira se incendiaram espontaneamente e em outras tantas ocasiões pessoas sentiram empurrões e mordidas.
Em 2001 o Professor Richard Wiseman da Universidade de Hertfordshire conduziu um estudo psicológico com pessoas que foram convidadas a passar várias horas no interior das câmaras. Seu objetivo era determinar se pessoas que acreditavam no sobrenatural eram mais propensas a presenciar ocorrências sobrenaturais do que as que não acreditavam. Segundo a teoria de Wiseman pessoas que acreditavam no paranormal criariam em sua mente situações ou eventos sobrenaturais espontaneamente. O resultado foi surpreendente: não apenas as pessoas suscetíveis, mas aqueles que se disseram céticos relataram ter visto ou sentido coisas estranhas durante sua permanência na cidade subterrânea. Muitos dos céticos estavam mais assustados do que os crentes a ponto de um dos ditos céticos implorar para retornar depois de um encontro com a "Entidade de South Bridge".
Com tudo isso o que podemos concluir a respeito desse lugar? Sem dúvida, os subterrâneos de Edimburgo são um lugar escuro e triste, com uma longa e macabra história de crime, violência e desespero. Para os parapsicólogos, emoções fortes e situações traumáticas deixam um rastro no tecido psíquico mesmo que tenham ocorrido há muito tempo. É como riscar um fósforo em uma sala lacrada e ainda poder sentir o seu cheiro horas depois. Episódios traumáticos e ocorrências violentas deixam o mesmo resquício que ainda podem ser captados. Se isso for verdade, os fantasmas de Edimburgo parecem ter um lugar de encontros muito propício.
Em 2015, a prefeitura da Cidade de Edimburgo decidiu proibir as Visitas Guiadas e fecharam os túneis ao público.
Atualmente as visitas são estritamente monitoradas por motivos de segurança... ou assim dizem.
interessante essa matéria.
ResponderExcluir