O Mundo Tentacular entrevista a autora Nathalia Sorgon Scotuzzi, responsável pelo Projeto de Financiamento Coletivo via Catarse, de um livro inspirado pela sua Dissertação "Relances vertiginosos do desconhecido: a desolação da ciência em H. P. Lovecraft".
Nathalia fez sua graduação em História mas, para o mestrado, decidiu mudar sua área de pesquisa para Estudos Literários. Tendo cursado o mestrado entre os anos de 2015 e 2017, desenvolveu a dissertação deste projeto na UNESP de Araraquara.
Em sua carreira acadêmica, até o momento, publicou artigos em revistas científicas, tanto sobre a obra de Lovecraft quanto outros assuntos relacionados ao fantástico e o gótico. Também fez parte da coletânea Contos Reunidos do Mestre do Horror Cósmico da Editora Ex Machina, considerada uma das melhores publicações da obra de Lovecraft no Brasil. Neste volume, contribuiu com dois artigos a respeito da obra do autor.
Nathalia também é uma das editoras da Diário Macabro e administradora do Lovecraft Brasil, maior grupo brasileiro sobre o autor. Atualmente está cursando o doutorado, também na UNESP, onde pesquisa a respeito do horror cósmico.
Mundo Tentacular - Olá Nathalia, obrigado pela entrevista. Vamos começar pelo mais importante: você lançou um Financiamento Coletivo do de sua dissertação "Relances vertiginosos do desconhecido: a desolação da ciência em H. P. Lovecraft" no formato de livro (que já foi bem sucedido em atingir suas metas). Fale um pouco sobre qual a proposta e o tema desse livro.
Nathalia Sorgon Scotuzzi - Oi Luciano, eu que agradeço pela entrevista! O conteúdo do livro é o texto de minha dissertação de mestrado, com algumas pequenas alterações para se encaixar melhor como um livro. O tema da dissertação é o papel da ciência dentro da obra de Lovecraft, e para chegar a uma conclusão discorri sobre assuntos como a espacialidade dentro da literatura e a filosofia do cosmicismo, que considero um projeto estético de Lovecraft.
MT - Como foi o trabalho de pesquisa e quais fontes você consultou para produzir sua monografia? Você teve alguma surpresa a medida que fazia essa pesquisa?
Nathalia - Cheguei ao meu tema por uma sugestão de meu orientador, o Cido Rossi. Tendo o tema definido, fui aos poucos construindo o que eu queria falar. Cada capítulo trata de um assunto diferente, mas no final todos se relacionam para chegarmos à conclusão quanto ao papel da ciência.
O primeiro capítulo é bastante biográfico, e nele apresento o contexto em que Lovecraft nasceu e viveu, usando autores como S. T. Joshi e Cecelia Tichi, sem falar de trechos de cartas do próprio autor, que utilizei em todo o trabalho. O segundo capítulo falo um pouco das origens do pensamento de Lovecraft, com a influência de autores como Ernst Haeckel e Bertrand Russell. Também faço algumas comparações entre a obra de Lovecraft e alguns de seus predecessores, como Poe. O terceiro capítulo é dedicado à racionalidade humana e o quanto de nossa realidade podemos compreender. Para isso usei, primordialmente, o pensamento de Hugh Elliot e Kant. No capítulo seguinte eu adentro a obra de Lovecraft, analisando “Um sussurro nas trevas” e Nas montanhas da loucura, com foco na espacialidade literária e suas implicações. No capítulo final analisei as possíveis revoluções científicas que o texto de Lovecraft sugere, a partir de obras de teóricos da história da ciência, como Paul Feyerabend e Thomas Kuhn.
Talvez a maior surpresa que eu tive durante minha pesquisa foi que Lovecraft era duro demais consigo mesmo e muitas vezes pintava uma imagem de si que no fundo não correspondia com o que ele era. Exemplo disso é sua relação com os escritores modernistas: apesar de afirmar que achava sua estética desprezível, no fundo o autor compartilhava da filosofia desses artistas.
O primeiro capítulo é bastante biográfico, e nele apresento o contexto em que Lovecraft nasceu e viveu, usando autores como S. T. Joshi e Cecelia Tichi, sem falar de trechos de cartas do próprio autor, que utilizei em todo o trabalho. O segundo capítulo falo um pouco das origens do pensamento de Lovecraft, com a influência de autores como Ernst Haeckel e Bertrand Russell. Também faço algumas comparações entre a obra de Lovecraft e alguns de seus predecessores, como Poe. O terceiro capítulo é dedicado à racionalidade humana e o quanto de nossa realidade podemos compreender. Para isso usei, primordialmente, o pensamento de Hugh Elliot e Kant. No capítulo seguinte eu adentro a obra de Lovecraft, analisando “Um sussurro nas trevas” e Nas montanhas da loucura, com foco na espacialidade literária e suas implicações. No capítulo final analisei as possíveis revoluções científicas que o texto de Lovecraft sugere, a partir de obras de teóricos da história da ciência, como Paul Feyerabend e Thomas Kuhn.
Talvez a maior surpresa que eu tive durante minha pesquisa foi que Lovecraft era duro demais consigo mesmo e muitas vezes pintava uma imagem de si que no fundo não correspondia com o que ele era. Exemplo disso é sua relação com os escritores modernistas: apesar de afirmar que achava sua estética desprezível, no fundo o autor compartilhava da filosofia desses artistas.
MT - Eu sempre gosto de perguntar como cada pessoa que escreve ou pesquisa a respeito de Lovecraft, descobriu a obra dele e em que momento foi "fisgado" por ela. Como aconteceu com você? E qual aspecto de sua literatura chamou mais a sua atenção?
Nathalia - A primeira referência que tive do mundo de Lovecraft foi a música do Metallica, “The Call of Ktulu”. Apesar disso, demorou um tempo para eu ir atrás de ler o autor. Depois de ver referências a ele em diversos lugares decidi que era hora de conhecer sua obra. Assim, fui até uma livraria em minha cidade e comprei o único exemplar que tinham: O caso de Charles Dexter Ward. Foi terror à primeira vista, e não consegui mais parar de ler.
MT - É curioso como Lovecraft foi redescoberto. De autor obscuro, conhecido em um pequeno nicho, ele foi se tornando, após sua morte, mais e mais conhecido. Hoje ele é amplamente conhecido. A que você acha que se deve essa popularização?
Nathalia - Acho interessante que houveram “saltos” na popularidade de Lovecraft. Nos anos 80 foi quando ele ficou conhecido na cultura pop, mas não realmente conhecido para os padrões do Brasil, por exemplo. Desde que comecei a pesquisá-lo, em 2013, até agora, em 2019, vi um salto tremendo em sua popularidade no Brasil. Acredito que isso acontece porque finalmente as pessoas têm dado a ele o crédito merecido, reconhecendo o quanto ele influenciou MUITO do que gostamos nos dias de hoje.
MT - Qual o grau de importância hoje em dia da obra de Lovecraft? Ela continua atual mesmo em um mundo tão diferente? Como você contextualiza a importância dele para a Literatura?
Nathalia - A obra de Lovecraft é incrivelmente atual por simples
motivos: os temas com os quais ele trabalha continuam um grande mistério para a
humanidade: o espaço continua obscuro, fazendo com que entidades alienígenas
não possam ser descartadas; o fundo do mar ainda causa pavor e continua também
deveras desconhecido; e o caos do universo cada vez se tona mais palpável no
nosso mundo onde a religião morre a cada dia. Lovecraft escreveu, no século XX,
uma literatura que dialoga diretamente com os pensamentos do XXI.
MT - Depois desse Financiamento bem sucedido, qual o próximo projeto? Suponho que você tenha outros temas que queira explorar.
Nathalia - Acabamos de revelar nosso próximo projeto: a tradução
de O enigma de outro mundo, de John W. Campbell, que inspirou o filme de John
Carpenter. A tradução que faremos é da versão chamada Frozen Hell, uma versão
completa e recém-descoberta da novela Who Goes There?, que Campbell publicou em
1938. Essa versão acabou de ser publicada nos EUA, e era inédita até o momento.
Ela tem cerca de 40 mil palavras a mais do que a versão que era conhecida.
MT - Quais as suas recomendações para quem nunca leu, ou conhece pouco a respeito da bibliografia de Lovecraft? De que forma, na sua opinião, o leitor iniciante deve encarar a obra e por onde começar?
Nathalia - Eu costumo recomendar que comecem por contos que funcionem muito bem sozinhos e possuam características marcantes do cosmicismo, como “A cor que caiu do espaço” e “A sombra de Innsmouth”. Depois “O chamado de Cthulhu”, para situar o Mythos e apenas por último Nas montanhas da loucura. A essas obras sugiro intercalar outras que não sejam necessariamente do mythos e funcionem bem sozinhas, como “O modelo de Pickman” e “ A música de Erich Zann” –um de meus contos favoritos do autor.
* * *
O Financiamento ainda está correndo. Ele já está financiado, então não há nenhum risco quanto ao apoio, mas não deixem para a última hora, só tem mais 5 dias. Quem se interessar pelo tema, deve dar uma olhada na página do Catarse.
Vale a pena também ler a Introdução da Monografia que foi disponibilizada.
Para mais detalhes, click no link abaixo:
CATARSE Página do Financiamento
Gostei do formato entrevista aqui no blog. Acredito que deve se repetir mais. Achei a obra formidável. Parabéns, Nathalia e que venham outros projetos!
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