O Wendigo é uma besta selvagem, mas não é como nenhum animal da floresta. Ele é como um espírito, mas feito de carne. Sua pele é esticada sobre os ossos, como um cobertor cinza pálido. Seus olhos fundos brilham na escuridão, reluzindo com um vermelho sobrenatural. Ele parece um esqueleto que foi desenterrado de sua cova. Ele não tem lábios e seus dentes estão sempre sangrentos. Seu corpo é sujo e sua carne coberta de feridas que rescendem a podridão, corrupção e morte.
Basil Johnston, Professor da Tribo Ojibwe, Ontario, Canadá
Nas montanhas do extremo norte do Continente americano, as florestas que circundam os Grandes Lagos parecem não ter fim. As árvores são altas e antigas, as matas fechadas e a neve perpétua. É um lugar de belezas inenarráveis, mas de lendas estranhas e terríveis. Na região central do Canadá há uma lenda desse tipo. Ela fala de uma criatura maligna que lança o medo no coração de todos que ouvem a respeito dela. Os nativos a conhecem, através de velhas tradições e histórias orais, contadas pelos pais de seus pais, e pelos pais destes. Eles chamam esse ser de Wendigo, a besta que tem fome de carne humana.
Essa criatura de pesadelos é um monstro, mas tem algumas características comuns aos homens. Muitos acreditam que ele seja na verdade um homem cujo corpo foi possuído e então transformado em algo monstruoso, pela ação de um espírito maligno. As lendas tendem a variar para cada tribo, entretanto há pontos em comum: historicamente os Wendigo estão associados a canibalismo, assassinato, crueldade e a quebra de tabus culturais. Poucas coisas são mais ofensivas para as tribos que habitam o Extremo Norte do que romper com as tradições e conscientemente quebrar os tabus de seus antepassados. O Wendigo talvez seja um mito criado para ensinar aos jovens a respeito dos perigo de agir contra as tradições. Contudo, muitos acreditam que ele não é uma mera referência, mas uma criatura que de fato existe, habitando as profundezas da floresta onde a civilização jamais adentrou.
Conhecido por muitos nomes - Windigo, Witigo, Witiko e Wee-Tee-Go — cada um deles pode ser traduzido de maneira semelhante como "O espírito impuro que devora o homem". O nome diz muito a respeito da lenda e define exatamente o que ele é: um espírito que perverte a carne, de dentro para fora.
O Mito é especialmente difundido entre as tribos Algonquian, Ojibwe, entre os Cree do Norte e Cree do Pântano, os Saulteaux, Naskapi, e Innu. Todos estes povos descrevem os Wendigo como gigantes, muito maiores do que o mais alto dos homens. Embora a descrição geral possa variar, é comum para todos os povos a noção de que os Wendigo são criaturas perversas, canibais, nascidas de uma forma não natural e fortemente associadas com o inverno, o norte, o frio e a fome.
Os Algonquin descrevem o monstro nos seguintes termos:
"Um gigante com o coração de gelo; por vezes, alguns o descrevem como um monstro totalmente feito de gelo. Seu corpo é esquelético e deformado, sem os lábios ou dedos, partes que o frio se encarregou de arrancar-lhe. Por vezes possui galhadas no topo da cabeça, chifres recurvos como o dos grandes alces.".
Os Ojibwa acrescentam:
"Ele é uma criatura grande, tão alta quanto um pinheiro no coração da floresta. A boca não possui lábios e não conseguem esconder os dentes afiados como facas. Suas pegadas deixam um rastro sangrento, pois o sangue sempre o acompanha, onde quer que ele espreite. Se o monstro encontra um homem, uma mulher ou uma criança, ele os devorará. O Wendigo tem seu próprio território e não admite invasores. Morrer vítima do Wendigo não é tão ruim, pois aquele que morre pelas suas garras ou presas descansa. O pior acontece quando o Wendigo escolhe uma pessoa para possuir, e esta se torna, ela própria, um Wendigo. Ela então passa a viver apenas para a caça, e para devorar a carne de seus semelhantes".
De acordo com as lendas, um Wendigo é criado sempre que um homem recorre conscientemente ao canibalismo para sobreviver. Trata-se de uma maldição, uma punição que se manifesta quando um dos maiores tabus das tribos - o consumo de carne humana, é quebrado. No passado, essa horrenda transgressão ocorria mais frequentemente, pois nativos acabavam perdidos na imensidão gelada, com neve para todo lado e nenhum sustento. Levados ao desespero extremo, eles acabavam cedendo e terminavam saciando sua fome com a carne de outras pessoas. Quando um homem nessas florestas místicas recorre a tal atrocidade, os espíritos malignos que habitam o local são atraídos e tendem a entrar em seu corpo. Aos poucos ele vai se transformando em uma besta atroz - o Wendigo.
Há outras versões da lenda que citam homens que são especialmente gananciosos, gulosos ou que cedem aos excessos para se satisfazer plenamente, sonegando todo o resto. São indivíduos que matam seus companheiros para ter lucro, que consomem porções extras de suprimentos mesmo sabendo que isso irá impactar nos demais, ou indivíduos que submetem ou forçam outros aos seus caprichos. Aqueles que cometem atos perversos, tortura ou assassinato, também tendem a atrair os espíritos malignos e se tornam propensos a serem possuídos por eles. Fica claro que o mito age como um alerta para que certas condutas e comportamentos sejam evitados. Cooperação e moderação são virtudes que praticamente todas as tribos do norte gelado estimulam.
Há outras versões da lenda que citam homens que são especialmente gananciosos, gulosos ou que cedem aos excessos para se satisfazer plenamente, sonegando todo o resto. São indivíduos que matam seus companheiros para ter lucro, que consomem porções extras de suprimentos mesmo sabendo que isso irá impactar nos demais, ou indivíduos que submetem ou forçam outros aos seus caprichos. Aqueles que cometem atos perversos, tortura ou assassinato, também tendem a atrair os espíritos malignos e se tornam propensos a serem possuídos por eles. Fica claro que o mito age como um alerta para que certas condutas e comportamentos sejam evitados. Cooperação e moderação são virtudes que praticamente todas as tribos do norte gelado estimulam.
A transformação é descrita como algo tenebroso. A primeira mudança, no entanto, ocorre na mente do indivíduo. Este perde o controle e a capacidade de refrear os seus instintos animalescos. Uma lenda especialmente perturbadora entre os Cree, descreve um homem faminto que em desespero assassina seu irmão e depois corta um naco de carne para dele se alimentar. O ato acaba convidando os espíritos da floresta a possuir seu corpo e quando eles o fazem, o sujeito perde o controle. Ele afunda seus dentes na carne do irmão, a rasga vorazmente, mordendo pedaços inteiros e engolindo com um prazer medonho. Em outro exemplo, um caçador mata seu companheiro para ficar com valiosas peles que foram coletadas na floresta ao longo de meses. O ato de traição atrai os espíritos e condena sua existência para sempre. Sob influência dos espíritos malignos ele arranca a pele de seu antigo companheiro, como se ele fosse um dos animais que ambos caçavam até recentemente.
Há um momento único de sanidade que se segue à loucura que acomete o indivíduo tomado pelos espíritos. Após um período de selvageria e sanguinolência, o indivíduo acorda na manhã seguinte capaz de entender o que se passou. Esse é o momento em que ele pode encontrar a redenção, optando por romper a maldição que dele se apossou. Para tanto, ele precisa tirar a sua própria vida. Se o indivíduo amaldiçoado não aproveitar essa oportunidade para se redimir, ele estará condenado para sempre e quando o sol se puser será uma vez mais tomado pelos espíritos, dessa vez para sempre.
Curiosamente a lenda se refere a qualquer pessoa como um candidato a se tornar um Wendigo. Não há impedimentos raciais para que uma pessoa venha a se transformar no monstro: nativos e colonos estavam sujeitos à maldição. Por ironia, após a chegada dos colonos brancos, os nativos acreditavam que o número de Wendigos em seu território havia aumentado, sem dúvida em função da presença de forasteiros que não compreendiam os mistérios daquelas terras.
As lendas que falam do Wendigo o descrevem minuciosamente. Ele é tratado como um espírito de grande altura, com mais de três metros, mas podendo ser ainda maior, grande como um pinheiro. O corpo parece estranhamente emaciado, como se tivesse de alguma forma secado e então esticado. Os membros se tornam muito longos e finos, com braços e pernas compridas que dão a ele uma aparência esquelética. A pele vai se tornando pálida, bem como os cabelos que ficam brancos e continuam crescendo em fios longos e lisos. Em muitas representações ele surge com uma grande galhada na cabeça ou uma máscara de crânio de alce, que realça seu aspecto selvagem. Os olhos passam a emitir um brilho avermelhado que pode ser visto na escuridão, como se fossem duas pedras incandescentes. As presas vão se alongando e aparecem entre os lábios rachados que também vão rescindindo até desaparecer por completo. A aparência é absolutamente animalesca!
Ainda assim, a fera é dotada de uma afiada inteligência que trai a sua aparência bestial. O monstro domina inúmeras habilidades que lhe permitem se esconder, caçar e conhecer perfeitamente os limites de seu território. O Wendigo é um predador no sentido mais completo da palavra, ele vive para caçar e se delicia com o prazer da chacina e com o frenesi da matança. O cheiro de sangue fresco o atiça a ponto de torná-lo incontrolável. Segundo as lendas, apesar de grande, o Wendigo é capaz de se esgueirar sem fazer um som sequer, agarrar suas presas e levando-as consigo, sem ser percebido. Por vezes, ele se propõe a fazer esse jogo, mas em outras ocasiões se contenta em simplesmente atacar sem aviso, matando todos invasores que tiveram o azar de entrar em seu território em um verdadeiro banho de sangue.
Algumas tribos acreditam que os Wendigo são capazes de controlar o clima, causar nevascas repentinas e usar magia negra à seu favor. Eles são retratados como seres desprezíveis que acabaram aceitando a maldição causada pelos espíritos e que de alguma forma extraem dessa vil existência prazer. Os Wendigo, entretanto, jamais estão satisfeitos e sua existência é marcada por uma busca perpétua por saciar suas vontades, sejam elas fome, fúria ou ganância.
Não há cura para a maldição do Wendigo, a condenação é pela eternidade já que os espíritos são imortais. Um indivíduo possuído está condenado a vagar para sempre pela terra tentando preencher seus apetites vorazes.
A lenda emprestou seu nome ao termo médico Psicose do Wendigo, que é considerado por alguns psiquiatras como uma perturbação mental ocasionada pelo isolamento e que frequentemente gera a necessidade de se tornar um canibal. Ironicamente essa estranha psicose é bastante comum nos povos que residem nos arredores dos Grandes Lagos no Canadá e nos Estados Unidos, justamente onde a lenda do Wendigo surgiu. A Psicose de Wendigo tende a se desenvolver no inverno em indivíduos isolados por longos períodos e sob determinadas condições de restrição. Os sintomas iniciais são falta de apetite, náusea e comportamento anti-social. Subsequentemente, o indivíduo passa a experimentar alucinações e acredita estar se transformando em algo não humano, geralmente algo animalesco e primitivo. Pessoas com essa psicose tendem a desenvolver desejos por consumir carne crua, por vezes, carne humana. Ao mesmo tempo eles se tornam paranoicos, acreditando que outros estão tentando devorá-los.
Há casos de Psicose de Wendigo em que as vítimas apresentam mudanças físicas, assumindo uma expressão inegavelmente animalesca. Há casos documentados com uma inquietante riqueza de detalhes que se encaixam perfeitamente na maldição descrita pelas tribos do norte. Há casos de psicose do Wendigo relatados há séculos. Em 1661, um missionário jesuíta descreveu o seguinte caso ocorrido nos arredores da Província de Manitoba:
"O que nos causou grande preocupação enquanto estávamos entre os povos nativos foi tomar conhecimento de suas estranhas superstições. Uma delas se referia a homens transformados em monstros pelo ato de canibalizar seus semelhantes. Nas Nações do Mar do Norte, ouvimos tais histórias de chefes respeitados. Soubemos que um homem havia sido capturado e estava esperando para ser executado pela tribo. O pobre diabo era acusado de ter matado e devorado um vizinho no auge do inverno, quando ele não tinha de onde obter sustento. Segundo os chefes, esse homem estava amaldiçoado e se fosse posto em liberdade se tornaria um monstro selvagem determinado a matar e comer outras pessoas. Acreditavam que essa doença não tinha cura e que a única maneira de evitar mais infortúnios era matá-lo antes que sua fome se tornasse incontrolável. Quando retornamos de nossa viagem pelo interior e passamos novamente pela mesma tribo soubemos que o homem havia sido executado conforme planejado e que a tribo estava aliviada. Para eles, haver um canibal entre os seus era a suprema transgressão. Mata-lo seria a única maneira de restaurar a normalidade da tribo".
"O que nos causou grande preocupação enquanto estávamos entre os povos nativos foi tomar conhecimento de suas estranhas superstições. Uma delas se referia a homens transformados em monstros pelo ato de canibalizar seus semelhantes. Nas Nações do Mar do Norte, ouvimos tais histórias de chefes respeitados. Soubemos que um homem havia sido capturado e estava esperando para ser executado pela tribo. O pobre diabo era acusado de ter matado e devorado um vizinho no auge do inverno, quando ele não tinha de onde obter sustento. Segundo os chefes, esse homem estava amaldiçoado e se fosse posto em liberdade se tornaria um monstro selvagem determinado a matar e comer outras pessoas. Acreditavam que essa doença não tinha cura e que a única maneira de evitar mais infortúnios era matá-lo antes que sua fome se tornasse incontrolável. Quando retornamos de nossa viagem pelo interior e passamos novamente pela mesma tribo soubemos que o homem havia sido executado conforme planejado e que a tribo estava aliviada. Para eles, haver um canibal entre os seus era a suprema transgressão. Mata-lo seria a única maneira de restaurar a normalidade da tribo".
Outro caso amplamente documentado ocorreu em 1878 quando um caçador Cree de Alberta chamado Swift Runner, sofreu de um caso de loucura crônica. Runner costumava fazer comércio com a Companhia Hudson Bay que atuava na região empregando nativos e comprando deles peles de animais selvagens. O homem era casado, tinha seis filhos e era respeitado tanto pelo seu povo quanto pelos homens com quem negociava. Ele chegou a servir como guia para a Polícia Montada Canadense em missões oficiais em Alberta e foi condecorado pelos serviços prestados.
Durante o inverno de 1878-1879, Swift Runner e sua família acabaram ficando isolados em sua propriedade. Seu filho mais velho foi o primeiro a morrer de fome e em algum momento do confinamento na casa, Swift Runner teve um episódio de Psicose do Wendigo. Ele matou os demais membros de sua família a facadas e porretadas, consumiu a carne de cada um e esperou por quase dois meses. Quando o socorre enfim chegou no final do inverno, os Policiais canadenses encontraram uma cena aterrorizante. Havia cadáveres semi-devorados em toda cabana. Swift Runner então apareceu: estava nu, coberto de sangue e rosnava feito um animal selvagem. Com muito custo, os policiais conseguiram detê-lo. Eventualmente ele confessou seus crimes hediondos e foi executado no Forte Saskatchewan.
Um Wendigo alegadamente também apareceu em uma pequena cidade chamada Rosesu no norte de Minnesota no final do século XIX. Ele deixou um rastro de cadáveres que aterrorizaram as autoridades locais, até desaparecer tão misteriosamente quanto havia surgido.
Outro caso bastante famoso sobre Psicose do Wendigo envolve um sujeito chamado Jack Fiddler, um chefe tribal e curandeiro da tribo Oji-Cree conhecido por ter no passado enfrentado ele próprio um Wendigo. Fiddler afirmava ter matado a criatura em uma caçada. Ele dizia que era constantemente perseguido por outros Wendigo que desejavam extrair dele vingança.
Em 1907, Fiddler e seu irmão Joseph foram presos pelas autoridades canadenses sob acusação de terem cometido um horrível assassinato. A vítima havia sido desmembrada e partes de seu corpo desapareceram, supostamente tendo sido atirados em um rio. Jack cometeu suicídio na cadeia. Antes de se enforcar, deixou uma longa carta na qual relatava as circunstâncias em que havia matado o homem e reconhecia sua culpa. Ele afirmava ter se tornado um Wendigo após ter matado um capataz para ficar com a esposa deste. Ele acabou sendo amaldiçoado, tornando-se um Wendigo e sob a loucura da besta havia junto com o irmão matado um inocente e devorado partes de seu corpo. Envergonhado e temeroso, ele decidiu por fim a sua existência.
Joseph foi julgado pelo crime e condenado a prisão perpétua. Ele recebeu um perdão oficial quase 15 anos mais tarde e foi enviado para uma Instituição Psiquiátrica. Lá, ele acabou matando um outro interno (a mordidas) e acabou retornando para a Cadeia comum. Há rumores de que ele teria escapado ou então que os outros presos o teriam assassinado em uma emboscada, ninguém jamais soube ao certo.
Entre os Assiniboine, os Cree e os Ojibwe, existe uma cerimonia que é encenada durante tempos de escassez e fome. Esse ritual existe para fortalecer os laços de amizade e companheirismo entre os membros da tribo através do qual os alimentos são partilhados para que ninguém passe por necessidades. O objetivo segundo antropólogos é evitar que um Wendigo possa surgir na comunidade em face do desespero causado pela fome.
Atualmente, casos de Psicose de Wendigo são bastante raros e muitos psiquiatras acreditam que a condição foi erradicada. Entretanto, o mito do Wendigo continua bastante disseminado entre as populações nativas que habitam o Norte do Canadá e a fronteira do Alasca. Há pessoas que acreditam que os Wendigo e os espíritos malignos responsáveis por criá-los continuam espreitando na floresta, atentos para tabus sendo quebrados.
Assustador. Sorte que em terras BRs os invernos não são tão rigorosos.
ResponderExcluirMuito bom, já favoritei o blog
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