quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Drácula - A História real de Vlad III, o Empalador


Lenda e Ficção se misturaram para construir o Mito de Drácula, um ser sobrenatural com sede de sangue, o mais conhecido dos Vampiros. Mas antes dele, existiu o Drácula real: o Príncipe Voivode da Valáquia, o Guerreiro implacável, o Político Cruel e acima de tudo, o homem. Mas quem foi esse sujeito? O que ele fez? E quais foram as grandes façanhas que garantiram sua aparente imortalidade?

No caso de Drácula, há muitas histórias que carecem de confirmação e lendas que parecem absurdas ou exageradas além da conta. Teria sido o homem um genocida sanguinário dedicado a torturar e matar? Ou a história se esforçou em transformar um simples governante em um monstro que parece ser a personificação do próprio demônio? Quem pode saber ao certo?

Há, no entanto, fatos que não podem ser desconsiderados, sobretudo no que diz respeito ao caráter e perversidade dessa figura histórica. Trata-se de uma história de morte e sangue. 

Vlad III, chamado de Drácula (o Pequeno Dragão), provinha de uma Dinastia Principesca de Besarab, família fundadora do Estado da Valáquia. Nascido durante o exílio de seu pai, Vlad II na Transilvânia - região que então pertencia a Hungria, ele passou sua infância na Valáquia, onde o pai reinou intermitentemente entre 1436 e 1447. 

Sua época foi marcada por extrema violência e brutalidade entre opositores religiosos que seguiam o Cristianismo e o Islã. Guerras eram comuns e cidades eram frequentemente pilhadas ou incendiadas por soldados que lutavam tanto sob o estandarte da cruz quanto da crescente. O jovem Drácula testemunhou uma quantidade significativa de assassinatos políticos e massacres, que o deixaram calejado a respeito das vicissitudes da guerra.


Ainda criança, Vlad foi envolvido em um acordo político. Ele foi enviado pelo próprio pai para servir de refém na Corte do Sultão Murad II, onde permaneceu por quatro anos e onde desenvolveu um ódio mortal pelos costumes dos povos islâmicos. Com a morte do pai, foi libertado e ocupou por um curto período de tempo o Trono da Valáquia, sendo obrigado a abdicar após ameaças de opositores. 

Nos anos seguintes, o jovem Vlad III, então com 18 anos, se exilou, experimentando uma existência inconstante, viajando entre os reinos da Hungria e Moldávia, refinando suas habilidades como político e guerreiro, treinando e aprendendo os ofícios da batalha. Finalmente, aos 25 anos, conseguiu recuperar o trono após arquitetar um golpe de estado.

Vlad havia passado mais da metade de sua vida no exílio ou como refém de inimigos que detestava, mas que não obstante lhe ensinaram muito sobre liderança. A experiência o convenceu que a melhor maneira de governar a Valáquia seria adotar alguns princípios de seus odiados inimigos os Otomanos. Ao invés de favorecer uma aristocracia local, ele deu poder a grupos de seguidores fiéis, exilando nobres que poderiam questionar sua posição. Aqueles que se negaram a jurar a ele fidelidade, acabaram sendo banidos, tiveram suas terras confiscadas ou pior, acabaram executados. Vlad pouco se importava em agradar seus súditos, os boiardos, que mantinha sob controle com mão de ferro. O menor sinal de traição era suficiente para que ele realizasse um expurgo, executando qualquer suspeito.

Embora governasse a Valáquia, ele próprio estava sujeito ao poderoso Rei da Hungria, a quem devia tributos e obediência. A Valáquia era uma região estratégica, ocupando a fronteira entre o Leste Europeu e o Império Turco, de suma importância para a manutenção do comércio em toda a região. Vlad se reuniu com o Rei da Hungria e firmou com ele um acordo no qual permitia o acesso de soldados e comerciantes da Transilvânia, proibindo o acesso de mercadores otomanos. É claro, isso enfureceu os turcos e fez com que um embaixador enviasse um ultimato exigindo que as fronteiras fossem abertas imediatamente. Se a Valáquia não abrisse o acesso aos Cárpatos, o Exército do Sultão invadiria a região.

A ameaça era bem clara, os Turcos mantinham numerosas tropas além da fronteira e esperavam apenas um pretexto para anexar a Valáquia e assim garantir sua entrada pelo Leste Europeu. Vlad enviou cartas para seus aliados pedindo que reunissem o quanto antes tropas para fortalecer a fronteira e conter os turcos que já estavam se mobilizando. Mas nada foi feito!


Vlad foi obrigado a aceitar à contra gosto o ultimato e abriu as fronteiras para seus odiados inimigos. Estes passaram a cobrar pesados tributos para não invadir a Valáquia e exigiam que ele impusesse muitas leis otomanas. Vlad detestava tudo aquilo, mas sabia que era suicídio se rebelar contra os poderosos otomanos. A situação se manteve por dois anos, quando uma sangrenta Guerra Civil irrompeu entre Hungria e Transilvânia e Dracula se viu em uma posição vantajosa para oferecer sua aliança a qualquer lado.

Pendendo para o lado da Transilvânia que demandava independência, Vlad viu os Húngaros firmarem um acordo com os Otomanos para que estes viessem em seu socorro, enviando tropas que abafassem a rebelião. Dracula antecipou uma oportunidade de se levantar contra seus inimigos. Em 1458 ele permitiu que um exército otomano entrasse na Valáquia a caminho da Hungria, mas então, de surpresa, ordenou um ataque implacável que resultou em um verdadeiro massacre. Os turcos sem esperar essa traição foram varridos e pouquíssimos conseguiram escapar.

Foi o início de um árduo período de lutas entre a Valáquia e o Império Otomano, que estava determinado a atravessar o território para ajudar os Húngaros. A pequena Valáquia, no entanto, se mostrou um terreno difícil de contornar. Recorrendo a ataques rápidos e táticas de guerrilha, os homens do Príncipe atacavam e fugiam, causando enormes danos aos otomanos. Eles também visavam os Comandantes e Oficiais turcos, transformados em alvos prioritários que acabavam assassinados por agentes do Príncipe enviados especificamente para essas missões. Logo, os Otomanos começaram a temer a região, ocupada por homens selvagens liderados por um Príncipe cuja ferocidade em batalha parecia inigualável.

Não demorou para que os otomanos abandonassem seus aliados húngaros à própria sorte. A rebelião da Transilvânia terminou com a independência e surgimento de um novo reino. Mas nenhum reino saiu tão fortalecido da situação quanto a pequena Valáquia de Vlad Dracula, que havia conquistado a fama de inconquistável.


A nível interno, Vlad se esforçou para moralizar sua sociedade e castigar todos aqueles que o desagradavam: mendigos, monges católicos, ciganos e criminosos eram as principais vítimas. Nos dias mais sangrentos da guerra civil contra os otomanos, Vlad havia aprendido uma técnica sinistra de execução pública, o Empalamento. O princípio era levar terror ao coração de qualquer pessoa que ousasse desagradar o Príncipe. Ele pretendia extirpar todos elementos indesejáveis ou afastá-los através do terror. Seus homens vagavam pelas cidades conduzindo carroças com estacas de madeira usadas nas horríveis execuções e quando eles se aproximavam de um povoado, isso era o bastante para as pessoas fugirem em desespero.

Não existe uma estimativa de quantas pessoas o governo de Vlad III executou dessa maneira medonha, mas historiadores acreditam que algo entre 4% e 7% tenham sido mortos em seus expurgos. Considerando a palavra dos cronistas do período, é possível assumir que as mortes aconteciam regularmente e atingiam todas as classes sociais, grupos étnicos e religiosos. Dracula não parecia interessado em atacar um grupo em especial, mas todos que o desagradassem.

Há relatos de que ele teria ordenado o empalamento de uma família de ciganos, apenas por encontrá-los em terras que usava para caçar. Nessa ocasião, teria ordenado enfurecido a morte de homens, mulheres, velhos e até mesmo crianças. Em outra narrativa ele teria comandado seus homens a cortar as mãos e os pés de um indivíduo acusado de roubo. Uma outra narrativa conta que ele ordenou que um povoado inteiro fosse incendiado e mais de 20 pessoas foram enterradas vivas em uma cova que elas próprias foram obrigadas a cavar.

O Príncipe era irascível, cruel, perverso e parecia saborear atos de absoluto sadismo. Dizem que mantinha um séquito de torturadores que viajavam ao seu lado, assim como uma entourage de colegas soldados que, assim como ele, se deliciavam com a dor e sofrimento alheio. Há relatos de que o Príncipe e seus amigos mais próximos se divertiam lançando bebês para serem dilacerados por cães ferozes. Também aperfeiçoaram um método de tortura otomano que lhes permitia costurar pessoas ainda vivas, usando corda grossas e agulhas em brasa. Tal tortura era muito popular para punir mães e filhos.


Mas apesar de atacar muitos grupos, foram os Boiardos, os aristocratas da Valáquia, aqueles que se converteram nos maiores desafetos do Príncipe. Os Boiardos ainda tinham ambições políticas e desejavam fazer valer antigas leis que lhes seriam vantajosas. Aos olhos de Dracula estes nobres eram agitadores que conspiravam às suas costas e que precisavam ser removidos.

A oportunidade de lidar com essa classe surgiu na Páscoa de 1458, quando Dracula convidou os líderes das principais famílias de Boiardos para um Grande Banquete em seu Palácio em Tergoviste. Pouco antes ele espalhou o boato que apoiaria a criação de novos títulos nobres que seriam distribuídos aos boiardos mais próximos. Mas nada disso era verdade!

No jantar, muitos nobres foram envenenados e outros tantos executados friamente por assassinos que se faziam passar por servos do banquete. Uma fonte histórica afirma que mais de 200 homens e mulheres teriam sido mortos nessa ocasião, todos nobres membros da oligarquia local. Aqueles que conseguiram escapar de seu expurgo foram perseguidos e empalados. Dracula ameaçou todos que fugiram, dizendo que eles teriam o sangue de seus filhos e netos nas mãos, pois todos que se escondiam teriam os familiares executados com o empalamento. Alguns se entregaram para evitar mais derramamento de sangue, outros fugiram mesmo assim.

Apesar de todos os massacres, os opositores de Dracula continuaram agindo, em especial os exilados que haviam escapado para as Terras da Hungria e o Reino da Transilvânia. Um pretendente ao trono chamado Vladislav Dan ousou propor que o Príncipe fosse deposto por rebeldes. Nos meses seguintes, assassinos foram enviados para capturá-lo na Hungria e levá-lo até Tergoviste. Dan foi capturado com vida e conduzido até a Valáquia. Lá, Dracula o forçou a assistir um ritual funerário dedicado a ele mesmo e uma cerimônia na qual o homem foi excomungado e destituído de seus títulos. Em seguida Dan foi decapitado e esquartejado, tendo pedaços de seu corpo enviados para amigos e parentes que viviam em outros Reinos.

Em janeiro de 1462 o Sultão Mehmed II decidiu que a presença de Vlad III era inconveniente e que era necessário colocar um fim aos seus desmandos. Dracula acabou sabendo dos planos do Sultão graças a informantes e espiões na corte otomana. Para desafiar o Sultão, ele ordenou a captura de um pasha que fazia parte da família do Sultão. O homem foi sequestrado durante uma viagem e levado até a Valáquia. Dracula ordenou que todo o séquito e o pasha fossem empalados em um jardim interno do castelo, onde segundo fontes o Príncipe costumava passear e sentar-se para comer à sombra de cadáveres empalados que apodreciam.


A vingança de Dracula não parou aí. Em pleno inverno, ele cruzou o Danúbio congelado e invadiu a Província de Chilia, controlada pelos otomanos. Devastaram tudo que encontrava em seu caminho, avançando por mais de 800 quilômetros no território que atualmente pertence à Bulgária. Os homens não perdoaram nenhuma cidade ou vilarejo, queimaram, mataram e destruíram tudo que acharam, chegando a salgar plantações e envenenar alimentos para que nada restasse. Dracula mandou seus homens contabilizarem todas as vítimas feitas e anunciou orgulhoso ao fim da campanha que havia matado 23 883 pessoas, um verdadeiro genocídio para a época. Os otomanos jamais haviam sofrido tamanha perda humana.

Em julho de 1462, Mehmed II cumpriu suas ameaças e se apresentou pessoalmente diante de um poderoso exército com a intenção de atacar a Valáquia. Dracula ainda conseguiu realizar ataques de guerrilha e incursões noturnas contra os acampamentos do sultão. Mas Dracula foi deposto e seu irmão mais novo colocado em seu lugar. O Principe conseguiu escapar dos seus perseguidores e se exilou na Hungria, tentando se juntar à Cruzada para ganhar perdão. Mas acabou sendo trancafiado em uma Torre em Visegrado, a antiga capital do reino da Hungria. Lá ele passou muitos anos em cativeiro, proibido de ver qualquer pessoa. 

O Principe, no entanto, conseguiria um perdão real em 1475 e logo a seguir foi agraciado com um posto de comando no Exército Húngaro para tomar parte em uma Campanha Militar contra os Otomanos - na qual cometeria horríveis atrocidades. Graças a essa campanha ele conseguiu invadir a Valáquia e reconquistar o Trono em 1476.

Mas seu triunfo foi transitório: apenas um mês mais tarde, ele foi assassinado após uma escaramuça contra os turcos. Vlad teria sido apunhalado pelas costas por um serviçal que vingava a morte de sua família nas mãos do Principe. Os cabelos de Dracula foram raspados e a pele de sua cabeça esfolada para que fosse levada até o Sultão como prova da sua morte. O troféu foi exposto diante do Palácio em Constantinopla por meses.

Seguindo a tradição local, o corpo de Dracula foi enterrado em uma igreja do Convento de Snagov, em uma Ilha ao Norte de Bucareste. Lá esperava-se que ele obtivesse perdão pelos seus pecados e expiação pelos seus desmandos. No ano de 1935 a tumba de Vlad III foi descoberta e os restos de um cadáver foram exumados de seu interior, mas àquela altura, ele havia se deteriorado de tal maneira que acabou virando poeira diante dos olhos dos Arqueólogos.


Após a sua morte, os filhos de Dracula dividiram o Reino da Valáquia. Mircea el Radu (o Maligno) reinou durante dois anos, entre 1508 e 1510, deixando um rastro de deplorável maldade e libertinagem. 

A memória de Vlad Dracula foi preservada na forma de um livreto publicado na Alemanha apenas dois anos depois de sua morte, na qual as suas atrocidades eram descritas em detalhes. Nesse documento ele era comparado a Herodes, Nero e Diocleciano, tiranos que perseguiram inocentes. Impresso em 14 edições nas principais cidades da Alemanha, o folheto circulou por toda Europa e garantiu a ele certa celebridade. Em 1498, na Rússia, o Czar traduziu a história para o idioma eslavo que ajudou a difundir as façanhas de Dracula em todo o Leste Europeu. 

Desde então o nome Dracula se tornou parte do inconsciente coletivo como símbolo de tirania e crueldade. Entretanto seus feitos foram se apagando da memória, a não nos Cárpatos onde ele continuou notório. No século XIX, um diplomata britânico que viajava por Bucareste tomou conhecimento da história do Príncipe da Valáquia e decidiu transcreve-la em um livro de memórias sobre a história dos lugares que visitou na sua carreira. Em 1896, quando passava férias no mar, o irlandês Bram Stoker encontrou um exemplar desse livro e o utilizou como inspiração para criar o personagem principal de sua novela Dracula, um Vampiro com sonhos de poder e conquista, mesmo depois de morto.

Nascia ali o Mito de Dracula que até hoje permanece vivo.

Um comentário:

  1. artigo e indivíduo de peso, de formas diferentes é claro, o artigo é simplesmente bem escrito(embora contenha um erro menor), e o indivíduo é simplesmente um monstro, um monstro fascinante, mas um monstro mesmo assim.

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