Com essas palavras, o célebre Conde Drácula tem dado as boas vindas a leitores e fãs em seus domínios no decrépito Castelo Dracula, na Transilvânia por mais de 100 anos. E ele não parece ter envelhecido um único dia desde então.
É difícil dimensionar o tamanho da importância e influência que Dracula teve, continua tendo e provavelmente ainda terá por muito tempo. Drácula não é tido apenas como um clássico imortal da literatura, ele é uma espécie de marco. Com sua obra, que críticos na época de seu lançamento consideraram pretensiosa, Bran Stoker redefiniu o gênero gótico, reacendeu o fascínio pelo bizarro e incendiou nossa imaginação, povoando-a com a imagem de criaturas da noite.
O Conde Dracula não foi o primeiro vampiro na literatura (como muitos pensam), mas ele é facilmente o mais importante. O Conde voou das páginas do romance e aterrizou no imaginário popular. Os vampiros de hoje, que estão presentes em todo canto, da literatura ao cinema, do teatro aos games, de séries de TV a desenhos animados, devem a ele sua existência. Não fosse por ele, provável que os vampiros não passassem de uma lenda menor varrida para baixo do tapete da história. Uma nota de rodapé...
Bran Stoker, esse irlandês do século XIX, deu a eles longevidade e capturou nosso interesse de tal maneira que as criaturas se converteram em um ícone. E tudo se iniciou com esse livro publicado em 1897.
Vou ser sincero, eu estava um bocado reticente em começar a ler Dracula. Claro que eu já conhecia a história, assim como todos que não vivem em uma caverna devem conhecer. Assim como a maioria, eu já assisti filmes, li ensaios, resenhas e tudo mais a respeito do personagem e sua história, mas nunca tinha lido o romance na íntegra. Eu estava ao mesmo tempo curioso e temeroso de fazer isso. E se por acaso eu não viesse a gostar do estilo ou da narrativa? E se a história não for tudo aquilo que dizem? E se ele tiver envelhecido mal? E se...
Em face de todas essas dúvidas eu sempre adiei a leitura desse clássico. Mas quando recentemente a Darkside Books anunciou que seu próximo lançamento da Coleção Grandes Clássicos seria justamente Dracula, eu coloquei na cabeça que o momento havia chegado. E quando comecei a ler, devorei o livro sem parar! Ele é tudo o que dizem e muito mais!
É incrível que mais de século depois de ter sido lançado, Dracula ainda resplandece com frescor, tal qual um filete de sangue escorrendo por um pescoço. O romance é marcante, é insinuante, é poderoso. Sua longevidade se deve a fatores que vão muito além de ser uma boa história, narrada de forma empolgante, capaz de bagunçar os sentidos.
A estrutura do livro é a primeira coisa que chama a atenção, a história é relatada através de anotações de diário, cartas escritas pelos personagens, artigos de jornal e relatórios médicos. Ele começa com as anotações de um jovem e promissor advogado, Jonathan Harker que viaja para as isoladas Montanhas dos Carpathos da Transilvânia a pedido do misterioso Conde Dracula. O nobre tem interesse em adquirir uma propriedade em Londres e se mudar para a civilização onde poderá desfrutar das maravilhas da idade moderna. É claro, Harker não imagina quem (ou o que) o espera e mesmo sabendo que seu predecessor, Rensfield, sofreu um colapso após um encontro com Dracula, ele acredita que o conde não passa de um velho excêntrico. Esse início prepara o leitor para o que está por vir, transferindo Dracula de seu mundo estagnado para uma Londres majestosa e ansiosa pelo novo século.
É interessante conhecer a concepção do vampiro idealizado por Bran Stoker. A cultura pop tratou de contextualizar a figura do vampiro, e de Dracula em especial, como um personagem trágico e romântico. Mesmo o filme de 1992, Dracula de Bran Stoker investe em um conde cego pela paixão e saudoso da vida que lhe foi arrancada. O Dracula que conhecemos no livro está muito distante de ser um herói romântico, ele está mais para um monstro no pior sentido da palavra. Suas ações são guiadas pela sede de sangue e pela lascívia de tomar aquilo que deseja.
É interessante conhecer a concepção do vampiro idealizado por Bran Stoker. A cultura pop tratou de contextualizar a figura do vampiro, e de Dracula em especial, como um personagem trágico e romântico. Mesmo o filme de 1992, Dracula de Bran Stoker investe em um conde cego pela paixão e saudoso da vida que lhe foi arrancada. O Dracula que conhecemos no livro está muito distante de ser um herói romântico, ele está mais para um monstro no pior sentido da palavra. Suas ações são guiadas pela sede de sangue e pela lascívia de tomar aquilo que deseja.
Um elemento interessante na trama é que Dracula aparece bem pouco na história. Ainda assim, ele é o foco de todos acontecimentos, servindo como uma presença onipresente de medo e puro mal que permeia toda história. Ainda que seu nome esteja no título, o infame conde faz poucas aparições e lentamente ele se torna uma espécie de sombra. Dracula é um mistério a ser resolvido, terrível, insondável e assustador. Ele se converte no alvo de um grupo de heróis que buscam frustrar seus planos. Ainda que apareça relativamente pouco, a presença magnética de Dracula continua pautando todas as ações e impulsionando os acontecimentos da trama muito bem amarrada.
Com Dracula devidamente instalado em Londres, nas Terras da Abadia de Carfax, vítimas começam a se multiplicar, entre as quais a jovem Lucy Westenra, melhor amiga da noiva de Harker que miraculosamente consegue escapar dos horrores do Castelo onde o Conde o abandonou. O retorno de Harker mobiliza um grupo de distintos pilares da sociedade britânica a se erguer contra a ameaça e escorraça-lo de seu meio.
Há momentos de terror realmente inesquecíveis nas páginas de Drácula e é fácil compreender porque esse romance chocou a sensibilidade dos leitores victorianos. Em cada parágrafo há uma aura de estranheza, um sentimento de grave ameaça e urgência, ainda que o sangue e a contagem de corpos seja relativamente baixa. Um dos meus momentos favoritos envolve a trágica viagem de Dracula de mudança para Londres. Durante a jornada, membros da tripulação e passageiros começam a desaparecer e é possível sentir o medo crescente e desespero de quem está à bordo nas anotações do capitão. Outro momento de gelar o sangue é a interação entre Reinsfield e o psiquiatra, Dr. Seward que tenta compreender o que se passou com o sujeito que parece compelido a se alimentar de pequenas formas de vida para saciar uma sede insaciável. Os coadjuvantes da história aliás são outro ponto alto do romance: o Dr. Abraham Van Helsing, distinto cientista e conhecedor de vampiros se destaca como o arqui-nêmesis do Conde, talvez tão excêntrico quanto o próprio, empregando métodos perturbadores para derrotar o morto vivo, métodos estes que seriam incorporados a mitologia dos vampiros e que evidencia a pesquisa do autor ao escrever sua obra.
É preciso ter em mente, entretanto, que Dracula é um produto de sua época e que possui todo arcabouço da tradição literária romântica com donzelas em perigo, discursos passionais sobre amor eterno, cavalheirismo desmedido e outros elementos típicos que rescendem à final do século XIX. Mas a despeito disso, a prosa se mantém atraente e o leitor logo se vê imerso na narrativa, sem conseguir abandonar suas páginas. É bem possível que, com Dracula, eu tenha quebrado o meu record de leitura ininterrupta de um livro, pegando ele, sem conseguir largar por horas e horas.
As intrépidas aventuras dos caçadores de vampiros e sua perseguição ao Conde que foge rumo ao oriente, cada vez mais longe da civilização, mergulhando em uma Europa cada vez mais misteriosa e selvagem, é empolgante. Não é à toa que o personagem título acabou se tornando um dos maiores vilões de todos os tempos.
Não vou esconder que uma das coisas que mais me motivaram a ler Dracula foi ele ser publicado pela Editora Darkside. Pode parecer repetição, já que frequentemente faço a resenha de livros lançados por essa editora e constantemente elogio seu trabalho primoroso, mas acredito que é preciso aplaudir todo o cuidado e dedicação deles. A edição de Drácula é simplesmente maravilhosa!
A Darkside lançou o livro em duas versões luxuosas, permitindo aos leitores escolher aquela que mais o agrada. A primeira é um com a capa preta imitando couro e tendo um morcego vampiro em destaque, a segunda remete a primeira edição original, lançada na Inglaterra, com a capa amarela. A margem das páginas também se diferem, na primeira com a cor dourada e na segunda em vermelho. Ambas são incríveis e na dúvida, acabei cedendo aos meus delírios consumidores e adquiri as duas, que ficam lindas lado a lado na estante. Se eu tivesse de optar por uma delas, diria que a Capa Original amarela me fez balançar, contudo, ambas são deslumbrantes.
Apesar da apresentação ser diferente, o material interno é rigorosamente o mesmo e mais uma vez atesta o respeito, carinho e comprometimento da editora em levar ao seu público um "algo mais" do que "apenas" o título que consta na capa. Essa edição de Dracula oferece uma rica coleção de detalhes e curiosidades sobre o romance com direito ao conto "O Hóspede do Vampiro" escrito pelo próprio Bran Stoker, resenhas, entrevistas e cartas, o posfácio "Decifrando Drácula", um artigo com o título "A Sombra do Vampiro", O Vampiro na Enciclopedia Britânica, uma galeria com fotos dos documentos originais e um ensaio assinado por Charles Baudelaire, "O Vampiro", a respeito dos mortos vivos. A edição extremamente caprichada conta ainda com belíssima arte em estilo gótico que divide os capítulos e seções do livro e concede a ele uma aparência de antiguidade que casa muito bem com seu tema.
Para os fãs, esse material é uma celebração estupenda a respeito de um romance imortal, ajudando a construir uma rica e envolvente tapeçaria de elementos valiosos, tanto para os que já conhecem à obra, quanto para os que a leem pela primeira vez. Tudo ali se completa perfeitamente e faz o coração bibliófilo pulsar mais forte.
Com tudo isso, eu não poderia indicar de forma mais entusiástica esse livro. Não é por acaso que Dracula se tornou um clássico e atestar a grandiosidade dessa obra prima, quanto mais nessa edição, foi fantástico.
Quero
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