Talvez não haja busca maior de artefato na historia da humanidade do que a do Santo Graal. Ele é uma fonte de mistério bíblico, devoção transcendental e o exemplo máximo do desejo de possuir uma parte significativa da história.
O Cálice Sagrado, esteve relacionado com Jesus Cristo em dois momentos de sua vida. O Graal seria o lendário copo no qual se acredita o Salvador teria bebido na Última Ceia com seus discípulos. Segundo a tradição, ele também teria sido usado por José de Arimateia para coletar o sangue de Cristo enquanto ele padecia na crucificação. O Graal portanto estaria ligado a dois momentos muito importantes da cristandade. Sua descoberta não apenas comprovaria a existência de Jesus, mas de dois momentos chave para todo devoto.
O Graal desapareceu na história e se tornou objeto mítico de busca, ambição, debate e pesquisa desde então. O Santo Graal é tão desejado e elusivo que o seu nome se converteu em sinônimo de descobertas inatingíveis ou impossíveis e, ao longo dos séculos, conseguiu confundir todos os que o procuraram.
É claro que surgiram muitos cálices e taças que foram apresentados e reivindicados como sendo o verdadeiro Graal ao longo dos séculos. Há um boato de que mais de uma centena de supostos Cálices Sagrados foram encontrados e estes ainda adornam igrejas, museus e coleções privadas ao redor do mundo, cada qual com sua própria história e suposições por parte de quem os encontrou e de quem neles acredita.
Contudo, talvez não haja nenhum candidato tão promissor ou tão misterioso a ser o verdadeiro Graal quanto um cálice de aparência humilde que foi trancado e mais de uma vez esquecido, apenas para ser achado novamente e se tornar alvo de acalorados debate sobre sua origem.
O cálice em si é bastante simples e não chamou tanta atenção quando foi encontrado originalmente. Ele parece uma simples tigela rasa de madeira, sem alças, sem decorações, e desgastada, lascada e fortemente danificada por séculos de idade. Seu estilo e o modelo de confecção conferem com o que se esperaria de um cálice usado na Galileia do século primeiro. No entanto, esta pequena taça de madeira gerou sua quota de mistério e possui uma longa e conturbada história.
Tudo começa com a missão do Rei Henrique VIII, no século XVI, de separar a Inglaterra da Igreja Católica e destituir o Papa da sua autoridade absoluta em questões de fé em seus domínios. Com isso em mente Henrique fez com que todos os funcionários eclesiásticos renunciassem à autoridade do Papa em 1536. Mais que isso, para garantir seu desejo ele perseguiu todos aqueles que se negavam a reconhecer sua reforma e que continuavam a obedecer ao Vaticano. Uma das medidas da reforma foi combater os focos de resistência e confiscar artefatos que eram considerados valiosos para os católicos. Em determinado momento, os reformistas aliados do Rei bateram na porta da Abadia de Glastonbury, que não havia renunciado ao Papa.
De alguma forma, o Abade soube de antemão por intermédio de informantes que os homens do Rei estavam à caminho e começou a esconder o máximo que pôde de seus tesouros, incluindo um simples cálice de madeira que estava em poder da abadia. Alguns acreditavam que aquela peça, trazida da Terra Santa durante as Cruzadas era o verdadeiro Santo Graal. Ela havia sido doada por um cavaleiro cujo nome havia se perdido e era parte do relicário da Abadia há séculos. Não há muitos detalhes sobre a origem da peça, mas ela sem dúvida era tratada como uma relíquia legítima.
O Abade e seis monges selecionados por ele decidiram fugir para a Abadia de Strata Florida, em Cardiganshire, no País de Gales. O cálice e alguns outros tesouros foram escondidos sob tábuas do piso da capela-mor. No entanto, o esconderijo não iria durar muito, pois os homens do rei capturaram os clérigos e exigiram a entrega de todos os seus artefatos. Alguns religiosos, o Abade inclusive, foram submetido a torturas, mas não revelaram nada.
Eventualmente o único clérigo remanescente do grupo foi incumbido de recuperar o cálice de seu esconderijo e mantê-lo em segurança. Ele fugiu com os homens do Rei em seu encalço e acabou encontrando um refúgio seguro com a importante Família Powell, que residia numa mansão em Nanteos. Os Powell eram católicos devotos, algo muito perigoso na época, mas como gozavam de influência na corte, isso os manteve imunes contra as perseguições religiosas.
O jovem clérigo decidiu transferir a posse da relíquia aos Powell quando contraiu uma doença repentina. Ele legou a eles, em seu leito de morte, o artefato, revelando que se tratava do verdadeiro Santo Graal tocado pelas mãos do Salvador. Os Powell aceitaram a incumbência de proteger a peça que foi guardada na mansão, passando-o de geração em geração por centenas de anos como um tesouro particular.
Foi durante esse período que surgiram os primeiros rumores de que o Cálice possuía miraculosas habilidades, sendo capazes de sanar ferimentos, anular venenos e curar doenças daqueles que bebiam dele. O cálice se tornou um bem precioso da família, sendo chamado de "A Taça de Cura Tregaron", e mais tarde "O Cálice de Cura Nanteos". Verdade ou mentira, é inegável que os membros da Família Powell sempre foram conhecidos por sua invejável saúde e pela notável longevidade. Na árvore genealógica da família, há numerosos membros que viveram além dos 100 anos, uma marca impressionante.
Em 1878, um dos descendentes dos Powells originais e herdeiro da propriedade situada em Nanteos, George Ernest John Powell, aceitou colocar o Cálice em exposição e permitiu a análise de um membro da Sociedade Arqueológica Cumbriana que escreveu à respeito dela:
"Supõe-se que o cálice possuía poder de cura, que só poderia ser chamado de milagroso. Foi enviado para a casa de um doente, e algum objeto valioso foi deixado como penhor para garantir seu retorno seguro. O paciente bebeu vinho depositado em seu interior e apresentou uma impressionante cura, apesar de desenganado pelos médicos. A fonte de suas alegadas virtudes reside no fato dele supostamente ter sido usado pelo próprio Jesus Cristo. Acredito não haver dúvida de que grande parte de seu pedigree é verdadeiro, pois remonta à posse dos cistercienses em Strata Florida. É provável que tenha sido preservado como uma relíquia sacra à qual foram atribuídos poderes taumatúrgicos. A veneração que lhe é concedida na vizinhança e, ainda mais decididamente, o respeito da sua origem leva nobres e camponeses a acreditar ser ele genuíno. Os monges de Glastonbury e de Strata Florida tem grande crença na sua veracidade. Se os relatos são verdadeiros, a relíquia é extremamente interessante, como exemplo da sobrevivência da crença medieval e de valores cristãos".
Depois disso, o Cálice ganhou enorme reputação sendo mencionado por religiosos, estudiosos e pesquisadores do Graal. A Família Powell permitiu em certos momentos que peregrinos bebessem dele, registrando uma infinidade de efeitos milagrosos. Há alegações de que o artefato teria curado o câncer, a lepra, a cegueira e permitido que aleijados voltassem a andar. À medida que essas histórias sobre a taça surgiam, ela se tornou uma grande candidata ao título de verdadeiro Santo Graal. Legados oficiais da Igreja Católica chegaram a visitar Nanteos para analisar o artefato e se disseram certos de que se tratava de uma peça legítima.
Nesse ínterim, o último descendente dos Powell faleceu em 1952 e a taça passou para as mãos da família Mirylees, que a levou para Herefordshire e a depositou em um cofre do Lloyd's Bank e se recusou a exibi-la ou mostrá-la novamente. Ao longo dos anos, a família Mirylees se mostrou extremamente reservada em relação à taça, protegendo-a zelosamente do mundo exterior e apenas concedendo breves entrevistas sobre ela.
Ela foi colocada em exibição apenas uma vez em 1977 na Biblioteca Nacional do País de Gales, e novamente em 2001.
A família ocasionalmente emprestava o copo para aqueles que consideravam especialmente necessitados de seus poderes milagrosos, e foi em uma dessas ocasiões que o valioso artefato desapareceu em 2014. O Cálice havia sido emprestado a um idoso doente que residia em Weston-on-Penyard, no Condado de Herefordshire. Foi relatado que ladrões invadiram a casa e roubaram o cálice e cobraram um resgate de £20.000 por seu retorno seguro.
A taça foi devolvida aos seus proprietários no ano seguinte, deixada em terreno neutro após uma reunião pré-agendada que garantiu que nenhuma prisão seria feita. Não houve pagamento de resgate até onde se sabe. Ela foi a partir de então colocada em exposição pública permanente e lá permanece desde então.
Nos últimos anos, tem-se falado muito sobre se o Cálice de Nanteos é real e se ele é realmente o Santo Graal das lendas. A historiadora galesa Juliet Woods ofereceu uma visão mais cética ao dizer que não há registro de tal cálice mencionado em quaisquer inventários ou registros da Abadia de Glastonbury e nem da família Powell até o século XVIII. Em algum momento, o Cálice simplesmente começa a ser mencionado, séculos depois dele supostamente ter sido legado aos Powell.
Seria esta taça danificada e em desintegração o verdadeiro Santo Graal? Será que realmente abriga os poderes que lhe são atribuídos? É difícil dizer já que o Cálice de Nanteos encontra-se guardado e as respostas que procuramos continuam a ser evasivas.
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