Imagine se for capaz...
Em uma noite gélida nas estepes siberianas luzes de tocha iluminam a noite escura. O bater ritmado de tambores ecoava pela plácida taiga coberta de neve. No firmamento, na abóboda celeste luzes do norte se formam maravilhando os observadores com suas luzes azuis-arroxeadas.
Homens de aspecto rude, cobertos de peles para se proteger do clima gélido se aproximam em reverência. Eles vem de longe, de terras distantes atravessando distâncias consideráveis em uma época em que não existem estradas, mapas ou marcos. Eles vem com o objetivo de se reunir para uma festividade, uma celebração e um ritual ancestral que honrava os Deuses esquecidos de uma época primitiva.
Muitos traziam oferendas: peles, animais, totens e principalmente presas de marfim. Essa era a maior das oferendas, as presas dos poderosos mamutes que um dia marcharam pelas planícies em rebanhos imensos. Animais que se tornavam cada vez mais raros, mas que um dia caminharam fazendo o solo tremer sob o seu peso.
Os homens eram caçadores, eles portavam lanças, facas e machados talhados em pedra. Alguns dominam a recém descoberta técnica da arquearia que lhes dava a vantagem de matar à distância. Eles vinham de longe e quando avistavam seu destino caiam de joelhos extenuados. Muitos ouviram falar daquele lugar mas nunca viram a estrutura. Eles admiram sua grandiosidade e simbolismo místico, não há nada igual no mundo - mesmo as pirâmides do Egito apenas surgirão daqui a milhares de anos.
Após uma longa jornada, enfim eles chegaram ao Círculo de Ossos.
Essa misteriosa estrutura circular se encontra na atual Rússia, em uma região isolada conhecida como Korokov 11. Ela foi apelidada de Bonehenge, não apenas por ser incrivelmente antiga, mas por lembrar o famoso Stone Henge, o circulo de Pedras da Inglaterra. O Bonehenge foi construído por volta de 20.000 mil anos atrás, quando a humanidade ainda era jovem e tentava sobreviver às intempéries desse planeta hostil.
Mais conhecido como o "Circulo de Ossos", a estrutura central era formada por centenas de ossadas de animais de grande porte. Elas foram levados até lá e arranjada em um círculo que compõem uma das mais antigas estruturas construídas por mãos humanas.
Acredita-se que a construção do círculo tenha se iniciado durante a última Era do Gelo, ela foi erguida por tribos de Caçadores-Coletores do Paleolítico. Nesse período da historia, a temperatura despencou para -20º com nevasca e gelo constante cobrindo a paisagem. De fato, o Círculo foi erguido durante o auge da Era do Gelo, quando o frio era mais intenso. Este período compreendeu entre 70 mil e 20 mil anos anos e foi um dos mais severos para a manutenção da humanidade. Francamente, é notável que a raça humana tenha conseguido perseverar diante de tamanha provação.
O Dr. Alexander Pryor, um Arqueólogo Paleolítico da Universidade de Exeter liderou o estudo do local e falou a respeito do severo ambiente que as pessoas enfrentaram.
"As pesquisas arqueológicas estão mostrando como nossos ancestrais conseguiram sobreviver em condições desesperadoras, num frio inconcebível e com enorme falta de recursos", ele prossegue "Na maior parte da Europa, em latitudes similares houve um grande êxodo em busca de áreas mais abundantes em comida, água e abrigo, contudo, o Círculo de Ossos é uma demonstração da capacidade de adaptação e sobrevivência do povo das estepes".
A estrutura mais antiga do círculo mede cerca de 20 metros de diâmetro e foi erguida inteiramente com ossos de Mamutes das planícies, o que inclui 64 crânios, 51 mandíbulas, além de quase 400 presas de marfim alinhadas como uma parede. Os ossos foram dispostos em uma estrutura mais ou menos redonda, parcialmente enterrada e unida com amarras. Mais ossos foram achados em seu interior bem como três enormes fossos escavados onde eram acendidas fogueiras.
Enquanto a maioria esmagadora dos ossos pertencem a Mamutes, há uma quantidade significativa de ossos de cavalos, renas, lobos, ursos e raposas do ártico, outros animais que dividiam a região com as tribos primevas.
Ao redor dessa estrutura central maior existiam círculos menores, ao menos 30 deles, dispostos pelo perímetro formando o que seria uma espécie de comunidade ou vilarejo capaz de hospedar algo entre 400 e 600 indivíduos, garantindo a eles abrigo diante do rigor climático.
Além dos ossos, arqueólogos encontraram restos de plantas, madeira usada para as fogueiras, carvão e pedras talhadas. Os indícios sugerem que as estruturas serviam como uma espécie de alojamento para as tribos. A especialização de algumas estruturas surpreendeu os estudiosos que encontraram alojamentos que funcionavam como cozinhas comunitárias, depósitos, oficinas e até mesmo uma enfermaria primitiva onde eram estocadas ervas, raízes e plantas medicinais. Uma das oficinas produzia roupas, barbante e peles essenciais para a sobrevivência.
Além disso, eles encontraram evidências de ferramentas primitivas que são muito mais avançadas do que quaisquer outras achadas nesse período e nesse local. "É como encontrar uma sociedade organizada em meio a vizinhos primitivos que mal conheciam os rudimentos da confecção de roupas".
O mais notável, entretanto são as descobertas feitas no círculo maior de ossos exatamente no centro da comunidade.
"É sensacional! Impossível não associar essa estrutura com algum tipo de templo religioso primitivo", comenta o Dr. Pryor.
Os arqueólogos descobriram sinais inequívocos de que o lugar servia para reunir os participantes de cerimônias religiosas de suma importância. Além das fogueiras acesas em fossos, onde se preparava comida, a área central era usada para danças ritualísticas e cerimônias.
O povo das estepes possuía um conjunto de crenças religiosas que só recentemente começaram a ser compreendidas. É provável que eles prestassem reverência a divindades naturais que eram representadas pelo sol, pela lua, pela terra e pelo fogo, além de forças espirituais na forma de animais totêmicos. De fato, escavações revelaram a existência de totens de quase 18 mil anos representando mamutes, lobos e renas.
"Estes povos apesar de primitivos possuíam crenças enraizadas em seus costumes e se reuniam nessa estrutura impressionante para honrar seus deuses, pedir a eles força e fartura na caça."
Pryor acredita que rituais eram executados no grande salão, com a iniciação de jovens caçadores e a união de tribos por laços de cooperação.
A descoberta de ossos humanos carbonizados nas piras sugere que sacrifícios humanos para os deuses também era algo frequente no Círculo. Dentre as plantas medicinais foram achadas substâncias que provavelmente eram consumidas pelos participantes ou queimadas nas piras para criar efeitos alucinógenos.
Restos de instrumentos de percussão, com chocalhos de ossos e tambores de pele completam o cenário de uma celebração ruidosa e espontânea.
"Seja lá quais fossem os deuses e entidades que esses indivíduos cultivavam, não é exagero dizer que este era um grande centro de devoção. Ele atraía viajantes de terras distantes que provavelmente ouviam falar desse círculo de ossos. Eles empreendiam verdadeiras jornadas pelas estepes agrestes afim de conhecer o templo onde os deuses se manifestavam. Devia ser algo muito significativo comparecer a essas festividades".
Os sacerdotes tinham uma tradição xamânica e eram responsáveis por comunicar aos mortais a vontade divina. Após consumir doses maciças de substâncias alucinógenas, eles experimentavam visões proféticas que precisavam ser interpretadas. Eles também conduziam os rituais que muitas vezes envolviam violência e sacrifício. Os sacerdotes barbudos, cobertos de pele e com galhos de renas brotando dos cabelos, portavam clavas usadas para golpear os sacrifícios na cabeça.
"As divindades totêmicas representavam forças da natureza primaz, que precisavam ser apaziguadas ou satisfeitas para permitir ao grupo prosperar. Não oferecer o sacrifício correto, era, aos olhos dos xamãs, um risco que poderia decretar a morte de todos".
Só podemos imaginar o teor desses rituais selvagens e alucinantes. Mas apesar da violência eles podem ter representado um fator de união que permitiu a essas tribos sobreviver em um ambiente inconcebível.
Para as tribos que ainda hoje habitam a região de Korokov 11, as ruínas do velho Círculo de Ossos constituem um tabu. Seu folclore menciona que esse lugar foi tocado por deuses e espíritos selvagens e que estes uma vez invocados por ritos de seus ancestrais, jamais partiram.
Os velhos que ainda mantém as tradições de seus antepassados falam de fantasmas e espíritos que vagam no limiar do real e imaginário. Há ainda a lenda do Monstro Labynkir, uma criatura feroz e incontrolável, fera gigantesca e poderosa que vagava pelos arredores devorando tudo que conseguia agarrar.
O Labynkir possui uma origem medonha, como um espirito desencarnado que era trazido para o mundo contra duas vontade e forçado a possuir algum animal selvagem, tornando-o uma besta com implacável sede de sangue.
"O folclore local é rico em todos tipo de criatura e monstro" diz o Dr Pryor que salienta "muitos deles com uma ordem extremamente antiga. Algumas lendas podem ter se originado milhares de anos atrás, sendo transmitidas de pais para filhos ao longo de gerações".
O Círculo também representava uma espécie de proteção contra essas feras terríveis, naturais e sobrenaturais, um lugar seguro em que as pessoas podiam descansar, honrar os deuses e pedir pela sua intercessão. Tudo isso em meio a um dos períodos mais dramáticos de nossa historia, quando o Circulo de Ossos era a única coisa entre a sobrevivência e a morte certa.
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