domingo, 3 de abril de 2022

Vila das Vozes - Um lugar abandonado onde os sussurros do passado ainda são ouvidos


Algumas aldeias abandonadas parecem realmente atrair para si, histórias estranhas que acabam ganhando contornos dramáticos e estranhos. São lugares isolados, ermos e perdidos, onde as pessoas raramente vão e onde, os supersticiosos evitam se aventurar. Parece haver uma aura bizarra sobre tais localidades, como se algo ruim pairasse sobre elas tal qual uma presença desagradável, difícil de explicar, mas inescapável. 

Em 1778, dois colonos ingleses chamados Johnathan Randall e Obediah Higinbotham deixaram suas casas as pressas na costa de Cranston, Rhode Island, antecipando um ataque britânico durante a Batalha de Rhode Island em 1778. Decidiram deixar tudo que tinham e se estabeleceram nas cercanias de Pomfret, Connecticut, onde iniciariam uma empresa chamada Higginbotham Linen Wheels, que abastecia as áreas circundantes com fiação de linho. Isso daria início a fundação da vila bastante humilde de Bara-Hack, um termo galês traduzido livremente como "o partir do pão". Era um assentamento modesto, com apenas algumas casas e fazendas, senzalas, um cemitério comunitário, uma fábrica têxtil movida a roda d'água e pouco mais. A simples comunidade por definição não era ais do que uma aldeia, com os habitantes levando uma vida simples e tranquila. No entanto, dias sombrios estavam por vir para este lugar pacífico, que nos anos vindouros iria ganhar a reputação de ser um lugar profundamente assombrado, possivelmente até amaldiçoado.

Após a morte das famílias fundadoras, o moinho começou a cair em ruínas e a comunidade minguou, até que, em algum momento após a Guerra Civil, foi completamente abandonado para se tornar uma coleção de ruínas selvagens sufocadas por ervas daninhas, restos de construções e detritos. O fato do lugar ficar em uma área de difícil acesso, distante de rotas de comércio ou de viagem, fez com que ela se mantivesse intocada por décadas, criando a ilusão de que ela havia sido esquecida pelo tempo. 



No entanto, narrativas envolvendo ocorrências sobrenaturais em Bara-Hack estavam circulando pelos arredores muito antes do assentamento se tornar uma cidade morta. As lendas parecem datar do final do século XVIII, com rumores sussurrados entre os escravos que viviam nas fazendas de que haviam figuras sombrias à espreita na área. Essas sombras, tão escuras que se destacavam mesmo na noite, pareciam rastejar pelo chão e seguir as pessoas, usando sua natureza umbrosa para se esgueirar e se aproximar, tocando com dedos frios aqueles que desejavam aterrorizar. Tais manifestações eram tão temidas que muitos dos residentes evitavam até mesmo sair de suas casas depois do anoitecer e só o faziam amparados por lanternas ou tochas. Mas havia outras coisas que vagavam pelas matas adjacentes: falava-se sobre uma espécie de diabretes do tamanho de crianças pequenas, seres malignos dados a roubar objetos e escondê-los onde ninguém podia encontrá-los e de um bebê fantasmagórico, vítima de um aborto que condenou a mãe a peregrinar noite afora com o feto dependurado num cordão umbilical. As horríveis entidades eram conhecidas por todos os residentes e temidas universalmente, contudo, os relatos realmente se espalharam quando o povoado foi largado ao completo abandono.

Quando as pessoas se foram e a natureza invadiu as cercanias para reivindicar a terra, todo tipo de histórias assustadoras começaram a brotar entre os restos decadentes deste lugar assustador. As pessoas bisbilhotando a propriedade em busca de algo valioso voltavam de lá esbaforidas, relatando histórias de aparições sombrias, o fantasma de um homem barbudo e o espírito de uma criança muito pequena, além de orbes flutuantes e estranhos raios de luz dançando sobre o cemitério onde os ossos foram deixados para apodrecer pela eternidade. Diziam que os mortos se ressentiam desse abandono e que, sem ninguém para pranteá-los, se tornaram amargos, contaminando o solo e as próprias ruínas.

Dentre todos esses relatos medonhos, o fenômeno mais persistente e comentado entre os exploradores que vasculhavam Bara-Hack dizia respeito aos sussurros. Aquele maldito barulho nauseante que deixava homens perplexos sem saber que pensar e aterrorizados até o cerne. Testemunhas até o presente descreveram ouvir conversas desencarnadas, risos, choros, gritos, o som de rodas de carroças raspando sobre a terra, o ruído do velho moinho rangendo e girando, e de animais domésticos, bem como sons anômalos misteriosos e menos definíveis. Eram sons que brotavam do vazio, surgindo em pleno ar, como ilusões auditivas de um tempo remoto. 



Havia quem dissesse que ocasionalmente as ruínas ganhavam vida com o barulho e todos os tipos de ruídos que fazem parecer quase como se ainda fosse uma aldeia viva e próspera, os sons da vida normal ecoando sobre as ruínas mortas e ervas daninhas, deram ao lugar o soturno apelido de "Vila das Vozes". 

No ano de 1927, Odell Shepard, professor de Harvard e do Radcliffe College, um sujeito respeitado, deu seu testemunho sobre o lugar abandonado e escreveu à respeito dele:

"Era triste ver o lugar onde as pessoas um dia tiveram suas casas e vidas, reduzido a ruínas insalubres entregues aos elementos. O que restava, eram alguns tristes resquícios, com buracos escancarados de porões dos quais brotavam árvores altas e vegetação selvagem. Os arbustos de espinheiros e ervas daninhas cobriam tudo, do calcamento de pedra, até os restos de uma velha roda de moinho quebrada. Mas apesar de todo abandono e isolamento, aquele era a famosa aldeia das vozes. Eu proponho, e estou disposto a jurar, que o lugar ainda é povoado embora não haja lá vivalma. A despeito de estar deserto, há sempre um burburinho de agitação similar ao que se esperaria ouvir de uma comunidade repleta de presença humana. Eu mesmo ouvi o riso das crianças brincando, de homens trabalhando e mulheres fazendo seu serviço doméstico. Ouvi os sons cotidianos de indivíduos que há muito são pó, chamando suas famílias para casas decrépitas não mais do que buracos na terra. Ouvi ainda trechos de música cantadas por pessoas e o ranger das rodas de madeira de carroças ao longo da velha estrada. É como se os sons pudessem, neste lugar, contornar algum canto invisível para perfurar nossa realidade à prova de som que chamamos de tempo."

É claro que histórias como essa atraíram a atenção de curiosos que visitavam o lugar interessados em ouvir por si mesmos, sons que viajavam sem serem proferidos. Muitos dos que lá estiveram contaram que não ouviram nada de estranho senão o som de pássaros que se aninhavam nas ruínas, mas muitos outros relatavam experiências desconcertantes. O ruído que se repetia pela eternidade.



Em 1931, Ezra Potts, um precursor do estudo paranormal visitou Bara-Hack e ficou chocado pela coleção de ruídos desencarnados que ouviu. Ele transcreveu palavras perdidas em seus registros, atestando que o fenômeno não apenas era real, como se manifestava espontaneamente, com o u sem uma audiência presente para ouvir. Era como se os sons pudessem cruzar um túnel que conectava duas épocas distintas.  

Um grande número de caçadores de fantasmas e exploradores do paranormal também visitaram as ruínas e algumas dessas expedições obtiveram resultados particularmente estranhos. Em agosto e outubro de 1971, o pesquisador paranormal Paul Eno, realizou uma investigação da propriedade e não ficou desapontado. O livro de Eno com o título "Faces nas Janelas", contaria sobre essa investigação:

"Nós fomos até a aldeia, onde fomos imediatamente atingidos por vários fenômenos estranhos: uma sensação avassaladora de depressão cobria a área como um cobertor; ouvimos o latido constante de cães, mugidos de vacas e a ocasional voz humana; e notamos que havia uma aura de tristeza plácida. Após duas horas e quinze minutos de exploração, nosso grupo partiu e voltou às 19h15 daquela noite. Enquanto nossos equipamentos de gravação eram montados, as vozes se tornaram mais discerníveis individualmente – vozes vindas do riacho Mashomoquet, que corria pela vila. Os sons eram de riso – o riso das crianças. A equipe voltou novamente nos dias 30 e 31 de outubro com novos membros da equipe, para garantir que o que ouviram antes não era uma ilusão coletiva. 

Acabou sendo uma noite muito movimentada. Ao anoitecer, o grupo se perdeu enquanto caminhava em direção ao cemitério. Todos sabiam o caminho, mas nenhum deles conseguia encontrá-lo. Exasperados, eles se viraram para encontrar um dos novos membros de sua equipe congelado no lugar. Ele não conseguia se mover e estava suando e respirando com dificuldade. Todos os membros da equipe tentaram movê-lo, mas ele estava petrificado – o que eles mais tarde descobririam foi que estavam sobre o cemitério o tempo todo, embora não fosse possível perceber isso".


Outros investigadores paranormais desde então relataram frequentemente o mesmo tipo de fenômeno, e as ruínas de Bara-Hack alcançaram um status quase lendário na área como um lugar muito ativo com atividade paranormal. Infelizmente para aqueles dispostos a desbravar este lugar, as ruínas acabaram se tornando propriedade privada e foram fechadas ao público, pontilhadas com placas de "Proibido Invasão" para manter todos os possíveis caçadores de fantasmas e curiosos fora.

Como ninguém pode realmente ter acesso ao sítio agora, é difícil dizer se ele ainda é passível dos fenômenos que muitos relataram ao longo das décadas e ficamos imaginando qual seria a verdade sobre esse lugar que congrega tantas histórias. Seria apenas uma Lenda Urbana ou há algo mais?

Uma sugestão é que os estranhos incidentes decorrem da terra ter sido amaldiçoada pelo povo nativo Nipmuc, que originalmente detinha esse lugar antes de ser expulso pelos colonos brancos. Os Nipmuc, por sua vez, sempre falaram que a área era habitada por espíritos da terra e das profundezas, seres que confundiam e alteravam a percepção dos vivos. Outra hipótese mais moderna é que este lugar por algum motivo desconhecido seria um ponto tênue em que o tecido das realidades seria mais fino. O que estaria sendo visto e ouvido era o que acontecia numa dimensão paralela em outro tempo e lugar. Ainda outras ideias citam um lapso de tempo, ou um caso de assombração residual, em que eventos do passado são de alguma forma gravados em um lugar como imagens em filme e reproduzidas eternamente.

O que quer que esteja acontecendo aqui em Bara-Hack, é uma coisa bastante assustadora, o que concede a esse lugar perdido no tempo, destaque entre os fenômenos inexplicáveis que nos cercam.

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