terça-feira, 6 de junho de 2023

Vilarejo dos Mortos-Vivos - A história de um povoado acossado pelo Vampirismo


Oculta na pitoresca paisagem do Vale Madawaska em Ontario, Canadá, encontra-se a agradável  e serena vila de Wilno. Foi esse ambiente pastoral que atraiu colonos da região de Kashubia na Polônia em meados de 1850, já que o local lembrava em muitos aspectos sua terra natal. Os imigrantes decidiram lá se estabelecer também para escapar do domínio opressivo imposto pela sua vizinha, a Prússia. De fato, Wilno é o mais antigo assentamento permanente polonês no Canadá. Os colonos decidiram construir lá uma igreja, um armazém geral e uma agência dos correios. A vila gradualmente foi crescendo, atraindo uma grande quantidade de colonos poloneses-cashubianos graças ao incentivo da Canadian Atlantic Railway que ligou o povoado a Ottawa em 1894. 

Até hoje, Wilno mantém suas orgulhosas tradições e permanece imersa em história e imbuída de um charme pitoresco do velho mundo que faz dela um destino turístico muito procurado. Entretanto, sob a sua superfície pacata há antigos rumores envolvendo superstições, magia negra e até mesmo, criaturas mortas-vivas.

Embora os colonos de Wilno fossem católicos romanos, eles trouxeram consigo seu folclore e cultura. Vigorava entre eles a crença persistente na bruxaria, na magia negra e na existência de várias criaturas sobrenaturais, incluindo espíritos malignos, súcubos e vampiros. Apesar de seu catolicismo arraigado, muitos dos colonos acreditavam que forças das trevas também eram muito reais e que os haviam acompanhado até seu novo lar. Foram essas crenças populares que, na década de 1960, chamaram a atenção de um professor de línguas eslavas formado em Harvard chamado Jan Louis Perkowski. Ele ficou fascinado ao descobrir que antigas tradições e crenças da Polônia rural estavam vivas e fortes na América. Com o financiamento do Museu Nacional do Homem (atual Museu Canadense de História), ele fez uma jornada até Wilno em 1968 para estudar as superstições locais penetrando profundamente em um mundo sobrenatural sinistro.

Através de entrevistas com vários habitantes locais, Perkowski estabeleceu que de fato a crença em criaturas sobrenaturais ainda existia entre o povo de Wilno, especialmente em relação aos vampiros. Os moradores acreditavam que esses seres vagavam pela região e os viam de maneira muito semelhante a como seus antepassados os viam no Velho Mundo. 

A crença local era de que havia dois tipos de vampiros, os vjeszci e os wupji, ambos amaldiçoados desde o nascimento e condenados a se transformarem em mortos-vivos após a morte. No caso dos vjeszci, a criança nascia com um saco membranoso na cabeça, escondido sob o cabelo, enquanto os wupji nasciam com dois dentes afiados. Um vjeszci poderia ser curado se a mãe mantivesse a membrana por sete anos, depois a cortasse, triturasse e fizesse com que a criança a comesse. Com um wupji, não havia cura, quando eles morriam, estavam condenados a voltar dos mortos para trilhar na calada da noite em busca de sangue. 


De acordo com as tradições locais, um vampiro estava fadado a matar seus familiares um por um até que não restasse mais ninguém. Uma vez completado esse objetivo, ele iria para uma igreja ou capela e tocaria o sino. Qualquer um que ouvisse o som morreria dentro de um ano. 

Na tradição local, havia várias maneiras de eliminar os vampiros. 

Uma forma era enterrá-los imediatamente após a morte, preferencialmente de bruços no caixão. Assim eles simplesmente cavariam cada vez mais fundo, ao invés de voltar à superfície. Também era aconselhável enterrá-los com areia ou envolvidos numa rede, porque dizia-se que essas criaturas eram incapazes de deixar seu túmulo até que contassem todos os grãos de areia ou desatassem cada nó da rede. Outras maneiras mais terríveis de lidar com um vampiro era decapitar o morto-vivo e colocar sua cabeça entre os pés, ou enfiar um prego comprido em sua testa. Finalmente, enfiar um grande tijolo entre os seus dentes também poderia evitar a transformação. 

É tudo muito sinistro e à primeira vista parece mero folclore, mas Perkowski descobriu através de sua pesquisa que haviam relatos de que esses costumes foram realizados pela população local. Muitos relatos colhidos por ele eram de testemunhas que haviam visto cadáveres sendo mutilados, decapitados, enterrados de bruços ou trespassados por pregos, tudo isso para evitar que se erguessem como vampiros. 

Os registros obviamente não mencionavam nomes, contudo, muitos habitantes de Wilno estariam  envolvidos e dispostos a acreditar nessas coisas. Também permitiriam que tais coisas fossem perpetradas contra seus entes queridos. Perkowski descobriu ao menos cinco famílias que relataram histórias pavorosas sobre o fim dado aos restos mortais de parentes, com o objetivo de frear uma epidemia de vampirismo.

O Coração de um Vampiro sendo incendido

Em 1886, uma senhora que supostamente havia sido mordida por um morcego foi enterrada de bruços em um caixão com duas tábuas pesadas depositadas sobre a tampa. Em 1892, o Sr. Piekarsky, do qual alguns habitantes suspeitavam de realizar missas negras (e de não ir à Igreja) teve dois pregos de ferro atravessados na cabeça, um em cada têmpora para que não se erguesse após sua morte. Já a sra. R. Etmanski teve a cabeça separada de seu corpo e depositada entre as pernas, depois que sua boca foi enchida com alho.

Os casos se multiplicam e as memórias de família fornecem indícios de que era algo aceito e até costumeiro que cada família lidasse com um parente suspeito. Quando eles não o faziam, algum cidadão preocupado podia interceder.

Em 1901, o sr. G. Emany, foi enterrado no cemitério de Wilno, sendo que seus parentes se negaram a realizar uma cerimônia de purificação nos restos mortais, os quais, muitos desconfiavam poderiam se animar na forma de um vampiro. Um grupo de locais, foram então até a sepultura e o desenterraram, depois de haver boatos de que o sr. Emany havia sido visto por crianças, transitando pelo vilarejo. Para não correr nenhum risco, o cadáver foi recuperado do caixão, e embora não houvesse sangue visível em sua boca, os bons cidadãos não quiseram correr riscos. Arrancaram de seu peito o coração e o incendiaram em uma pequena fogueira. Em seguida, o corpo foi depositado de bruços, com um tijolo instalado entre os dentes do cadáver e um prego em sua testa.

Já em 1908, há o relato de uma família de sobrenome Kilby, no qual, após a morte de um primo distante, vários parentes começaram a morrer. Sem saber como explicar o estranho fenômeno, a população culpou o tal primo pelas mortes. Um grupo de pessoas foi até a cidade vizinha, onde o sujeito havia sido enterrado, escavaram a sepultura e atearam fogo aos restos mortais que "queimaram com uma chama esverdeada". Depois disso, as mortes entre os Kilby supostamente cessaram! Contudo, só por desencargo de consciência, os membros que ainda restavam da família deram autorização para exumar os parentes mortos a fim de fincar um prego na testa de cada um.   

Perkowski também conversou com pessoas que afirmavam ter testemunhado a existência de vampiros. De fato, ele descobriu que muitas pessoas nos anos 1910 e 1920 acreditavam que as epidemias de Cólera e Gripe Espanhola haviam sido disseminadas por vampiros e não por agentes patológicos naturais. Em Wilno, mesmo nos anos 1920, vampiros continuavam sendo apontados como uma das causas de mortes e tragédias, entretanto, os locais preferiam manter em segredo para que o mundo exterior seus costumes funerários. 


Uma das fontes de Perkowski contou que era costume em Wilno que ao menos três pessoas preparassem os cadáveres antes do enterro. O corpo era lavado - preferencialmente por um parente próximo. Em seguida, era examinado por um sacerdote que buscava indícios de algum sinal específico - crescimento dos dentes, palidez atípica ou ainda a cor dos olhos e cabelos se alterando. Finalmente, uma pessoa apontada pela família, em geral um agente funerário procedia em um preparativo especial, que podia envolver rezar sobre o cadáver ou aspergir o corpo com uma solução de alho. Se a qualquer momento durante esse procedimento surgisse algum sinal de vampirismo, o corpo era submetido a algum procedimento purificador. E isso podia ser qualquer coisa, desde perfurar o corpo com pregos até fazer uma decapitação com golpe de machado.

Além disso, em Wilno costumavam acontecer muitas exumações. Diante de qualquer suspeita, um grupo de coveiros abriram sepulturas para inspecionar o conteúdo. Se o corpo parecia ter se movido, se houvesse pouca decomposição ou se encontrassem sinais de arranhões na tampa, eles cortaram a cabeça ou incendiavam os restos.
 
Perkowski entrevistou mais de uma dúzia de testemunhas em Wilno que confirmaram que esses costumes ocorreram até o início da década de 1940, caindo gradualmente em desuso posteriormente. Contudo, um dos últimos casos registrados teria ocorrido em 1958, envolvendo uma mulher que foi desenterrada e decapitada depois que dois parentes dela morreram alguns dias depois de seu falecimento. 

O pesquisador escreveu um trabalho intitulado "Vampiros, anões e bruxas entre os Kashubs - Práticas e Costumes do Velho Mundo na moderna Ontário". O excêntrico relatório de 200 páginas foi submetido ao museu, mas foi recebido com certo grau de ceticismo. A maioria das pessoas não estavam dispostas a acreditar que em pleno século XX tais coisas aconteciam. Muitos estudiosos trataram a obra como lixo sensacionalista e decidiram varrer a história para baixo do tapete. 

Apenas na década de 1980, a mídia tomou conhecimento do trabalho de Perkowski que havia falecido em 1977. Em pouco tempo repórteres estavam se reunindo em Wilno procurando investigar as macabras lendas sobre o povoado em que vampiros eram combatidos pela população. Para os residentes locais, que se viram ridicularizados e tratados como tolos supersticiosos, as histórias não passavam de lendas. Contudo, várias pessoas citadas no relatório confirmaram que seus antepassados realmente se preocupavam com vampirismo ainda que acusassem Perkowski de ter distorcido seus testemunhos ou simplesmente inventado coisas que eles jamais haviam dito.


Independentemente de toda essa publicidade negativa e do povo de Wilno tentando afastá-la, a história do vampirismo se espalhou e até hoje a cidade é famosa pelas histórias sombrias de monstros chupadores de sangue. A reputação perdura até os dias atuais ainda.

Um comunicado oficial emitido pela Câmara de Comércio de Wilno em 1985 dizia:

"O trabalho d Sr. Perkowki é um absurdo. Não é bem pesquisado. Não é contextualizado. E ele interpretou mal a comunidade e seus informantes. Ele pegou muitas palavras dos residentes e as distorceu. Houve muita dor nos anos 60 e 70, quando esse trabalho foi lançado, e ainda hoje ela continua. Infelizmente, a história de vampiros sobreviveu e as histórias verdadeiras não foram divulgadas. Há outras histórias e tradições muito mais ricas na região. É por isso que queremos que esta comunidade seja conhecida e não por algo inventado. Às vezes, os jornalistas e a mídia simplesmente espalham essa falsidade, porque isso gera curiosidade. Mas não é justo com o povo de Wilno, porque essa não é a nossa história." 

Então com base nessa história no que devemos acreditar? Aparentemente, muito do que Perkowski escreveu deve ser considerado com cautela. Ele fornece poucas evidências de que defende além de alegados relatos de testemunhas. Não há relatos oficiais de mutilações de cadáveres, nenhum nome sólido real, datas ou locais para verificar. É muito fácil acreditar que o relatório é no mínimo embelezado e até certo ponto fabricado. Por outro lado, muitos dos comentários sobre as lendas de vampirismo e folclore polonês parecem corretamente endereçados e discutidos. O trabalho de Perkowski é no mínimo instigante.

Haveriam vampiros de verdade em Ontário? Provavelmente não. A pesquisa foi manipulada? Definitivamente. No entanto, o teor da obra ainda serve para descortinar velhas tradições e lendas sobre terrores incompreensíveis e coisas que espreitam nas trevas.

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