sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Krakatoa - Fogo e Fumaça com o rugido da maior erupção registrada em todos os tempos



Os vulcões da pequena ilha haviam desenvolvido atividade sísmica preocupante pouco menos de seis meses antes do desastre ocorrer no final do verão. Apesar da devastação quase apocalíptica, a erupção não seria a mais importante na história da Terra, contudo, quando a Ilha de Krakatau, também conhecida como Krakatoa, explodiu em 27 de agosto de 1883, no Estreito de Sunda entre Java e Sumatra, o evento poderia justificar sua inclusão no Livro Guinness dos Recordes.

Foi a erupção vulcânica mais violenta na história da humanidade.

Ao todo, cerca de 18 quilômetros cúbicos de cinzas e pedras foram lançados para a atmosfera durante a titânica erupção e o ​​impacto da explosão foi ouvido não apenas na Austrália, a cerca de dois mil quilômetros de distância, mas também na remota Ilha de Rodrigues a 4.700 km a leste de Krakatoa. Para se ter uma ideia do que essa distância representa, basta dizer que seria o mesmo que uma bomba explodir no Oiapoque (limite mais ao norte do Brasil) e o ruído ser ouvido em Mar del Plata, uma cidade ao sul de Buenos Aires, na Argentina (!!!).

A onda de tsunami, resultante atingiu uma altura de mais de 40 metros, devorou ilhas, consumiu a costa e o litoral criando um novo recorte nos mapas, apagou da existência centenas de aldeias deixando um rastro de destruição tão colossal que as estimativas de 36.000 mortos parecem ridículas.  Isso porque não apenas uma onda gigantesca se formou, mas uma sucessão contínua delas, uma após a outra causando uma turbulência inacreditável.

Finalmente, a energia desencadeada pela explosão foi estimada em um volume entre 900 e 2000 megatons de TNT. Não há como precisar o tamanho, por isso a variação considerável, mas de qualquer maneira, o número que for, torna comparativamente irrelevantes os 13 megatons da bomba atômica que devastou Hiroshima. A natureza é capaz de encolher a mais destruidora das armas criadas pelo homem, tornando-a... nada.

Uma fotografia de poucos meses antes da erupção atingir massa crítica.
O mais notável, é que essa erupção provavelmente não foi a primeira, a única e nem será a última. Documentos, desde a antiguidade até meados do século XVII mencionam atividade vulcânica nas ilhas do Estreito de Sunda, alguns até mais impressionantes do que esse. Não é absurdo afirmar que a história do mundo muda seu curso quando o vulcão Krakatau cospe fogo e fumaça. É bem capaz que as próximas mudanças climáticas na Terra sejam ocasionadas em decorrência do rugido desse vulcão indomável.

O terrível cenário da catástrofe deixou um vácuo silencioso de horror onde antes havia uma ilha. Tudo o que restou do epicentro da tragédia, foram detritos, lama e o mar agitado. O odor de enxofre era tão forte que seria impossível a aproximação da ilha por semanas sem o risco de intoxicação.

Até o século XIX, a Ilha de Krakatoa constituía a principal porta de entrada de embarcações que seguiam para a Índia. Elas cruzavam o Estreito de Sunda que separa as ilhas mais extensas de Java e Sumatra. Os assentamentos humanos mais importantes eram as pequenas cidades de Anyer em Java e Ketimbang no Sumatra. Atualmente parte da Indonésia, esta região integrou até a Segunda Guerra Mundial o Império Colonial Holandês no Sudeste da Ásia, as chamadas Índias Holandesas. A quase mística Batávia, conhecida como a Joia do Oriente, capital da colônia e centro do Governo Geral. Ela se situava não muito distante da atual capital de Java, Jakarta. Seus habitantes foram os primeiros a reagir diante da atividade vulcânica do Krakatau em maio 1883.

O London News noticia a colossal explosão do Krakatoa e mostra o antes e o depois.
A princípio ninguém achou que aqueles tremores de terra eram particularmente preocupantes. Os habitantes locais já estavam acostumados com os "resmungos do vulcão". A tranquilidade era tal que a primeira expedição para investigar a perturbação só foi realizada, por volta de 26 de maio, sob o comando de um engenheiro e oficial colonial chamado Schuurman. O grupo encontrou quase toda a vegetação da ilha queimada ou transformada em cinzas pelo Krakatau. Pelo menos dois dos três vulcões da ilha apresentavam atividade, o Perboewatan que ficava ao norte e o Danan ao centro pareciam ser os responsáveis diretos pela emissão de gases. Ainda restava um pouco de verde no topo do maior dos picos, o Rakata ao sul. Depois que tremores de terra em meados do mês de julho se tornaram mais intensos, o capitão e cartógrafo Ferzenaar se aventurou com seu barco em 11 de agosto, a fim de observar a atividade e medir os danos. As três crateras apresentavam rachaduras e cuspiam cinzas e fumaça de forma anormal há dias. As observações de Ferzenaar de pouco adiantariam, uma vez que semanas depois, as forças geológicas modificariam profundamente a geografia da ilha.

A cólera do Krakatau se iniciou com uma explosão inicial ouvida em Batávia no dia 26 de agosto, um domingo, e se intensificou ao longo do dia com a expulsão de cinzas e basalto incandescente, terminando com quatro colossais explosões na segunda feira por volta das 5:30 (que destruiu igualmente as vilas de Anyer e Ketimbang). Ao todo, a erupção durou 21 horas ininterruptas.

As câmaras de lava, ou caldeiras, praticamente se esvaziaram com as explosões, e expeliram milhares de toneladas de material, causando o desmoronamento do cume sobre si mesmo. A enorme quantidade de matéria magmática em contato com o mar formou um imenso tsunami que foi responsável pela maioria das mortes na catástrofe. Os vilarejos de pescadores foram engolidos pelas ondas e barcos arrastados por quilômetros para o interior das ilhas. A força da onda foi tão poderosa que derrubou um farol de 30 metros de altura e arrancou pedras pesando toneladas, atirando tudo isso contra o litoral em uma destruição sem precedente. Em termos de comparação o tsunami resultante da explosão do Krakatau foi dezesseis vezes mais poderoso que o registrado na Indonésia em 2004.

A colossal muralha de água erguida pela explosão engoliu a terra e redesenhou o litoral da maioria das ilhas
Contudo não apenas a torrente de água foi responsável por mortes: as cinzas, a poeira e o gás tóxico também fizeram a sua quota de vítimas. Os nativos que viviam a até 10 quilômetros do epicentro foram os primeiros a morrer, atingidos por um fluxo piroplásmico (vapor super-aquecido) que os cozinhou vivos em questão de segundos. Seria o mesmo que ser atingido por uma emissão de micro-ondas com 1200 graus célsius.

As cinzas e a poeira que atingiram a superfície das ilhas e o continente após a erupção, tornaram a vida dos sobreviventes um verdadeiro suplício. A mistura desses elementos, uma vez aspirada para os pulmões se solidificava de forma semelhante a cimento e não podia ser eliminada. A exposição das rochas aos vários gases alterava sua densidade fazendo com que eles flutuassem transformadas em "pedra pome". Meses após a erupção, verdadeiras jangadas flutuantes chegavam à costa oriental da África, transportando uma carga horrível; os corpos das vítimas do Krakatau aprisionadas em seu interior, como insetos capturados em âmbar.

Mesmo aqueles que apenas leram nos jornais sobre a explosão do Krakatau foram atingidos por ele diretamente. Os barógrafos para medir a pressão atmosférica e prever o tempo, impulsionados pelo movimento de relógios e muito comuns nas casas, marcavam variações gigantescas de pressão como resultado da erupção cuja nuvem, segundo determinaram os cientistas da Royal Society, se espalhou sobre 70% do planeta. A grande maioria das pessoas percebeu nos meses ou mesmo nos anos seguintes que a enorme quantidade de poeira lançada na estratosfera, criou uma série de fenômenos, às vezes magníficos, às vezes assustadores com cores incríveis. O por do sol no hemisfério norte se tornou um espetáculo fantástico: com rajadas púrpuras, alaranjadas, róseas e até mesmo esverdeadas nos céus. Os corpos celestes, luziam com uma coloração diferente em face da deformação na luminosidade de suas auréolas pelas partículas. O sol adquiriu uma coloração vermelho sangue que incidia sobre as nuvens fazendo com que elas também tomassem um tom escarlate. A noite essas mesmas nuvens escuras, pareciam fumaça de incêndios deixando bombeiros em estado de alerta constante. A partir de 1883 (e por alguns anos) a expressão "lua azul", foi mais do que um nome metafórico, já que a lua apresentava uma coloração azul-esverdeada.


Naturalmente, tais efeitos fascinavam as pessoas, sobretudo os artistas mais sensíveis a essas mudanças, especialmente pintores. É quase certo que o céu assumindo uma coloração estranha foi retratado por mestres, como Munch que em sua obra mais conhecida, "O Grito", pintou um céu alaranjado. Outros pintores da época retrataram céus com cores incomuns, influenciados não pela sua sensibilidade artística, mas justamente pelo que viam ao contemplar o firmamento. As aquarelas do inglês William Ashcroft, mostram paisagens com céus avermelhados ou de coloração violeta.

Mesmo o homem moderno não está livre da influência da catastrófica erupção do Krakatau. Os gases dispersos pelo Krakatau em 1883 causaram danos à camada de ozônio, ocasionando um resfriamento na temperatura dos oceanos até uma profundidade de 10 quilômetros. O Krakatau agravou o efeito estufa causado pela a humanidade. O nível do mar subiu 1,7 centímetros desde então. Sem a erupção, muitas ilhas tropicais talvez fossem poupada de serem submersas num futuro próximo.

Mas não apenas os efeitos naturais dramáticos, mudaram a vida dos habitantes da região. Muito mais veio no rastro da explosão do Vulcão

Os habitantes do Arquipélado de Sunda são uma mistura extraordinária de etnias. Cada povo, javaneses, malaios, sundeses possui sua própria cultura e sua própria mitologia. Embora a Indonésia na atualidade seja um país predominantemente islâmico, o mundo das lendas aborígenes está profundamente impregnado no cotidiano nessa região do pacífico e do subcontinente indiano.

Entre os habitantes de Java e Sumatra, aqueles que vivem em Sunda são considerados extremamente espiritualizados. De acordo com sua mitologia, existe uma entidade superior, ou espírito elevado que rege as montanhas, o Orang Alijeh. Ele comanda o fogo, a fumaça e seu vasto reino se encontra nas profundezas, sendo acessado apenas pelas crateras dos grandes vulcões. O Krakatau era considerado um dos portões de entrada para seu reino de chamas vivas. Naturalmente essas crenças eram tratadas pelos colonizadores holandeses como mera superstição. A partir da primeira erupção, ocorrida em 1883, os nativos começaram a culpar a presença dos povos brancos, como o motivo para a fúria repentina de Orang Alijeh. Uma redescoberta das antigas tradições se seguiu a partir de então, com nativos abandonando quaisquer costumes introduzidos pelos colonizadores e abraçando as velhas tradições de seus ancestrais. Os vulcões representavam um tipo de ligação entre a terra e as esferas celestes, e quando o vulcão lançava fumaça e cinzas nos céus, os nativos interpretavam como um sinal de que os deuses estavam profundamente insatisfeitos.

Uma rocha de coral arrancada do fundo do mar e lançada a quilômetros da costa.
Do ponto de vista cultural, a erupção de agosto de 1883 foi muito mais do que um fenômeno natural.

Os nativos interpretaram a fúria do Krakatau como um alerta de suas entidades divinas, conclamando todos a repudiar os invasores estrangeiros e se rebelar contra sua presença. Contudo, o caminho para a independência ainda seria longo, e no percurso os clamores do povo seriam reunidos em um mesmo brado sob a voz do Islã, que canalizou a resistência contra o rígido sistema colonial. Em 9 de julho de 1888, um sanguinário grupo de fanáticos religiosos fez 24 vítimas na vila de Sanedja. Todos colonos brancos arrancados de suas casas e assassinados em plena luz do dia. Uma oferenda tardia para aplacar a fúria de Orang Alijeh?

A reação das autoridades coloniais foi ainda mais violenta. Trinta e seis pessoas foram mortas nas ruas quando se recusaram a obedecer um toque de recolher. Tumultos, desordem e resistência marcou as décadas seguintes. Foi o início do declínio da colonização holandesa no Pacífico após um duradouro período de tempo.

Quando os três grandes vulcões entraram em erupção, causaram efeitos no clima e atmosfera tão dramáticos quanto os produzidos no meio-ambiente. As incríveis nuvens de cinzas foram sopradas ao redor do mundo chegando às calotas polares e florestas na Amazônia. Partículas lançadas na atmosfera contribuíram para uma queda gradual na temperatura em todo o planeta. O estudo de oceanógrafos, indica que a enorme quantidade de lava endurecida que espirrou do Krakatau elevou o nível dos mares.

Equipe de remoção na década de 1940, ainda encontravam corpos de vítimas petrificadas do Krakatau 
Em 1680, quando a capital colonial de Batavia foi fundada, os colonos recém chegados se admiravam por encontrar uma população tão pequena no interior das ilhas, a razão era simples: uma erupção há pouco menos de meio século havia reduzido os habitantes e causado uma enorme migração para outras ilhas mais afastadas. Os holandeses ouviram relatos sobre essas tragédias e consideraram que elas não passavam de lendas exageradas. Após 1883 eles tiveram de revisar suas crenças e ponderar sobre o risco de manter a colônia. Ainda que ela fosse extremamente lucrativa, fazendo a fortuna da Companhia das Indias Orientais, os relatos sobre a erupção deixaram as autoridades e a população local igualmente assustadas. O fluxo de colonos foi direcionado para a América enquanto uma quantidade cada vez maior de colonos já estabelecidos retornava. Por coincidência, na mesma época, a Companhia das Indias Orientais estava em uma luta franca contra um rival que acabaria por substituir a presença holandesa naquela região: o Império Britânico.

Mas enganam-se aqueles que pensam que o Krakatoa deu seu último rugido.

Após a destruição, o cenário não permaneceria inalterado por muito tempo. Desde 1927, um novo vulcão cresce na exata localização onde ocorreu a erupção de 1893: o Anak Krakatoa, ou o Filho do Krakatau continua crescendo. Surgido da poderosa explosão de seu predecessor ele rompeu a superfície da água em 11 de agosto de 1930, tendo sido filmado do ar. Desde então, ele cresce continuamente 50 centímetros por mês, ou seis metros por ano. Colunas de fumaça acima da cratera podem ser vistas e constituem um alerta constante de que o que aconteceu uma vez pode acontecer de novo.




3 comentários:

  1. Sensacional o artigo, King in Yellow!

    Tinha muita curiosidade de saber mais sobre esse evento, mas nunca tinha me coçado a pesquisar mais. Além de interessante por si só ele serve de um tremendo pano de fundo para cenários de CoC, ou mesmo como evento-chave de uma campanha (seja no início dela ou no final).

    Só uma correção oportuna, mas que deixa ainda mais em evidência a força da explosão: a bomba de Hiroshima não tinha 13 Megatons, mas sim 13 Quilotons (ou 0,013 Megatons). O maior artefato explosivo já detonado pela humanidade foi a Tsar Bomb (uma bomba H da antiga Unbião Soviética). A força da explosão foi estimada em "meros" 50 Megatons, muito mais que Hiroshima, mas ainda uma pequena fração do que foi o Krakatoa.

    Abração e Iä Iä!

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  2. a tsar bomba é fichinha perto disso. e o meteoro que mato os dinossauro tinha 2 milhão de vezes a força da tsar bomba

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