Formalmente, não existe nenhuma regra que obrigue os jogadores a incluir a Epidemia no background dos seus personagens. Eles obviamente não precisam ter sido afetados diretamente pelo flagelo, contudo é importante lembrar que a epidemia foi um dos grandes acontecimentos da época e repercutiu em todos que viveram ao longo dessa década. Supor que um indivíduo não foi afetado ainda que indiretamente pela Epidemia, é o mesmo que presumir que um habitante da França Ocupada ou da Alemanha Nazista, tenha passado pela Segunda Guerra Mundial sem "ver nada de estranho" em seus respectivos países.
Essa regra opcional, fornece diretrizes para que o Keeper/Guardião envolva os personagens de sua campanha no contexto da Epidemia que dizimou milhões de pessoas. Ela parte do pressuposto que as pessoas que vivenciaram essa época negra, tiveram suas vidas de alguma maneira afetadas pela experiência. Entretanto, a decisão final permanece nas mãos do Keeper (e claro, dos jogadores): a eles cabe decidir se desejam ou não adicionar um possível detalhe de tragédia ao seu histórico. É direito deles fazê-lo, ou simplesmente assumir que seus personagens tiveram a sorte de passar pela experiência sem maiores repercussões.
Através dessa regra opcional durante a criação dos personagens, fica em aberto para o jogador, decidir rolar uma tabela aleatória de possíveis acontecimentos relacionados à Epidemia de 1918. Se ele optar por não rolar a tabela, não deve haver sanção alguma ao jogador, contudo se ele o fizer, o Keeper deverá deixar claro que os resultados são IRREVOGÁVEIS, ou seja não poderão ser desconsiderados. Call of Cthulhu é um jogo que prima pelo detalhismo e pela trajetória dos personagens, não raramente esses indivíduos são pessoas calejadas por acontecimentos marcantes em suas vidas, o que só ajuda para o desenvolvimento de um bom roleplay.
Antes de apresentar a Tabela, falemos sobre como a Epidemia de Gripe Espanhola afetou o mundo.
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Não é exagero afirmar que o mundo mudou dramaticamente a forma de encarar a vida e a mortalidade após os dramáticos acontecimentos entre 1918 e 1919.
Parentes, vizinhos, amigos... um número assombroso de pessoas adoeceu e morreu em decorrência da epidemia mortal. Mesmo os que não foram diretamente afetados, é razoável supor que testemunharam os efeitos daninhos da epidemia corroendo o tecido social. Bastava sair às ruas para ver ambulâncias carregando doentes, assistir sepultamento coletivos e se deparar com o pavor estampado na face de todos... tudo isso fazia parte do dia a dia.
O mundo todo foi pego de surpresa pela epidemia. A saúde de todos estava em risco, o que fazia aflorar um sentimento crescente de paranoia. As Igrejas e Templos viviam cheios, pastores tentavam atrair os fiéis e confortá-los durante esse período de séria provação. Charlatães e curandeiros alardeavam a realização de milagres e alguns chegavam a afirmar que o "fim dos tempos" estava próximo.
Junto com o temor, sentimentos de racismo e xenofobia encontraram um terreno fértil para aflorar entre as pessoas. Estrangeiros eram vistos com desconfiança, tidos como causadores ou fomentadores de doenças trazidas de países exóticos e insalubres. O próprio termo "gripe espanhola" era pejorativo, referindo-se a um povo como causador da moléstia, ainda que tal acusação fosse injusta e absurda pois a doença não se originou no país ibérico. Em alguns países a epidemia foi chamada de "Gripe Turca" ou "Gripe africana".
A desconfiança generalizada impulsionou o surgimento de bairros e distritos exclusivos para estrangeiros (verdadeiros guetos) para concentração de pessoas vistas com reservas. Era uma forma de excluir aqueles que eram tidos como forasteiros e que ainda cultivavam "hábitos estranhos" de suas terras. Por muito tempo vigorou o rumor de que a gripe havia se originado entre populações de judeus - boato absurdo que foi propagado (e alimentado) até os anos 1940. Durante seus discursos racistas, Hitler chamava a Gripe Espanhola de "Mal Judaico". No Leste Europeu os ciganos achava-se que os ciganos haviam dado início a epidemia. No Oeste dos Estados Unidos os dedos foram apontados para nativos americanos.
Junto com o temor, sentimentos de racismo e xenofobia encontraram um terreno fértil para aflorar entre as pessoas. Estrangeiros eram vistos com desconfiança, tidos como causadores ou fomentadores de doenças trazidas de países exóticos e insalubres. O próprio termo "gripe espanhola" era pejorativo, referindo-se a um povo como causador da moléstia, ainda que tal acusação fosse injusta e absurda pois a doença não se originou no país ibérico. Em alguns países a epidemia foi chamada de "Gripe Turca" ou "Gripe africana".
"Tão perigoso quanto gás venenoso" diz o cartaz |
Medidas de profilaxia e higiene pessoal tornaram-se mais comuns. As pessoas lavavam as mãos compulsivamente e alguns evitavam o gesto de se cumprimentar. Havia um consenso de que as pessoas com boa higiene eram mais resistentes ao contágio. Sabonetes, talcos e cremes supostamente anti-bacterianos (de utilidade questionável) eram vendidos em todo canto. A indústria farmacêutica colocou à disposição da população um sortimento quase inesgotável de drogas para combater a gripe e seus efeitos. Vitaminas estavam no seu auge, estima-se que cada pessoa ao longo da década de 1920 consumia três vezes a dose necessária de vitamina C, diariamente. Termos como vírus, bactérias, septicemia e contágio se tornaram populares e corriqueiros entre a população.
Durante a epidemia, médicos, enfermeiras e profissionais de saúde foram socialmente excluídos. Havia a crença de que essas pessoas por terem estado em contato com doentes pudessem carregar o vírus dormente em seus corpos. Alguns estabelecimentos, como restaurantes e cinemas, se reservavam o direito de não servir indivíduos que sofreram com a doença ou que trabalharam próximo a pessoas convalescentes. Posteriormente, os mesmos profissionais passaram a receber agradecimentos e elogios pelo seu trabalho humanitário, em parte graças a um esforço civil para mudar a opinião pública.
Mesmo terminada a epidemia, qualquer sintoma da gripe era visto com temor. Pessoas que contraíam simples resfriados eram colocadas em quarentena compulsória por autoridades sanitárias dotadas de poder de polícia. Em São Francisco, por exemplo existiam brigadas de inspeção de saúde, que visitavam vizinhanças e recebiam denúncias de possíveis doentes. Algumas cidades, reservavam alas hospitalares inteiras, preparadas para receber uma nova leva de pacientes caso a gripe retornasse. Jornais sensacionalistas exploravam o medo da população e publicavam manchetes bombásticas sobre o surgimento de focos epidêmicos.
Até meados de 1925, era muito comum as pessoas levarem no bolso máscaras feitas de gaze para serem usadas em ambientes aglomerados. De fato, pessoas com máscaras tampando o rosto eram uma visão corriqueira, sobretudo nas grandes metrópoles. Mas para alguns isso não bastava! Quando o excedente de equipamento usado na Grande Guerra foi vendido para civis, máscaras de gás (do tipo usado nas trincheiras) se esgotaram rapidamente. Um jornal de Boston publicou em 1919 um artigo no qual sugeria que no futuro próximo, máscaras de gás seriam essenciais para qualquer pessoa que quisesse se proteger de doenças infecciosas. Várias empresas chegaram a produzir e vender esse artigo.
Até meados de 1925, era muito comum as pessoas levarem no bolso máscaras feitas de gaze para serem usadas em ambientes aglomerados. De fato, pessoas com máscaras tampando o rosto eram uma visão corriqueira, sobretudo nas grandes metrópoles. Mas para alguns isso não bastava! Quando o excedente de equipamento usado na Grande Guerra foi vendido para civis, máscaras de gás (do tipo usado nas trincheiras) se esgotaram rapidamente. Um jornal de Boston publicou em 1919 um artigo no qual sugeria que no futuro próximo, máscaras de gás seriam essenciais para qualquer pessoa que quisesse se proteger de doenças infecciosas. Várias empresas chegaram a produzir e vender esse artigo.
Teatros, circos, restaurantes e cinemas sofreram um grave revés nos anos de epidemia. Muitos estabelecimentos foram obrigados a fechar as suas portas em virtude de Leis proibindo aglomerações de pessoas em ambientes fechados. Artistas perderam seus empregos e tiveram de procurar outras carreiras. Charles Chaplin, chegou a cogitar outro trabalho quando a maioria dos teatros fecharam.
Em ordem de vítimas os países mais atingidos foram Estados Unidos, Japão, Itália, França, Reino Unido, México, Canadá, Austrália, Brasil, Argentina e Nova Zelândia.
Em ordem de vítimas os países mais atingidos foram Estados Unidos, Japão, Itália, França, Reino Unido, México, Canadá, Austrália, Brasil, Argentina e Nova Zelândia.
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Se os jogadores quiserem explorar as consequências da Gripe Espanhola no Background de seus personagens, aqui está uma tabela aleatória de possíveis acontecimentos. Note que há uma grande chance de nada acontecer com o personagem, nesse caso, nesse caso, ele terá passado pela experiência sem maiores problemas, como a maioria das pessoas que seguiram em frente com suas vidas.
Após criar o personagem role o d% e veja o resultado na tabela abaixo:
01 - O personagem foi afetado diretamente pela Gripe Espanhola. Ele contraiu o vírus e teve de passar um período de 1d4+2 meses convalescendo em algum hospital ou pavilhão médico. Ele teve de receber cuidados médicos e mais de uma vez foi desenganado. O personagem inicia o jogo com -2 pontos de CONstituição e com menos 2d4 pontos de SANIDADE pela sua experiência traumática. O investigador é familiarizado com morte, doença e sofrimento, testes de sanidade decorrentes desses efeitos são mais brandos (a critério do Guardião) em decorrência da experiência.
02 - O personagem contraiu a Gripe Espanhola e teve de ser mantido em isolamento por pelo menos 1d4 meses. Nesse período ele perdeu 1d6 pontos de sanidade. Seu personagem é familiarizado com morte, doença e sofrimento, testes de sanidade decorrentes desses efeitos são mais brandos (à critério do Guardião) em decorrência da experiência.
03 - O personagem contraiu a Gripe Espanhola, passou 1 mês em isolamento, perdendo 1d3 pontos de sanidade. Seu personagem é familiarizado com morte, doença e sofrimento, rolamentos de sanidade decorrentes desses efeitos são mais brandos (à critério do Guardião) em decorrência da experiência.
04-06 - Seu personagem contraiu a Gripe em uma modalidade mais fraca. Ele chegou a ser internado em um hospital para tratamento, mas não foi isolado por mais de alguns dias. Ele começa o jogo com 1d2 pontos menos de sanidade.
07-09 - A Família do seu personagem foi afetada diretamente pela Epidemia de Gripe Espanhola. Ele perdeu alguém próximo para a doença: Pai, Mãe, irmão, tio, noiva ou alguém mais que tivesse um elo ou relação familiar estabelecida. Isso pode custar 1d2 pontos de sanidade a critério do Guardião.
10-15 - Amigos ou Conhecidos próximos ao seu personagem foram afetados diretamente pela Gripe Espanhola. Guardião e jogador devem decidir quem foi (ou foram essas pessoas) e como a tragédia afetou o investigador.
16-18 - Seu personagem foi afetado financeiramente pela Gripe Espanhola. Por alguma razão seu trabalho, negócio ou patrimônio foram afetados. Seu personagem já teve um padrão de vida melhor (um nível acima do atual), mas este foi reduzido e ele ainda não se recuperou. Não é necessário fazer mudanças na ficha,apenas considere que o padrão de vida um dia foi mais elevado.
19-21 - Seu personagem esteve envolvido no esforço humanitário para auxiliar as vítimas da Epidemia. Fica ao critério do personagem e do Guardião definir como ele se envolveu - talvez ele tenha arregaçado as mangas e ajudado em um pavilhão hospitalar, mas é satisfatório que ele tenha publicamente feito doações para hospitais ou angariado fundos. Adicione 1d6 +6 pontos ao Credit Rating inicial de seu personagem.
22-23 - Seu personagem (se conveniente) estava no exterior na época em que a epidemia atingiu sua cidade natal. Ele não testemunhou o ápice da crise ou o auge da tragédia humana. Alguns de seus conterrâneos podem considerar que o personagem "fugiu" ou "abandonou" as pessoas. Isso pode acarretar algum ressentimento ou mesmo censura de outros moradores. Diminua seu Credit Rating Inicial em 1d6 pontos em sua cidade natal.
24-25 - Seu personagem foi afetado financeiramente pela Gripe Espanhola, mas ao contrário da maioria das pessoas, ele se favoreceu com a crise. Talvez ele tenha feito investimentos ou comprado ações de companhias farmacêuticas ou ainda recebido a herança de um tio ricaço que morreu de gripe. Seja lá o que aconteceu, seu personagem ascendeu para uma vida melhor. A maneira como ele encara esse benefício deve ser planejada por ele e Guardião. Não é necessário fazer alterações na ficha, presuma apenas que seu personagem tinha menos recursos do que detém atualmente.
26 - Seu personagem possui um parente próximo (pai, mãe, irmão) que foi afetado fisicamente pela doença. A pessoa em questão contraiu a Gripe Espanhola e apesar de ter sobrevivido, jamais se recobrou inteiramente ficando com sequelas físicas. Essa pessoa depende constantemente de você, ela precisa ser atendida em uma instituição de saúde e demanda cuidados especiais. Guardião e Jogador devem decidir quem é esse personagem.
27 - Seu personagem possui um parente próximo (pai, mãe, irmão) que foi afetado psicologicamente pela doença. A pessoa em questão contraiu a Gripe Espanhola e apesar de ter sobrevivido, jamais se recobrou ficando com sequelas psicológicas. Essa pessoa depende constantemente de você, ela precisa ser atendida em uma instituição mental e demanda cuidados especiais.
28 - Seu personagem esteve muito bem informado durante toda a epidemia. Ele lia compulsivamente manuais médicos, publicações e sabia perfeitamente como proceder caso fosse infectado. Talvez ele tenha cuidado pessoalmente de alguém ou auxiliado uma pessoa que não teve a mesma sorte. Seja como for, esse grau de informação lhe garantiu um conhecimento prático que acrescenta 1d6 +6 pontos iniciais na habilidade Medicina.
29 -30 - Seu personagem pressentindo os efeitos nocivos da Gripe, resolveu deixar a sua cidade natal por uma ou duas temporadas a fim de se isolar no interior. É sabido que cidades pequenas sofreram consideravelmente menos as agruras da Epidemia. Se esse for o caso, seu personagem pode escolher uma localidade onde ele se estabeleceu temporariamente. Guardião e Jogador devem decidir se esse tempo fora teve algum efeito na história do personagem. Se ele ficou dois anos fora pode ter perdido aulas ou seu emprego.
31-95 - Seu personagem passou incólume pela epidemia de Gripe Espanhola, ao menos, até onde tal coisa é possível. É claro ele testemunhou o pavor nas ruas, mas nem ele e nem seus entes queridos foram diretamente afetados. Ele tem direito aos 20 pontos para distribuir nas habilidades de sua escolha.
96-97 - Seu personagem passou incólume pela epidemia de Gripe Espanhola, ao menos, até onde tal coisa é possível. É claro ele testemunhou o pavor nas ruas, mas nem ele e nem seus entes queridos foram diretamente afetados. Ele tem direito aos 20 pontos para distribuir nas habilidades de sua escolha. Além disso, ele pode acrescentar mais 10 pontos em habilidades gerais em decorrência de ele passar um período absorto, lendo ou estudando por conta própria.
98 - Seu personagem passou incólume pela epidemia e demonstrou uma fortaleza mental invejável para suportar os períodos mais negros da crise. Talvez ele seja apenas alguém racional e prático, acrescente +2 pontos ao PODer inicial de seu personagem (máximo 18).
99 - Seu personagem passou incólume pela epidemia graças a sua perfeita saúde. De fato, seu personagem não precisou tomar precauções especiais. Talvez tenha sido apenas sorte, talvez ele tenha uma resistência acima da média. Seja como for, acrescente +2 pontos à CONstituição inicial de seu personagem (máximo 18).
00 - "Mente sã em corpo são". Seu personagem combina uma saúde invejável a uma determinação que lhe concedem +2 em PODer e CONstituição.
muito bacana a postagem... me lembrou as histórias da minha avó, ela tinha uns 12 anos quando a Espanhola chegou ao Rio de Janeiro. Durante um bom período as escolas fecharam e parte das atividades comerciais foram paralisadas. O pai dela era dentista e saía penas para comprar comida, os demais ficavam em casa. Quando ele chegava, esterilizava as mãos e o rosto com éter ou álcool, na rua as pessoas usavam as máscaras de gaze... Acho que a crise mais aguda durou uns 2 ou 3 meses, depois as coisas foram voltando ao normal, isso no Rio, é claro.
ResponderExcluirPra mim , é interessante a ideia de mostrar a reação de personagens fictícios à eventos do mundo real . Ajuda a tornar-los mais vivos , na minha opinião .
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