quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Cinema Tentacular: It Capítulo 2: Testemunhe o final de IT


Memória é algo curioso.

A memória é moldada não apenas pelo que de fato aconteceu, mas pelo que nós acreditamos e secretamente pelo que desejamos tivesse ocorrido. Lembranças podem sofrer alterações, a percepção muda, trechos  desaparecem, enquanto outros, convenientemente decidimos esquecer. Por vezes, uma versão fabricada se torna tão real que vira verdade.

Mas o que acontece quando memórias dolorosas, enterradas profundamente e evitadas à todo custo, são trazidas de volta?

É esse o questionamento que permeia IT - Capítulo Dois, filme que fecha a saga de Pennywise e do Clube dos Otários. O filme, baseado no romance de mesmo nome, escrito pelo mestre do horror Stephen King tem como foco as amargas lembranças dos protagonistas. Um grupo de amigos da infância, agora adultos, forçado a revisitar um pesadelo por eles esquecido. 


No primeiro IT, os personagens eram crianças confrontadas com uma entidade sobrenatural disfarçada de palhaço. Pennywise, uma criatura super-poderosa e faminta por emoções perseguia as crianças de Derry, uma pequena e assombrada cidade no Maine. Quando jovens, nos anos 1980, o grupo, que chamava a si mesmos de "Otários" (Loosers), se juntou para enfrentar a aterrorizante ameaça. Eles conseguiram fazer com que o palhaço voltasse para as profundezas, mas sabiam que ele 0poderia voltar. Por isso, prometeram que se um dia a ameaça ressurgisse, estariam lá para enfrentá-la. Pois bem, 27 anos depois, a coisa está de volta, disposta a fazer novas vítimas.

O que torna essa segunda parte de IT interessante é a forma como o Clube dos Otários encara o peso de sua promessa. Diante da perspectiva de voltar a Derry, reencontrar os antigos amigos e talvez morrer enfrentando o terror de sua infância, eles reagem como qualquer outra pessoa reagiria: querem dar o fora!

O único dos Otários que continua vivendo em Derry é Mike Hanlon (Isaiah Mustapha) que se tornou bibliotecário e Guardião dos acontecimentos ocorridos 27 anos atrás. Ele se mantém alerta para o caso de Pennywise voltar a atacar e em seu zelo se torna obcecado por essa possibilidade preparando-se para a batalha final reunindo todas informações sobre o passado de Derry. Quando um ataque homofóbico resulta em uma assassinato brutal, ele sabe que chegou o momento pelo qual tanto temia - a Criatura está de volta!


Mike não foi o único afetado pelo encontro com Pennywise, todos seus colegas carregam cicatrizes. Contudo, eles deixaram a cidade e a distância de Derry se encarregou de apagar de suas mentes os detalhes. É por isso que, quando Mike os contata querendo saber se eles estão dispostos a cumprir a promessa feita, eles tem apenas uma vaga lembrança do que diabos ele está falando.

Todos seguiram adiante com suas vidas. Ben (Jay Ryan) deixou para trás o peso e se tornou um bem sucedido arquiteto, ainda atormentado pelo violento bullying que sofria. Eddie (James Ransone) se tornou um adulto tenso e assustado com o mundo ao seu redor. Bill (James McAvoy) encontrou sucesso como escritor, mas jamais esqueceu a perda de seu irmão caçula, Georgie. Richie (Bill Hader) é um comediante de stand-up comedy bem sucedido, mas que guarda segredos pessoais. Stanley (Andy Bean) tem uma vida confortável, mas reage com pavor a mera menção de Derry. Finalmente Beverly (Jessica Chastain) vive sufocada em um casamento abusivo, numa relação semelhante a que vivia com seu pai. 


Os personagens são apresentados rapidamente, tornando fácil associar cada um deles a sua contra-parte infantil. Para ajudar nessa transição há flashbacks que mostram o que aconteceu depois da monumental batalha com Pennywise na Casa da Rua Neibold. O filme se move de forma rápida, com o grupo tentando reencontrar seu caminho, e embora tenha quase três horas de duração, é difícil se sentir cansado. Há momentos sentimentais que ajudam a forjar novamente a união dos otários e trechos de horror muito bem construídos.

O roteiro consegue trabalhar alguns detalhes do livro e se esquivar de partes polêmicas. Nessa versão os Otários precisam se preparar para a Batalha final, seguindo o plano de Mike que envolve a realização do Ritual de Chüd, um tipo de cerimônia indígena. Antes porém, eles devem sacrificar algo importante em suas vidas. Isso envolve uma espécie de catarse, na qual os adultos se reconectam com suas memórias e resgatam artefatos de sua infância. O primeiro arco do filme envolve essa jornada particular de cada personagem, enfrentando traumas e encontrando Pennywise face a face. O monstro está ciente da volta dos seus antigos inimigos e preparou para cada um deles suas "boas vindas". As sequências variam de intensidade, mas cada um dos personagens tem a sua oportunidade de brilhar lidando com culpa, vergonha, medo e desejo. Dignas de nota são as cenas de James McAvvoy, com a participação especial de Stephen King e a de Jessica Chastain que não perde em intensidade, embora tenha sido parcialmente divulgada no trailer. 


O terror de It - Capítulo 2 segue a mesma premissa do filme anterior, com aparições cada vez mais violentas do palhaço, assumindo diferentes formas para aterrorizar os Otários. Isso inclui uma série de referências a outros filmes de horror (sendo a melhor delas um trecho sensacional homenageando o clássico The Thing de 1982).

Infelizmente, fica a impressão de que os sustos do primeiro filme foram mais eficientes do que na sequência. IT Capítulo 2 recorre muito mais a coisas nojentas e asquerosas do que assustadoras, o que diminui um pouco o impacto.

O Pennywise de Bill Skarsgard continua flutuando como seus balões vermelhos de uma cena para outra, embora de alguma forma ele não pareça tão ameaçador quanto no primeiro filme. Skarsgard conserva seus truques e a aura surreal, mas o fato dele sempre estar prestes a liquidar suas vítimas, e na última hora permitir que elas fujam, quase coloca tudo a perder. Pennywise ainda é um personagem interessante e o ator pode se orgulhar de ter criado um ícone do horror com seus olhos tortos e baba, mas sua superexposição acaba sendo prejudicial ao andamento do filme.  


Há bons momentos, como a perseguição no Parque de Diversões na sala dos espelhos e a sequência no restaurante chinês, no geral, contudo, os ataques do palhaço começam a ficar um pouco repetitivos. Existe também um excesso de piadinhas de alívio cômico que soam fora de lugar quando o que você espera é pavor em doses alucinantes. Não que IT não seja impressionante; há cenas fantásticas alimentadas por CGI, mas as piadas acabam dissipando rapidamente a tensão que o filme consegue construir. 

O elenco adulto dá conta do recado, Chastain, Hader e McAvvoy se destacam, ainda que os atores jovens tenham se saído melhor criando um vínculo convincente entre os personagens. O elo entre os personagens adultos soa um pouco forçado. Em alguns momentos, a impressão é que o elenco infantil dispunha de maior cumplicidade, tanto que as melhores cenas dos adultos recorrem a nostalgia. Talvez se o roteiro cavasse mais fundo em seus traumas e deixasse de lado as gracinhas, o resultado fosse mais interessante.

De toda forma, It  - Capítulo 2 amarra as pontas soltas com uma conclusão se não sensacional, perfeitamente satisfatória e que vai agradar os fãs. Há diferenças fundamentais em relação ao livro, que tem um final muito mais apoteótico, mas ainda assim o filme consegue se manter fiel ao seu espírito, apesar de, em alguns momentos, balançar na corda bamba.

Trailer:



Poster:



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