sexta-feira, 10 de abril de 2020

Nyarlathotep, o Caos Rastejante - Alma e Coração dos Deuses Exteriores


"E onde Nyarlathotep ia, o sossego desaparecia, 
pois as primeiras horas da manhã eram rasgadas pelos gritos de pesadelo".

H.P. Lovecraft

Entre os Seres de maior poder na vastidão do Cosmos se encontram os Deuses Exteriores, entidades que representam alguns dos princípios universais que regem  o universo.

A maioria destes seres são insondáveis em seus motivos e razões. A mente humana, afinal de contas, é incapaz de apreciar sua grandiosidade. Azathoth, Yog-Sothoth, Shub-Niggurah e muitos outros são nomes que conjuram horror no coração do homem, mas nenhum deles se aproxima de Nyarlathotep no que diz respeito ao alcance e importância.

Diferente de todos os outros Deuses Exteriores, Nyarlathotep sempre se encontra próximo e acessível. Ao erguer os olhos para os céus em adoração, ao se deixar dominar pelo absoluto desespero, ao sentir os dedos gotejantes da insanidade tocar a mente, o homem é capaz de ouvi-lo sussurrando suas promessas. Há uma espécie de comunhão. Ele é nosso companheiro na jornada existencial e se um dia os enigmas de toda criação nos forem revelados, estes serão proferidos pelos seus lábios.  

O Caos Rastejante

O Poderoso Mensageiro. 

A Alma e Coração dos Deuses.

Nyarlathotep representa a consciência perdida dos Deuses Exteriores. Ele é o espírito daqueles colossos cegos e idiotas, que não tem noção de seu próprio poder. Nyarlathotep é quem supre as Cortes superiores, fazendo as vezes de agente da vontade do grande Azathoth. O Sátrapa que atende sua vontade e canaliza seus poderes. Segundo alguns teóricos do Mythos, o Caos Rastejante seria a personificação das faculdades mentais e telepáticas dos Deuses, arrancadas de seus corpos e reunidas em um único ser.


No tétrico compêndio chamado Necronomicom, Abdul Al-Hazred reputa a Nyarlathotep o papel de Grão-Vizir da Corte Mefítica, tamanha sua importância. Sem sua intercessão, as forças primais perderiam o controle e os pilares do universo sofreriam danos irreparáveis. Desabariam sobre si mesmos, rasgando todo o tecido da realidade e arruinando o universo em sua totalidade. "Ironicamente, sem Nyarlathotep, o Caos Rastejante, a Ordem do Universo se fragmentaria", sublinha um trecho do livro blasfemo.

Acredita-se que Nyarlathotep habite algum plano metafísico próximo da Corte de Azathoth, talvez uma dimensão ou possivelmente o espaço inter-dimensional adjacente ao Centro do Universo. Ele é capaz de pressentir as menores necessidades dos Deuses e em um átimo, se teleporta para a Corte afim de aquiescer e cumprir com sua vontade. Esse papel não é de submissão, Nyarlathotep não é um servo e sim um Arauto investido com a chancela dos Deuses Exteriores. O que ele decide, está decidido, em nome das forças primais da existência.  

Se um planeta deve morrer, se uma realidade precisa se desfazer, se uma estrela há de se extinguir ou nascer, é Nyarlathotep quem providencia para que isso ocorra. Se as sementes dos Grandes Antigos precisam fertilizar algum recanto do universo, é ele quem as lança, planta e colhe. Tamanha é sua autoridade que nenhum outro Deus ousaria ficar em seu caminho. Nem mesmo Yog-Sothoth que representa o Tempo/Espaço ou mesmo Shub-Niggurath que personifica o Ciclo da Vida, podem se interpor diante de Nyarlathotep quando ele está cumprido alguma missão. Seu acesso aos caminhos do espaço e tempo são irrestritos, bem como sua autoridade sobre a vida e a morte.

O Caos Rastejante segundo alguns também cumpre o papel de intermediário entre os Grandes Antigos. Cabe a ele ouvir, pesar e decidir. Como uma espécie de mediador, sua função é resolver contendas com um poder de decisão irrevogável. Ao longo das eras, mais de um Grande Antigo foi extirpado da existência, simplesmente por afrontar o julgamento de Nyarlathotep. Suas relações com os Grandes Antigos podem variar enormemente, espelhando respeito, amizade ou amarga rivalidade. Cthugha, a Chama Viva que arde na estrela de Formauhaut é um inimigo declarado, Hastur é tratado como um valoroso aliado, enquanto o Grande Cthulhu mantém com Ele uma relação de neutralidade tácita. Quando Nyarlathotep é convocado para uma disputa, é impossível prever as consequências do seu envolvimento.


Alguns Cultos assumem que Nyarlathotep também faz as vezes de mensageiro entre os mortais e os Grandes Antigos. Isso ocorre em face de uma antiga crença de que os primeiros cultos surgiram graças a Nyarlathotep. Teria sido ele quem apresentou os Deuses para a humanidade. Ele teria estabelecido a ponte entre o inconsciente coletivo humano, instalando nele a necessidade de crer em forças superioras. Os Mi-Go possuem em seu complexo sistema de crenças um fundamento bastante semelhante, através do qual seus deuses teriam sido trazidos a eles por intermédio do Caos Rastejante. Os Yithianos, por sua vez, ainda que puramente lógicos, acreditam que quando lançaram sua mente através do tempo pela primeira vez, contataram o Mensageiro e este foi responsável por mostrar a eles a extensão do universo. Por sua influência, Nyarlathotep é conhecido e temido por todas as espécies do Mythos, e ocasionalmente exige coisas delas.

A característica que diferencia Nyarlathotep de qualquer outra entidade do Mythos diz respeito ao seu interesse por formas de vida inferiores. Enquanto é comum todas as divindades cósmicas compartilharem de uma inerente indiferença para com as formas de vida menores, Nyarlathotep demonstra para com estas algo que pode ser compreendido como curiosidade. Algo na simplicidade e dessas criaturas o fascina a ponto Dele desejar compreendê-las mais à fundo, passar com elas tempo e explorar suas possibilidades. O contato, entretanto, raramente é benéfico. A atenção de Nyarlathotep é uma maldição, pois seu envolvimento geralmente acarreta em revez, tragédia e pesar. Como um cientista se debruçando sobre a dinâmica de uma colônia de cupins ou de um formigueiro, Nyarlathotep busca respostas para suas perguntas, empregando testes que o satisfaçam. Ele pode criar situações e introduzir elementos que conduzem à extinção das formas de vida observadas, apenas para saber como elas reagem diante de determinado cenário. 

A devoção de Nyarlathotep em buscar outras formas de vida o levou a explorar os recantos mais distantes do universo, sempre a procura de algo que possa atrair sua atenção. Vasculhando essa vastidão, ele obviamente teve um vislumbre da humanidade, e à ela, devotou especial interesse.

Além de ter despertado na mente humana a fagulha que conduziu à reverência de entidades portentosas invisíveis, o próprio Nyarlathotep decidiu se apresentar como um Deus a ser venerado em nosso planeta. Para isso, ele assumiu incontáveis formas através de avatares, cada qual adaptado aos anseios e desejos de diferentes povos e tradições. Cada um deles, é um disfarce, uma Máscara, atrás da qual ele se oculta para promover seus experimentos e tirar suas conclusões. Muitos deuses e divindades do passado humano, honrados com sacrifícios e celebrações, por intermédio de rituais e festividades, não são outro senão aspectos do Caos Rastejante disfarçado. São tantas formas diferentes que os cronistas do Mythos atribuíram a Nyarlahotep 999 faces pelas quais ele se manifesta quando é de sua conveniência.


Diferentes povos e civilizações conheceram Nyarlathotep através desses disfarces e diante dele se curvaram em adoração. Por vezes, o Caos obteve as respostas que desejava e simplesmente permitiu que seus avatares se apagassem da existência, caindo no esquecimento, mas em outras oportunidades ele nutriu o interesse humano e renovou os laços com seus cultistas através de milagres e portentos. Nas pirâmides astecas ele se apresentou como Tezcatlipoca, assim como foi Thoth e Set para os Antigos Egípcios, representou o papel de inúmeras divindades solares no oriente, foi muitos deuses no sub-continente indiano, ocupou o Monte Olimpo como o tempestuoso Zeus dos helênicos, vestiu-se como o Homem Verde dos Celtas, incorporou o severo Odin dos Nórdicos e assumiu outras tantas identidades divinas ao longo das eras. 

O célebre Ludwig Prinn em seu De Vermiis Mysteriis o chamou de "Olho que tudo vê", aquele que determina o caminho da civilização e a encoraja a dar os passos que a levarão até sua destruição.  Mesmo hoje, em tempos mais cínicos, Nyarlathotep ainda mantém muitas de suas máscaras, a maioria delas reverenciadas por seus seguidores. Algumas destas crenças progrediram até se tornarem religiões e como tal se difundiram por todos os continentes. São crenças quintessenciais que guiam e arregimentam milhões de seguidores. A Lenda de Nospey, uma fábula que relaciona o Caos com os dogmas do Cristianismo foi responsável por muitas discussões ao longo dos séculos. Não há como saber ao certo quais deuses são aspectos do Caos Rastejante e essa talvez seja sua maior pilhéria com a humanidade.

É certo afirmar que cultos devotados ao Deus Exterior ainda proliferam no submundo, escondidos nas sombras e praticados na calada da noite. Eles atraem almas perdidas e desesperadas que vêem nessas congregações blasfemas a resposta para suas aflições. Nyarlathotep abraça à todos sem distinção, adula e consola, oferece cura e perdão, ao menos até perder o interesse por estes seres cuja existência lhe é irrisória. A seguir, ele consome estas mesmas almas sem qualquer piedade. Sua atenção é transitória, como uma criança vã que perde o interesse por brinquedos usados e os lança no esquecimento assim que encontra outro que lhe pareça mais atraente.


Em tempos mais recentes, Nyarlathotep parece ter demonstrado interesse em explorar outras áreas além da fé humana, estendendo sua influência através do campo do ateísmo, materialismo e outras correntes filosóficas. Ele plantou ideias e deixou que estas povoassem a mente de profetas e pensadores, dando início a regimes e doutrinas. Em sua busca, ele se apresentou ainda como um promotor da ciência, da tecnologia, da descoberta e do progresso. De tempos em tempos, ele oferece à pessoas selecionadas algum portento. Assim como no passado oferecia magias e dádivas místicas aos seus seguidores, agora concede máquinas e tecnologia avançada. Com esses presentes, Nyarlathotep fomenta transformações na estrutura da sociedade e observa as repercussões com renovado interesse. O saber que nos permite gerar energia, compreender o funcionamento do universo e partir o átomo provavelmente se devem à influência de Nyarlathotep. 

Não por acaso, muitas dessas intromissões nos levaram a um passo da extinção. Os presentes concedidos pelo Caos Rastejante invariavelmente trazem loucura para aqueles que os detém. Nyarlathotep tem imenso prazer em assistir essas vítimas destruírem a si próprias e aos que estão ao seu redor. Entretanto, ele não busca somente a morte e a destruição, pois a loucura e a perdição são um desfecho muito mais satisfatório. Seu interesse na raça humana pode ser descrito como peculiar. Há algo em nosso espírito que o agrada.

Alguns teóricos supõem que essa afinidade se deve ao fato de Nyarlathotep ter, de alguma forma, nos moldado, fazendo com que sejamos para ele especialmente maleáveis e suscetíveis à sua vontade. Talvez isso demonstre também por que ele se sente tão à vontade em usar disfarces que tem a forma humana. Nenhum outro Deus demonstra prazer em andar entre os homens, visitá-los e observar o que fazem. Mais prazer ainda ele obtém ao perverter, ludibriar e enganar os humanos com promessas vazias que levam à obliteração. Não é por acaso que muitas religiões e crenças reputam a avatares de Nyarlathotep a face do engodo, da zombaria e, é claro, da maldade. O mesmo Ludwig Prinn cogitou que o conceito do demônio judaico-cristão teve como base o Caos Rastejante. 


O experimento com a raça humana ainda parece entreter Nyarlathotep e talvez seja apenas isso que impediu nossa aniquilação em momentos cruciais da história. Ainda que pragas, desastres naturais, guerras e genocídio tenham um dedo do Deus, nenhuma dessas tragédias se provou permanente... ao menos até agora.  Na aurora de uma nova era quem pode dizer quanto tempo ainda temos?

Seja lá qual for a resposta, não resta dúvida de que será o Caos Rastejante quem no final dos tempos causará nossa completa destruição. Inúmeras profecias, muitas das quais escritas em livros profanos, estabelecem que Nyarlathotep surgirá nos dias finais da humanidade, "vestido de vermelho, conduzindo bestas selvagens que lamberão suas mãos". O Caos Rastejante visitará as maiores cidades erguidas pelo homem, fazendo incríveis demonstrações de ciência comparáveis a magia. Então, tremores serão sentidos nas cidades e a humanidade será sufocada por genocídio, guerra, doença e sofrimento sem igual. Quando Nyarlathotep decidir encerrar seu experimento na Terra, nada restará da humanidade e do mundo como conhecemos a não ser cinzas e um imenso cemitério. 

Em mais de uma ocasião, ele sinalizou com essa data crucial, conclamando os seus servos ao redor do globo a pavimentar o caminho que conduz ao apocalipse. Por pouco, seus planos não se tornaram realidade e se tal coisa não aconteceu foi por obra do acaso ou por um desejo dele próprio de sabotar os resultados e estender o experimento. É cogitado, entretanto que o Deus está se tornando cada vez mais cansado da humanidade e que a data fatal possa estar em breve sobre nós.

4 comentários:

  1. O cristianismo nesse mesmo pensamento dos mitos também foi ou pode ter sido criado por nyarla...ou o deus dos cristoes existe nessa mitologia conflitando contra criaturas como o próprio nyarla?

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    1. Amigo, poderia ser criada por ele sim, mas vou te dar uma dica como mestre, player e cristão...
      Não "force" isso na sua mesa, os cultistas ou entidades podem falar isso, mas deixe para seus players a interpretação se acreditam, da muito mais imersão, testa a fé e da bons ganchos de história.
      Abraços

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  2. Baita texto, galera. Parabéns pelo trabalho. Deve ter dado bastante trabalho a pesquisa. Saibam que cada tempo investido foi de grande importância. Continuem assim

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