quarta-feira, 28 de julho de 2010

Nevasca Negra - Tempestades de Areia varrem a América dos anos 30



"O dia de repente se tornou noite, era como uma parede escura no horizonte ocultando o sol. E de uma hora para outra tudo ficou escuro e coberto de poeira".

No início da década de 30 um fenômeno climático de proporções catastróficas atingiu as grandes pradarias no coração dos Estados Unidos. As chamadas Nevascas Negras (Black Blizzards) eram de fato tempestades de areia colossais que espalharam o caos e o desespero por onde passaram.

As Nevascas atingiram com maior intensidade a região centro oeste dos Estados Unidos, mas seus efeitos puderam ser sentidos até a Costa Leste. A área ocupada pelos Estados mais afetados passou a ser conhecida como Dust Bowl (bacia de poeira), eram eles o norte do Texas, Oklahoma, Novo Mexico, Colorado e Kansas.

O fenômeno foi resultado direto da ação do homem sobre o ambiente. As pradarias do oeste americano a partir da metade do século XIX começaram a ser ocupadas por famílias que recorriam a agricultura. A área que originalmente era um deserto semi-árido passou a ser cultivada e grandes fazendas tomaram conta da paisagem. Por algum tempo, as fazendas prosperaram. As South Plains eram um verdadeiro paraíso com uma vasta paisagem verdejante coberta de campos de plantio. A abundância trouxe a prosperidade e atraiu um fluxo cada vez maior de imigrantes interessados em se estabelecer e desfrutar daquela terra prometida. No início do século XX, as fazendas cobriam toda a paisagem.

Mas esse período de prosperidade não iria durar para sempre. Ele fazia parte de um ciclo de chuvas abundantes que estava chegando ao fim. No verão de 1930, uma severa seca atingiu toda a região. Os campos já preparados para o plantio ficassem secos e as plantações morreram. Pior do que isso, o solo sofreu uma gradual erosão pelo vento e foi cozido pelo sol causticante.

A seca transformou o solo antes fértil em uma camada fina de poeira negra semelhante a farinha ou pó de gesso. Quilômetros e mais quilômetros de campos cobertos de poeira. Quando o vento soprou sobre esses campos, a poeira acumulada se levantou formando enormes nuvens negras que viajavam velozmente pelas pradarias engolindo tudo em seu caminho.

"Era horrível!" recorda Will Bryce, sobrevivente da Nevasca Negra que vivia no estado do Kansas em 1934, "As nuvens de poeira se moviam com enorme velocidade e às vezes você não tinha tempo nem de se proteger. Tudo o que você podia fazer quando uma nuvem aparecia era correr para dentro de um abrigo e rezar para que ela passasse logo". Bryce teve sorte, em 1934 ele tinha 12 anos e lembra perfeitamente da fúria da Nevasca Negra que cobriu Kansas City. Seu irmão Arnie não teve a mesma sorte, ele morreu em decorrência de complicações pulmonares causadas pela poeira.As tempestades sopravam continuamente, arremessando toneladas de poeira para a atmosfera do planeta. As nuvens viajavam a uma velocidade de 200 km/h, crescendo a medida que engoliam fazendas e plantações. As South Plains foram varridas, o trabalho de décadas arruinado em poucas horas.

As maiores nuvens podiam atingir dimensões colossais com milhas de extensão e centenas de metros de altura. A nevasca composta de poeira fina encobria tudo, reduzindo a visibilidade a pouco mais de um metro. Cidades engolidas pela nevasca eram cobertas de areia e poeira que entrava por frestas e se depositava em cada canto: nos quartos, sobre os pratos, na comida, na água. "Era preciso usar uma pá para conseguir sair de casa". Os campos verdes haviam se tornado cinzentos e estéreis.

Animais foram os primeiros a sentir os efeitos das nevascas, as fazendas pecuárias foram completamente devastadas. O gado morria sufocado com a poeira. Mas ninguém foi mais afetado que os pequenos produtores que viviam no coração do Dust Bowl. A devastação foi inacreditável, fazendas inteiras cobertas pela poeira e as plantações já minguadas arruinadas. Já sob o efeito da Grande Depressão econômica instalada a partir de 1929, o impacto foi acentuado levando inúmeras famílias à bancarrota.

"Nós perdemos tudo! Tivemos de mudar de vida e partir de nossas terras". relembrou Clela Schmidt que enfrentou as nevascas na fazenda de seus pais em Spearman, Texas. Sua família não foi a única que teve de abandonar o Dust Bowl, mais de 500 mil pessoas ficaram desabrigadas em decorrência do fenômeno. Ele também foi responsável pelo maior êxodo da história dos Estados Unidos, entre 1931 e 1935 quando mais de 2,5 milhões de pessoas fugiram da área afetada.

A princípio as pessoas acreditavam que as tempestades seriam passageiras, mas elas prosseguiram sem parar ao longo de metade da década de 30. Seus efeitos continuaram sendo sentidos até o início dos anos 40. Muitas pessoas jamais se recuperaram: a poeira das nevascas foi responsável pelo surgimento de doenças. Alergias e irritações de pele eram bastante comuns. Pessoas cegadas temporaria e permanentemente pela poeira também somavam milhares. Mas nada era mais perigoso que a Pneumonia do Dust Bowl. A poeira aspirada se alojava nos pulmões e muitas vezes acabava se solidificando em pedras, o resultado: falência respiratória crônica. A morte era lenta e agonizante a medida que a vítima sufocava e tossia sem parar.

Para se proteger das nevascas as pessoas se valiam de receitas caseiras, como vedar janelas e batentes com gaze molhada misturada com cimento. Na região do Dust Bowl as pessoas costumavam usar panos na face ou "máscaras de poeira" para escapar da substância irritante que entrava nos olhos, nariz e boca. O governo federal reaproveitou estoques de máscaras usadas na Grande Guerra e distribuiu milhões de kits para os habitantes.

"Em meu aniversário de 10 anos, quando recebi de presente uma máscara de gás, igual às que os soldados usavam na Guerra", recordou-se Will Bryce. "Era uma coisa assustadora feita de borracha, mas ao menos ajudava a respirar!". Muitas pessoas usavam máscaras diariamente desde a hora que acordavam até a hora de dormir, as retirando apenas para comer.

Pessoas colhidas em meio a tempestades de areia corriam sério risco. Viajar pelas estradas do Dust Bowl era uma aventura, pois ninguém sabia quando apareceria uma Nevasca Negra. As grandes nuvens podiam se formar com assustadora rapidez e pegar as pessoas de surpresa. Cidades menores nos arredores do Dust Bowl possuíam rudimentares estações de observação que noticiavam quando uma nuvem era vista. Com um pouco de sorte, o observador conseguia soar um alarme e as pessoas corriam para suas casas a fim de se proteger.

"Eu me recordo de um homem que desapareceu no meio de uma Nevasca Negra, era um comerciante local, ele foi arrastado e soterrado pela tempestade". comentou a sra. Schmidt. "O carro dele quando foi encontrado estava quase todo coberto de terra".

Não existe uma estimativa de quantas pessoas morreram em decorrência das tempestades, mas levando-se em conta que várias cidades foram literalmente soterradas, o número deve ser alto.

Cidades inteiras eram fustigadas pelas tempestades e seus habitantes não podiam fazer nada a não ser se esconder e esperar. Algumas tempestades podiam terminar rapidamente devolvendo as pessoas aos seus afazeres diários, outras podiam durar horas... ou dias.

Em março de 1932, os habitantes de Kansas enfrentaram 20 dias consecutivos de tempestade e escuridão. O ano de 1933, contabilizou 193 dias de tempestade. A tempestade podia bloquear o sol e fazer com que a temperatura caíssem até 40 graus Farenheit em apenas uma hora.

Em 14 de Abril de 1935, o Dust Bowl experimentou a sua maior provação. O dia que ficou conhecido como Black Sunday (Domingo Negro) começou bonito e com um sol agradável que motivou as pessoas a sair de suas casas. Muitos resolveram fazer picnics ou visitar parentes e amigos. Mal sabiam que mais de 20 tempestades estavam prestes a se formar simultâneamente na mais forte tempestade da época.

As primeiras nuvens foram avistadas ao meio dia e rapidamente os ventos começaram a varrer a região erguendo uma quantidade de poeira capaz de preencher o equivalente a 50 estádios dos Yankees de Nova York (uma arena para 70 mil espectadores). As pessoas fugiam e se refugiavam em celeiros, carros e porões. Aqueles que foram colhidos pela tempestade experimentaram um verdadeiro inferno na Terra. Muitos desapareceram...

O violência dessa tempestade foi tamanha que dois dias depois as nuvens atingiram a costa leste do país e as cidades de Chicago, Nova York e a capital do país Washington D.C. Na Nova Inglaterra areia vermelha de Oklahoma caia do céu como se fosse flocos de milho. Ironicamente foi só a partir dos eventos do Domingo Negro que a situação catastrófica dos habitantes do Dust Bowl começou a chamar a atenção do restante do país.

Nessa época a miséria e a fome já se espalhava como uma epidemia pelo meio oeste americano cada vez mais abandonado pelos habitantes originais. Muitos jornalistas cobriram o fenômeno e foram responsáveis por fotografias inacreditáveis que demonstravam as dimensões da catástrofe. Poucos relatos foram mais fiéis que o clássico romance "As Vinhas da Ira" de John Steinbeck, a respeito de uma família diretamente afetada pela Nevasca Negra.

A administração do presidente Franklin Delano Roosevelt instituiu um programa emergencial de socorro para as famílias na área da tragédia. O programa também previa o remanejamento da população das áreas críticas para outras menos afetadas e o início de um programa pioneiro para conservação do solo.

No início dos anos 1940, as Nevascas Negras finalmente começaram a perder força. Foram necessários dez anos para que a natureza reparasse os danos sofridos pelo solo. Os anos 40 também foram de superação, com o fim da Grande Depressão. O Programa New Deal de Roosevelt buscou ensinar aos fazendeiros técnicas para prevenir a erosão do solo a partir de rotação dos campos e irrigação adequada.

A lição do Dust Bowl, no entanto, jamais foi esquecida. Nas palavras de Will Bryce: "Foi uma época difícil, de incerteza e desespero. Muitos diziam que era o fim do mundo e como não acreditar? Quando o dia vira noite, você sente um medo profundo e acredita que a esperança se foi... em um mar de poeira".

13 comentários:

  1. A série Carnivàle, que infelizmente teve apenas duas temporadas, trata com propriedade de diversos dos aspectos do período abordado no texto. Ainda que a temática não seja a dos Mitos, pode fornecer muitas idéias para narradores e jogadores.

    http://www.imdb.com/title/tt0319969/

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  2. Carnivàle foi uma grande série. Uma pena o formato dela não ter sido um sucesso de público.

    O tema era excelente, a luta do bem contra o mal nos anos negros da depressão.

    Um dos episódios da primeira temporada tinha o título Black Blizzard e mostra como era viver sob a mercê dessas tempestades. O primeiro episódio também mostra os efeitos da tempestade sobre as fazendas do Dust Bowl

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  3. Caramba, ia comentar sobre Carnivale. Realmente é uma série fantástica, tanto para dar o clima dos Estados Unidos dos anos 30 quanto para idéias (Que acabei usando algumas vezes referencias nas minhas histórias).

    Um Ep em especial Black Blizzard (S1 - Ep4) É a primeira vezes que a tempestade pega um dos personagens.

    Vale procurar a box das temporadas ou baixar em algum lugar.

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  4. Caramba... Alguém escrevia a mesma coisa que eu... Só demorei pra publicar. - Happens

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  5. Legal!

    Vou ver se escrevo uma resenha de Carnivàle e coloco aqui alguns comentários.

    A série era muito boa, pena ter acabado apenas na segunda temporadaque acabou sendo corrida demais para dar o fechamento.

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  6. Realmente muito inspirador

    Fantástico!!!

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  7. Agora relembrando... Acho que uma vez discutimos Carnivalé em algum dos post da comunidade.... Mas faz tanto tempo que não tenho tempo pra aparecer por lá...

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  8. Ainda não vi Carnivale, mas agora fiquei curioso. Excelente artigo; nada é tão aterrorizante como o mundo real!

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  9. O artigo sobre Carnivalè está quase pronto.

    Entra ao longo dessa semana. Grande série!

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  10. É assustador imaginar o que estas pessoas passavam e claro, podemos traçar paralelos com as trajédias da Região Serrana do Rio de Janeiro. O que mais me intriga e claro, multiplica o problema, é o tempo pelos quais estas tempestades duravam!

    Incrível mesmo!

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  11. No século 19, além de tempestades de areia, as secas criaram gigantescos enxames de gafanhotos, de espécie hoje extinta, que infestaram o oeste americano.

    Em 1875, é dito que um enxame de 3,5 trilhões de insetos cobriu os céus de vários estados americanos.

    Referências abaixo:
    http://www.ldeo.columbia.edu/res/div/ocp/drought/nineteenth.shtml

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  12. O Canal History passou um documentario sobre esse fenomeno, e as diversas pragas que vieram junto com as tempestades, com os coelhos que destruiam o pouco que eles conseguiam plantar, e as corente estatica.
    Achei bem interessante essa série vou procurar

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  13. Fascinante Documentário. Nos faz refletir: Meio Ambiente as interações, e o papel do homem, suas ambições, até onde vai para saciar seus interesses.
    Parabéns, vale a pena assistir!

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