segunda-feira, 9 de agosto de 2010

The Realm of Shadows - Uma campanha da Pagan Publishing para os anos 40

Por Clayton Mamedes

Sempre é complicado escrever sobre um livro de aventura ou campanha. Eu fico receoso em revelar informações em demasia, estragando a diversão de potenciais jogadores. E também fico preocupado em falar de modo superficial demais, escondendo as verdadeiras qualidades da obra. Por este motivo, este texto não será focado em uma resenha de The Realm of Shadows, mas sim uma espécie de relato de opinião pessoal, contendo as impressões que tive ao mestrar esta campanha em meados de 1999. Tentarei acertar na dose de “revelações”.

The Realm of Shadows é mais uma campanha para Call of Cthulhu feita pela sempre competente Pagan Publishing. Mas não é somente mais uma. The Realm of Shadows sai do lugar comum por três principais motivos: o período em que ocorre, os locais que são visitados e o objetivo final.

A aventura ocupa um período compreendido no final da década de 30, começo dos anos 40, já com a tensão da Segunda Guerra marcando uma forte presença. Está época intermediária entre as datas mais comuns para jogos de Call of Cthulhu traz consigo alguns avanços em transporte, comunicações e armamento, porém estes benefícios podem ser utilizados também pelos antagonistas, obviamente.

Em sua trama principal, The Realm of Shadows lida com a ameaça de um culto aos mortos, aqui representado por uma seita com adoração a Mordiggian, o Deus da Carniça, juntamente com os seus seguidores, os ghouls. Durante o desenrolar da aventura ocorrem viagens a locais ermos da Nova Inglaterra, América do Sul e até mesmo as Dreamlands, fato que ajuda a manter o ritmo da campanha, com uma boa diversidade de ambientação. Neste quesito, os capítulos latino e onírico dão um show, com cenas interessantes e memoráveis, com destaque para a visita a uma antiga penitenciária e um campo de mineração (haja dinamite!!).

O objetivo final da campanha merece mais atenção. Quem é acostumado com este tipo de material, já poderia prever uma conspiração para o fim do mundo como visto, por exemplo, em Walker in the Wastes, Masks of Nyarlathotep, Beyond the Mountains of Madness, Day of the Beast e por aí vai. Aqui o ritmo dos inimigos é mais lento. Muito mais lento. Mesmo se os investigadores falharem catastroficamente em seus objetivos, nada de anormal será percebido pela população. Não ocorrerão cataclismas, sacrificios em massa, erupções nem a queda da Lua na Terra. Nada disso acontecerá, pelo menos por enquanto.

O culto aos mortos pretende acabar com o mundo de alguma maneira, contudo de uma forma vagarosa, sem muito impacto, através da degradação de costumes da sociedade. Desta forma, os eventos que desencadeariam esse Armageddon só ocorrerão nos próximos 100 anos. Apesar da trama ser bem costurada e coesa, com um objetivo final interessante, esta falta de urgência e desespero pode acomodar os jogadores. E foi justamente isto que ia acontecendo durante o meu gameplay. Mestrei o prólogo em um dia, como descrito no livro e percebi que as coisas seriam muito lentas. Decidi recomeçar tudo, fazendo um início totalmente diferente, com a inclusão de uma motivação extra e extremamente desesperadora (no final, este novo prólogo deu origem à aventura Rigor Mortis). Por este motivo, fui obrigado a adicionar diversas outras modificações durante a campanha, porém a ideia principal manteve-se intacta (eu sempre faço isso em aventuras prontas, contudo em The Realm of Shadows a quantidade foi bem maior).



Outro ponto interessante deste livro é a sua utilização posterior. Como ele fornece interessantes informações sobre ghouls e correlatos, mesmo após acabar a campanha, o livro ainda tem a sua utilidade como referência devido à esta característica. Criaturas, magias, tomos e o próprio Mordiggian estão presentes e podem ser incluídos em outras aventuras sem esforço. Destaque para a Profecia do Corpo de Sangue, publicada aqui no blog.

A qualidade gráfica e organização, típicas da Pagan Publishing também merecem destaque, os capítulos são preenchidos por boas ilustrações e as informações são bem claras e organizadas.




Outro ponto bem típico da editora é a estrutura de investigação: truncada e previsível, podendo ser resumida a invasões de casas e estabelecimentos para a obtenção de pistas, assim como infelizmente ocorre em Walker in the Wastes. É um pouco chato? Sim, mas não chega a atrapalhar. Apenas deixa no ar um aspecto de linearidade e ações previsíveis.

Ocorreram momentos dignos de nota, como:
- o primeiro disparo de arma de fogo foi efetuado somente na 6ª sessão de jogo;
- o grupo se dividiu na América do Sul, seguindo pela mata e pelo rio. Os guias contratados foram invertidos, com o marinheiro seguindo pela floresta e o índio pelo rio;
- um investigador conseguiu perder 15 hit points em um ataque de faca, executado por um humano;

Apesar de seus probleminhas crônicos, The Realm of Shadows oferece uma diversão razoável, com momentos de altos e baixos espalhados em uma trama de média duração. Demorei cerca de 8 meses pra fechar a campanha, jogando praticamente em todos os domingos, mas os maiores obstáculos foram causados pela motivação extra que eu introduzi. Fato que se mostrou extremamente necessário para um melhor andamento da trama.

Com uma tiragem de apenas 3.000 exemplares, The Realms of Shadows é um pouco dificil de ser encontrada. Algumas cópias são vendidas no eBay por valores proibitivos, ainda mais se considerando a qualidade do livro. Se você tropeçar em algum exemplar perdido por aí, vale a pena investir se estiver barato.

Se o seu grupo possui pouca experiência, esta campanha vai se tornar muito prazeirosa. Já se for um grupo calejado, acostumado com eventos épicos, a falta de motivação explicitada acima será dominante, e dependerá do jogo de cintura do Keeper para pegar no tranco.

The Realm of Shadows: A gruesome 1940 campaign against the Charnel God

Autoria: John H. Crowe III
Arte: Blair Reynolds
Edição: John Tynes
Editora: Pagan Publishing, 1996
Formato: Brochura, preto e branco, 208 páginas
Sistema: Call of Cthulhu Basic Roleplay
Idioma: Inglês
Preço: Fora de catálogo

2 comentários:

  1. Nunca é demais agradecer ao Clayton Mamedes pelo apoio e pelas suas ótimas resenhas aqui no Mundo Tentacular.

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  2. É sempre um prazer poder contribuir com este excelente blog!

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