Por Leonardo "Igor"
Trail of Cthulhu, doravante ToC é um RPG lançado pela Pelgrane Press, de autoria de Kenneth Hite, que usa o sistema Gumshoe, de Robin Laws.
O objetivo, nas palavras do autor, é adaptar “o melhor RPG de todos os tempos”, Call of Cthulhu (doravante CoC), para o sistema Gumshoe. Ao contrário do sistema original, o Gumshoe é especialmente voltado para jogos onde a investigação é o tema central. Para fins desta resenha, vou considerar que o leitor tem alguma familiaridade com o CoC e a obra de Lovecraft.
Para fazer a resenha, traduzi alguns termos do jogo livremente. Obviamente, isto não quer dizer que estes termos correspondam à tradução oficial do livro, já divulgada.
Apresentação
O livro tem 247 páginas ricamente ilustradas. O papel é de boa qualidade, seguindo o padrão das editoras de grande porte. A Pelgrane Press deu às páginas um aspecto não tanto de envelhecido, mas de manchado, como se o livro fosse um tomo lançado e esquecido em um canto, sofrendo a ação da umidade.
O livro tem capa dura, ilustrada, com a imagem de um grupo de prováveis investigadores na frente, encontrando um corpo à beira d’água, enquanto uma criatura misteriosa se esgueira por perto, sem ser vista. Na contracapa, um explorador prepara-se para adentrar um edifício de proporções titânicas.
O texto é apresentado em três colunas, de fácil leitura, dividido por linhas verticais de cor parecida com bronze envelhecido. Por várias vezes, o texto é interrompido por boxes explicativos, que tratam de algum assunto incidental, mas pertinente ao que se discute naquela página. A cor das bordas dos boxes é a mesma das linhas verticais.
A arte é toda de Jerome Hugenin, e é de muito boa qualidade. Além disto, o fato de toda a arte ser do mesmo artista dá um toque de coesão ao jogo. Para mim, Hugenin e ToC tornaram-se indissociáveis.
Ao longo do livro, há citações a trechos de obras de Lovecraft, referentes ao ponto que está sendo discutido no trecho principal, ilustrando e contribuindo em muito para o clima do jogo.
O livro tem aparência de sólido, mas as páginas do meu estão bem abertas, apesar de eu usar o jogo apenas para aventuras isoladas. Fica a dúvida se, caso eu o utilizasse como meu principal jogo, as páginas não teriam soltado.
Introdução
Na introdução, Hite explica sua intenção de adaptar o CoC e explica porque acha válido fazê-lo. É um ponto a favor do livro, pois ao saber qual a intenção do autor, os mestres de jogo passam a ter uma compreensão melhor do cenário e do sistema, bem como de como adaptá-los às necessidades de seu grupo. A história do RPG tem vários exemplos de adaptações grotescas de regras mal compreendidas. No box da introdução, os conceitos principais do jogo são resumidos, preparando o leitor para compreender o que virá.
Também na introdução, Hite afirma que o jogo pode ser utilizado em dois estilos, Pulp, onde as aventuras têm mais ação, e a sanidade e a morte não são tão certas, e Purist, onde o desvendar do mistério condena o Investigador no campo físico e espiritual.
Os dois estilos possuem regras ligeiramente diversas, e a partir daqui Hite marca com símbolos os pontos em que uma regra é mais adequada a um tipo específico de campanha. Também se trata de uma boa idéia, pois RPGs são antes de tudo, livros de referência, e quanto mais “mastigado” estiver o texto, mais fluido será o desenrolar da campanha. No entanto, a escolha dos símbolos deixa a desejar. Eles não chegam a ser parecidos, mas são tão abstratos que é difícil guardar a que se referem, especialmente para quem utiliza o ToC apenas para jogos isolados, e não campanhas. Assim, muito de sua intenção original se perde.
Não há aqui a clássica explicação d’O Que é RPG, o que revela tratar-se de um jogo voltado para os mais experientes.
O Investigador
Este capítulo trata da criação de personagem e começa com um box com o resumo dela, e com as Occupations (ocupações) das personagens, aqui chamados, segundo a tradição do CoC: Investigadores. Occupations correspondem ao que a personagem fazia antes de se tornar um Investigador. Em um box, as mesmas estão listadas, com o símbolo de Purist próximo daquelas típicas dos textos de Lovecraft.
As Occupations definem algumas habilidades (Occupational Abilities) que podem ser compradas por um custo menor, e regras especiais que se referem aquela Occupation. Por exemplo, em relação às habilidades, o Arqueologist (arqueólogo) aprende línguas com mais facilidade, enquanto o Hobo (vagabundo) tem uma percepção maior para sentir quando as coisas vão para o brejo (Sense Trouble).
Em relação a regras especiais, de maneira geral elas se referem a meios de obter pistas que outras personagens não conseguiriam ou teriam dificuldade em conseguir; ou, ainda, acesso especial a recursos e materiais: o Police Detective (detetive de polícia) tem facilidade de acesso a instalações policiais, o Pilot (piloto) tem acesso regular a um avião, o Antiquarian (antiquário) tem acesso a itens “estranhos” lá na “lojinha”.
Por fim, as Occupations influenciam a condição social e financeira do Investigador, através da Ability Credit Rating.
Algumas Occupations tem regras próprias que variam de acordo com o estilo da Campanha: Em uma campanha Pulp, o Alienist (alienista) tem acesso a hipnotismo, por exemplo.
Há no capítulo regras rápidas para criação de novas Occupations, dando mais liberdade aos jogadores. As Occupations não constituem classes rígidas, mas apenas uma série de regras próprias para fazer uma personagem tematicamente coerente e não limitam a liberdade do jogador na criação do Investigador.
O capítulo passa então para os Drives, que são as motivações que levam os Investigadores a debruçarem-se sobre o oculto. Para cada Drive, apenas a título de sugestão, há uma curta lista de Occupations mais condizentes com ela, assim como personagens do Mythos que as teriam. Estes exemplos são todos tirados da obra lovecraftiana.
Os Drives são mais um ponto a favor do livro, pois são a explicação de porque o Investigador, confrontado com realidade do Mythos, continua investigando, e não tenta simplesmente fugir, não se envolver, e/ou esquecer o que viu.
Os Pillars of Sanity são pessoas que o investigador conhece, e que lhe servem como porto seguro em meio a loucura do Mythos.
O jogo organiza a ficha em função de habilidades que o personagem tem (Abilities), e não tem o conceito de atributos. Logo, o Investigador não tem Força, mas sim Athletics, e não tem Agilidade, mas uma série de habilidades mais específicas, como, novamente, Athletics, Firearms e Scuffling (luta), que são compradas separadamente. Assim, o jogo evita a figura do Acrobata Ninja Super-Atirador, que existe em certos sistemas, onde o fato de você saber atirar bem o transforma em um grande lutador e ginasta olímpico.
As Abilities se dividem em Investigative e General Abilities. As Investigative Abilities são as utilizadas na investigação propriamente dita, o que consiste em um sub-sistema separado do jogo, que vamos tratar adiante. São exemplos destas, Art, Law, Forensics, sendo todas destinadas a obter pistas do mistério. As General Abilities são Abilities não relacionadas a obtenção de pistas, como Scuffling, Driving e Riding.
A criação de personagem é por meio de um sistema de compra de pontos, e outra grande sacada de Hite, é o número de pontos que o Investigador tem para adquirir suas Investigative Abilities. A idéia do jogo é que este nunca vai ficar parado por falta de pistas, e uma das maneiras que Hite previne isso é dando aos jogadores um número de pontos diferente para gastar nas Investigative Abilities de acordo com o número de jogadores. Em um grupo menor, os Investigadores são construídos com mais pontos, de forma que entre eles, sempre vai haver algum que poderá encontrar a pista.
Uma regra opcional, é que um Investigador mais voltado para ação pode trocar com outro jogador Investigative Abilities por General Abilities, e vice-e-versa, o que promove, mais uma vez, maior liberdade na criação dos Investigadores.
Algumas Abilities tem regras especiais, que são utilizadas em condições específicas. Estas regras especiais são extremamente criativas, mas descer a estes pormenores sai do escopo desta resenha.
Pistas, Testes e Disputas
Este capítulo trata do sistema de jogo, e explica em pormenores como funciona o Gumshoe. Inicialmente, o autor explica como funcionam o sistemas de pistas e
Investigative Abilities.
O GUMSHOE tem um foco muito específico, que é facilitar campanhas que sejam voltadas para investigações, com ênfase na interpretação das pistas. Como fã de Sherlock Holmes, é tudo o que eu sempre quis de um RPG.
Para entender o foco do sistema, temos que partir de uma premissa básica, que as vezes, por incrível que pareça, é esquecida: os jogadores estão na mesa de RPG para se divertir.
Uma coisa que Robin Laws percebeu é que em algumas aventuras, uma pista é essencial para o desenrolar do plot. Mas quando você tem que rolar para encontrar a pista, você corre o risco de não encontrá-la. Se você não encontrá-la, a aventura "pára". Repare que a aventura "parar" é diferente de simplesmente haver consequências por um mal rolamento, por exemplo:
Se você rola mal no combate, o PC é ferido ou erra o golpe. É uma consequência ruim, mas a estória anda. O PC pode acabar vivendo, ou morrendo, mas o processo de isso ocorrendo é divertido.
Se vc não encontra a armadilha, a armadilha dispara e vc toma dano. Isso não pára a aventura. É uma conseqüência ruim, mas a estória anda. O PC pode acabar sobrevivendo, ou morrendo, mas o processo de isso ocorrendo é divertido.
Se você tenta salvar a criança, mas o ghoul chega antes, é uma consequência ruim, mas a aventura anda, a estória anda. O foco agora é salvar a criança. Ou vingar a criança. Ou o que seja. Isso ocorrendo é divertido.
Mas, se você rola mal e não acha a pista necessária para desvendar a investigação, a aventura "pára". Ficam os JOGADORES e não as PERSONAGENS, olhando uns para a cara dos outros, sem saber o que fazer. Por causa de um rolamento ruim. Esse rolamento, então, só existe para atrapalhar o andamento do jogo. Se ele é bem sucedido, o jogo não ganha nada com isso, apenas anda, se é mal sucedido, tudo "pára".
A aventura parar é pior do que todo mundo morrer, pois se todo mundo morrer os jogadores vão para casa, ou tomam um chopp, ou começam de novo... Se a aventura “pára” fica todo mundo olhando um para a cara do outro sem saber o que fazer. “Parar” não é divertido, porque é um beco sem saída, e a única forma possível de resolver isso (rolar bem) já não é mais uma opção.
Isso é grave, porque quando o rolamento falha, a única saída possível nos sistemas tradicionais é a intervenção do mestre. O mestre pode mudar a estória e fazer aparecer outra pista, pode quebrar as regras e permitir outro rolamento (e rezar para que esse dê certo), pode quebrar as regras e dar a pista de qualquer jeito, etc... Se o mestre é inexperiente ele não tem tanto jogo de cintura, ele não tem essa opção. Ou se o mestre é caxias, e não gosta de quebrar as regras, e/ou não tem a capacidade de perceber o problema, a coisa não se resolve.
Há quem diga que isso é problema de design de aventura, e não de sistema. Porém, a coisa não é bem assim. Nem todos os mestres são experientes, ou, francamente, bons. Então há mestres que dificultam a níveis absurdos encontrar as pistas (pixelbitching), ou simplesmente não atentam para esse detalhe. Além disso, para uns nerds, como eu, o sistema fica deselegante e feio. E para uns outros preguiçosos, como eu, é trabalho desnecessário para o mestre.
E, diga-se, que em termos de como o cenário é compreendido pelas personagens, não existe nenhuma razão para que o detalhe que permite desvendar o mistério não dependa de uma habilidade específica da personagem principal. E mais, no gênero investigativo, essa é a regra.
Há quem diga, ainda, que as aventuras modernas não têm esse problema. Bom, mas há quem queira jogar as antigas, e além disso, ainda hoje há autores que bolam aventuras assim. Não faz muito tempo, baixei uma aventura oficial da Chaosium que, pela leitura rápida que dei, tem esse problema duas vezes seguidas!
A ideia é que isso decorre do fato de tradicionalmente os sistemas considerarem achar uma pista igual a achar uma armadilha, ou seja, um simples teste de percepção ou alguma perícia. Porém, como dito acima, as consequências são diferentes para esses dois tipos de rolamento, e é interessante que haja regras diferentes para resolver cada problema.
Então o que o ToC faz? Grosso modo, para coisas como correr, lutar, achar armadilhas, etc... onde o rolamento traz consequências interessantes tanto quando você falha quanto quando você ganha, você rola como em outros sistemas, podendo gastar pontos para aumentar seu rolamento.
Quando você está procurando pistas, o ToC simplesmente “retira” o rolamento. Se a pista é necessária para desvendar o caso (o que ele chama de Core Clue), o simples fato de vc POSSUIR a Ability e dizer que vai usá-la, faz com que você ache a pista, como nas estórias de detetive.
Afinal, Sherlock Holmes, Poirot, etc.. podem interpretar errado uma pista, mas nunca DEIXAM DE ENCONTRÁ-LA, porque isto é uma característica narrativa das estórias de investigação que o sistema emula. Como você não rola, não corre o risco de a aventura parar só por causa de um mal rolamento. A aventura pode parar por outros motivos, que também ocorrem em outros sistemas, mas não pára só por azar do jogador.
E, não se esqueçam o mestre, aquele cara que trabalha, tem filhos, namorada, faculdade, família, e que a gente nunca agradece, apesar de ele perder horas toda semana para nos divertir. Esse cara tem menos trabalho.
Mas se a personagem descobre as pistas apenas pelo fato de ter a Ability necessária, para que colocar mais pontos em uma Ability?
É que além das Core Clues, que a personagem ganha automaticamente, o jogador pode gastar pontos para achar outras pistas, que não são NECESSÁRIAS, mas AJUDAM a desvendar o mistério. Como essas pistas não são necessárias, não há problemas em não gastar os pontos, mas é DIVERTIDO fazê-lo, pois você ganha mais informações sobre o mistério.
É importante salientar isso, porque há quem critique o sistema, pensando que a personagem só ganha a pista se gastar ponto. Não é verdade. Só as pistas secundárias é que precisam de gasto de pontos. E dessas a personagem nem precisa para desvendar o mistério, apesar de que costumam ajudar muito.
Vale lembrar que tem como fazer outras coisas criativas com os pontos, mas também não dá para entrar no mérito, porque isso ia sair muito do ponto (hehehehe). Para quem estiver com preguiça de pensar, um outro box explicativo dá vários exemplos.
Buscas mais simples (como um cadáver no meio da sala) são obviamente percebidas independentemente de a personagem ter alguma Ability. Há vários outros detalhes menores que governam a forma como as pistas são descobertas, que também fogem ao escopo da resenha.
Após o sistema de investigação, o livro passa para o resto do sistema em si, que é governado, além pelo gasto de pontos, pelo rolamento de um único d6. O Keeper estabelece uma dificuldade para o rolamento (que é informada aos jogadores no modo Pulp, e oculta no Purist). Antes de rolar o dado, o jogador pode optar gastar pontos das General Abilities no rolamento, somando ao resultado do dado.
E aí entra outra grande sacada do jogo. Ao longo de uma aventura de CoC, por exemplo, um jogador vai tender a uma média no resultado dos dados, em relação a ser bem sucedido ou não nos rolamentos, de acordo com a probabilidade criada pelo seu nível em determinada característica.
Ao adotar o sistema de gasto de pontos, e isto pode ficar despercebido para alguns, o jogo cria uma outra curva de probabilidade, mas com uma diferença importante: O jogador pode influenciar em quais destes rolamentos ele terá mais chances de ser bem sucedido. É claro que uma hora os pontos acabam, então quem optou por gastar todos os pontos logo de cara, corre o risco de ficar sem nenhum mais tarde, e depender apenas do dado.
Isto criou, em minha experiência de mesa, o efeito de que o jogo, conforme avança, e os pontos são gastos, adquire um clima de tensão maior, porque os jogadores começam a ficar preocupados com o que virá pela frente, sem ter como saber se os pontos que estão gastando serão necessários depois. Para um jogo de terror, este efeito é muito interessante. Recentemente eu vi o filme The Thing, e durante o tempo todo eu pensava: olha esses caras desesperados, presos com o monstro, enquanto os pontos vão acabando e a Stability cai.
Porém, nem tudo são flores. Em jogos online, percebi que o gasto de pontos detrai muito da experiência, pela falta justamente do imediatismo de ver os recursos se acabando.
E muitas pessoas dizem que o uso de pontos retira a imersão do jogo. Acho pessoalmente, porém, que isto é muito subjetivo. Eu não consigo ver porque o gasto de pontos seria menos imersivo do que simplesmente parar e rolar dados. O fato é que, em qualquer RPG, quando a mecânica entra em cena, a imersão diminui um pouco.
O combate segue mais ou menos o mesmo sistema das General Abilities, sem grandes mudanças dignas de nota. A resistência a danos dos personagens funcionam baseados na Ability Health delas, e parece um sistema de hit points. O sistema é razoavelmente mortal, e há opções para torná-lo mais ou menos mortal.
Interessante notar que o sistema é “voltado para a personagem”. A maior parte dos rolamentos é realizada pelo jogador, e não pelo mestre. Por exemplo, em um rolamento para andar sem fazer barulho, o jogador rola sua Ability contra uma dificuldade fixa que é fornecida para cada criatura. Isto diminui o número de rolamentos e agiliza a aventura.
Passando ao sistema de saúde mental, ao contrário do CoC, a mecânica se divide entre Sanity e Stability. A primeira corresponde na crença do investigador em conceitos e ideais que o protegem mentalmente da dura realidade do Mythos, e a segunda corresponde a capacidade de ficar calmo. Na minha opinião isto reflete melhor a obra de Lovecraft, onde feiticeiros e cultistas, que tem Sanity baixa, podem continuar vivendo mais ou menos em sociedade, pois sua Stability é normal.
O capítulo se entende em meios de recuperar e perder Sanity e Stability, de acordo com que tipo de campanha, e como essas características influenciam os Drives e Pillars of Sanity. Há ainda, as regras para o personagem desenvolver patologias mentais e enlouquecer por completo. Há também, algumas dicas de roleplay destas patologias, inclusivo como simulá-las de uma forma “meta-jogo”, por assim dizer.
Os Mythos
O Capítulo seguinte trata do Mythos, e já começa pelos “Gods and Titans”. Para cada uma das grandes entidades tratadas no livro, há uma citação de obra lovecraftiana sobre ela. Além disto, esta parte do capítulo, tendo em vista a inutilidade de estabelecer características exatas para estas criaturas, bem como a própria opção de Lovecraft em mantê-las misteriosas, não trás mecânicas sobre as mesmas, salvo a perda de Sanity/Stability ligada a cada uma delas.
Para cada uma delas, ao invés de repostas, são dadas várias sugestões do que ela pode representar em sua campanha. Assim, na descrição de Dagon, por exemplo, há sugestões várias, desde ele ser somente um Deep One muito grande, até ele ser um Avatar de Shub-Niggurath, envolvido com as experiências de miscigenação dos Deep Ones.
Vale dizer que neste ponto, em algumas sugestões há referências às controversas interpretações elementais de August Derleth. Porém, além de apresentá-las simplesmente, Hite vai além, e associa alguns destes “deuses elementais” a outras espécies de “elementos”, que não os clássicos, “mas associados às quatro forças fundamentais de nosso espaço-tempo”. Ou seja, há sugestões para todos os gostos, que vão do oculto, até o weird science.
Deixando as entidades, Hite passa aos conhecidos tomos, que fazem a alegria dos fãs do Mythos. O conteúdo dos livros, apesar de embasado em mecânica sólida, é deixado vago, para que uma “passagem esquecida” que o investigador “não atentara até então” possa ser usada como uma pista em uma sessão, ou que de uma hora para outra alguém ache o feitiço necessário, em um livro que já possuía. De modo geral, os tomos funcionam como bônus a serem somados a Abilities específicas, ou como “pontos extras” a serem usados, naquela aventura, para descobrir certo tipo de pista. Por exemplo, o Cultes des Goules dá um ponto extra para qualquer Investigative Ability, desde que usada para investigar ghouls.
Depois dos tomos, temos os feitiços, que são lançados com base na Sanity do investigador (uma regra nova está presente no livro Rough Magics). As magias são baseadas nas obras de Lovecraft e outros, como o Ritual SaaaMaaa de Hodgson. Cada feitiço, além de descrito em sua mecânica, é explicado no contexto do cenário. Meu único problema com esta sessão é que os quase idênticos feitiços de contato com entidades, francamente, poderiam ter sido unificados em uma mecânica única, e deixado os detalhes da invocação para cada Keeper.
Passamos, então, para as raças alienígenas, que são descritas não só mecanicamente, mas também em termos de ambientação. Aqui eu acho que faz muita falta a descrição da criatura indicar de que conto ela veio, como forma de permitir ao Keeper se informar diretamente junto à fonte. Seguindo a lógica de ser um jogo de Investigação, cada uma delas tem uma curta explanação dos tipos de pistas a ela associados. A variedade de criaturas é razoavelmente ampla, e cobre não só as bases principais, e chega ao ponto do obscuro. O que não falta são opções.
Após as raças tipicamente do Mythos, temos descrições de animais e seres do folclore, de forma razoavelmente abrangente. Mesmo que o Keeper não encontre exatamente o monstro/animal que procura, encontrará outro que poderá servir de modelo.
Para completar o capítulo, temos a descrição de oito sociedades secretas, com informações sobre sua história, distribuição geográfica, modus operandi e ganchos para aventuras.
Os Anos 30
Ao contrário de CoC, cuja época default são os anos 20, ToC explora a década seguinte.
O livro tem um capítulo dedicado a ensinar sobre a vida dos anos 30, sem medo de adentrar temas difíceis da obra de Lovecraft, como o racismo e tendências totalitárias.
Aqui Hite fala sobre a pobreza da época, a I Guerra Mundial, a tecnologia, fornece uma curta linha do tempo, e informa dados básicos sobre diversos países, inclusive o Brasil, dando ganchos de aventura onde possível. O capítulo é interessante, mas como eu sou fã de outros jogos que se passam na época, nada me prendeu a atenção, pois pouco vi de novo.
Juntando Tudo
Este capítulo trata de como preparar uma campanha, com conselhos para o Keeper e o Jogador, utilizando todo o material até ali. Como o sistema é pouco ortodoxo, estas dicas ajudam bastante, e mesmo no que se refere a conselhos mais gerais, são de boa qualidade.
Estrutura de Campanhas
Hite sugere três campanhas, para dar um pontapé inicial nas idéias do Keeper: The Armitage Inquiry, um grupo de professores e alunos da universidade Miskatonic que estuda o Mythos; Project Covenant, um projeto abandonado do governo americano, após o ataque à Innsmouth, que permanece vivo não oficialmente; e Book-Hounds of London, que trata sobre o “submundo” dos comerciantes de livros raros em Londres, e o que acontece quando eles encontram certos tipos de livros (a ser transformado em uma campanha oficial que já está sendo escrita).
Para cada campanha, quando necessário, há sugestões de regras opcionais.
The Kingsbury Horror
The Kingsbury Horror é a aventura introdutória que vem no livro básico. Eu não mestrei ou joguei a aventura, então só posso comentar sobre o que li, sem saber exatamente como ela “funciona” em mesa.
A aventura tem como foco os “Torso Murders” que realmente aconteceram em Cleveland, nos anos 30, que consistiram em uma série de assassinatos onde as vítimas foram decapitadas. A aventura tem, é óbvio, uma explicação sobrenatural, mas a conexão com o Mythos é tênue, em minha opinião. Porém, e esse é o grande objetivo de uma aventura introdutória, ensina bem o sistema, pois durante a mesma há vários momentos em que é necessário o seu uso.
Apêndices
O livro conta com quatro apêndices. O primeiro deles são as regras de conversão de CoC para ToC e dicas para transportar a mecânica de investigação para jogos de CoC.
O segundo apêndice trata de fontes de inspiração e informação sobre o Mythos e os anos 30.
O terceiro apêndice constitui-se em fichas de personagem, fichas para o Keeper organizar a campanha ou aventura, e cópias de algumas tabelas (mas nem de longe todas as necessárias).
O último apêndice traz uma breve biografia dos envolvidos com a criação do jogo.
Índices
Por fim, temos um índice de raças alienígenas, deuses, feitiços e criaturas, separadamente, assim como um índice remissivo. RPGs são livros de referência, então os índices são bem vindos. Em mesa, os índices do ToC sempre me ajudaram bastante.
Conclusão
Para um jogo que custa U$ 39.95, ToC é uma ótima compra. É bem produzido, as regras de investigação são instigantes, bem descritas, e dão um passo além do que já se fez sobre a matéria em outros RPGs. O livro é muito útil para quem não jogava CoC, e quer um jogo sobre o Mythos. Para quem já joga CoC, e por algum motivo não gosta mais do sistema, ou está interessado em novas opções de como descrever o Mythos, o livro também é uma boa compra.
O livro funciona não só como jogo, mas uma caixa de idéias, que podem ser transplantadas com facilidade para outros jogos investigativos e/ou de terror, seja pelo aspecto do sistema, seja pelas interpretações do Mythos que contém. Com efeito, agora no final, relendo a resenha, percebi que, em especial sobre o capítulo do Mythos, não fiz justiça à qualidade do material, que definitivamente merece ser lido.
Por fim, ToC vale a pena ser comprado para quem se interessa por sistemas interessantes, tendo em vista suas mecânicas pouco ortodoxas, e a criatividade com que foram desenvolvidas.
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