Ann percebeu que olhos a seguiam pelo salão.
Apesar da música alta e da massa de pessoas dançando loucamente ao som da banda de Jazz, ela sabia que estava sendo vigiada. Ao sair pela porta dos fundos, sentiu o ar fresco da noite a envolver. Encostou-se casualmente em uma pilha de engradados e acendeu um cigarro. Tragou longamente enquanto aguardava.
Não demorou muito: BAM! A porta dos fundos se abriu e um sujeito corpulento surgiu apressado, olhando ao redor. Ao vê-la ali parada, sorriu confiante.
"Ora, ora o que temos aqui?" disse o fascínora com uma voz desagradável. Ann o reconheceu de imediato, um dos capangas do chefão Bonatto, responsável por inundar Arkham com bebida ilegal da pior qualidade. Ela o conhecia de reputação, um matador nato.
"Você vem comigo doçura. Pode gritar se quiser, eu adoro ouvir os gritos de uma belezinha como você!" disse se aproximando ameaçadoramente.
Ann foi mais rápida, enfiou a mão na bolsa e tirou dali algo pequeno e brilhante. O sorriso do bandido desapareceu quando ele viu o cano de uma pistola apontada a poucos centímetros de seu nariz.
"Se der mais um passo, a última coisa que você vai ouvir é o som da minha Derringer".
* * *
Os anos 20 foram uma época perigosa para as mulheres.
A liberdade que haviam acabado de conquistar vinha acompanhada de uma série de riscos. Nem todas as mulheres estavam dispostas a sair acompanhadas e andar sozinhas pelas ruas das grandes cidades podia ser muito perigoso. Muitos rufiões viam em mulheres desacompanhadas um alvo perfeito para suas investidas.
Elas precisavam se defender em caso de necessidade.
Sabendo disso, a companhia de armas Derringer (famosa pelas suas pistolas compactas) lançou no mercado aquela que viria a ser a primeira arma de fogo voltada para o público feminino. A pistola single-shot, imediatamente ficou conhecida como Lady Derringer.
A Lady Derringer era pequena o bastante para ser colocada na bolsa de qualquer mulher, em seu bolso do vestido, no chapéu, escondida na cinta da meia calça ou até mesmo na fenda do seu decote. A arma com cano de aço inoxidável media apenas 13 centímetros e pesava meras 420 gramas. O primeiro modelo colocado no mercado comportava uma única bala especial calibre 25, o suficiente para espantar ou eliminar um agressor.
Os armeiros da Derringer pensaram nos mínimos detalhes. A empunhadura era menor e mais confortável para uma mão pequena e delicada. O tambor de carregamento era aberto deslizando o cano como se fosse um batom. O gatilho era mais sensível e continha uma trava de segurança que podia ser movida rapidamente em caso de necessidade. O modelo original não era muito potente, fazendo dela uma arma perfeita para o disparo à queima roupa ou curta distância -- no máximo 1 metro.
O estampido era propositalmente mais alto, o som do disparo de uma Lady Derringer era oco e metálico e servia como alerta. A arma produzia também um forte cheiro de pólvora e deixava resíduo nas mãos do atirador.
Logo que foi lançada a Lady Derringer era considerada "a companhia perfeita para ser empunhada por qualquer mulher disposta a defender sua honra", ou ao menos era isso que dizia a propaganda da época. Ela custava 12 dólares, um valor alto para uma arma compacta.
"Suas pernas, nuas sem uma Derringer" -- uma ousada propaganda de 1924
Para agradar ao público feminino, a Derringer pensou em outros detalhes. A arma tinha acabamento de madrepérola ou marfim na coronha e detalhes entalhados com arabescos ao longo do cano. O formato da empunhadura podia ser ajustado sob medida e o desenho na coronha era pintado com esmalte. A Lady Derringer era uma pequena e mortal jóia.
Em 1925, uma dessas armas foi usada pela herdeira Eliza Hallbroke que em uma visita a Atlantic City a usou contra um ladrão. "Atirei quando ele chegou perto o bastante para eu sentir seu bafo de bebida" teria dito a moça logo depois do ocorrido. O fato é que esse incidente garantiu uma enorme propaganda para a Lady Derringer.
Várias outras companhias de armas, farejando o lucro, começaram a desenvolver seus próprios modelos de pistolas para senhoras. Eram as chamadas Deringer, com um único "r". Foi nessa época que surgiram os modelos que permitiam miniciá-la com cartuchos calibre 32, 38 e até mesmo a letal 45.
Os "modelos genéricos" embora fossem bem mais em conta, por vezes resultavam em defeitos e problemas. Na melhor das hipóteses uma dessas armas podia simplesmente travar e negar fogo, no pior dos casos ela podia estourar na mão da atiradora provocando sérios danos.
As Deringer passaram a ser associadas a armas perigosas que representavam um grave risco para as próprias mulheres. Em 1928, o assassinato de um congressista de Chicago por uma prostituta chinesa armada com uma Derringer causou comoção e fez com que a arma fosse proibida em vários estados da união.
A popularização das armas de fogo logo levou as mulheres a experimentar outros modelos além da Lady Derringer, e esse foi o fim das armas especiais para mulheres. Logo elas descobriram que não era necessário ter uma arma especial para elas, uma bala, podia matar à despeito do sexo de quem a empunhava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário