Final de semana chuvoso é uma ótima pedida para assistir filmes de terror em casa.
Pensando nisso preparei um balde de pipocas, refrigerante, cobertor e dediquei o sábado à noite a assistir alguns filmes que estavam na prateleira fazia algum tempo. Separei alguns clássicos da Hammer, uns filmes italianos dos anos 70, uns dois títulos meio toscos de zumbi e duas produções mais ou menos recentes.
Um desses últimos, confesso que havia preterido algumas vezes e que não era nenhuma prioridade na minha lista. Eu estava interessado em ver alguma coisa bem mais pesada e esse tal "Não tenha medo do Escuro" ("Dont be afraid of Darkness") sinceramente não parecia lá grande coisa. Mas uma vez que a minha esposa se dispôs a ver junto, acabei concordando com a escolha dela por algo "não muito pesado" (ainda mais depois que ela se propôs a complementar nossa sessão com brigadeiro para acompanhar o filme).
Guloseimas prontas, tudo arrumado começamos a ver o filme.
A medida que a gente ia assistindo, o filme foi me parecendo cada vez mais familiar até que em determinado momento eu lembrei e deixei escapar um eufórico: "Já sei!".
"Não tenha medo do Escuro" é a refilmagem de um filme despretensioso dos anos 70, que tinha o mesmo título em inglês. Eu lembro de ter visto esse filme quando devia ter uns 11 anos e de ter ficado impressionado. Deve ter sido numa daquelas sessões Corujão nos tempos em que o final de semana era preenchido por filmes que rolavam até altas horas. Nos tempos em que vídeo-cassete, locadora e Netflix eram uma opção distante o ideal era ficar de pé até a hora de começar o filme ou esperar alguns anos até ele passar novamente.
Eu lembrava bem do filme original, ele tinha um ar de estranheza, meio bizarro e mal acabado que dava um certo charme à tudo. O remake é muito mais bem feito e limpo. A estória continua sendo interessante sobretudo para quem gosta de filmes com um apelo gótico nas entrelinhas. É sempre bom assistir um filme que se passa em uma enorme mansão victoriana com uma escadaria, aposentos soturnos, enormes jardins e passagens secretas ocultas.
No filme original de 1973 (eu andei pesquisando!) uma mulher se muda para uma antiga casa com seu marido. Durante as arrumações de seu novo lar, ela encontra uma porta misteriosa e depois de abri-la descobre que algumas criaturas detestáveis vivem nas profundezas onde está a mansão apenas esperando que alguém as libertasse.
Nessa versão é uma criança quem abre a passagem e tem que lidar com as terríveis criaturas que vivem na completa escuridão e que detestam a luz. A personagem principal, Sally (Bailee Madison) é uma menina com dificuldades para encontrar seu lugar, depois de ter sido mandada pela mãe para viver ao lado de seu ocupado pai (Guy Pearce) e da nova namorada dele (Katie Holmes). Os dois são arquitetos às voltas com a etapa final de restauração da enorme Mansão Blackwood que pertenceu a um desenhista da vida selvagem cujo filho desapareceu no começo do século. O espectador fica sabendo o que aconteceu com Blackwood logo no prólogo do filme em uma cena danada de agoniante envolvendo desespero, loucura e mutilação dentária da melhor qualidade. Vai por mim, não se trata de um spoiler a cena ocorre nos primeiros 5 minutos de filme.
Não demora muito para que Sally encontre seu caminho até uma câmara secreta onde a tragédia ocorreu, no porão da casa. Lá as criaturas responsáveis pela desgraça ainda se escondem e esperam ansiosas que alguém lhes dê liberdade. É claro, elas acabam se vendo livres e transformam a vida de todos na casa em um inferno a medida que fecham o cerco para levar Sally para seus domínios nas profundezas.
Um dos problemas do filme é justamente as criaturas. Os melhores momentos são quando você não sabe o que são os monstros e eles falam com a menina através de frestas no assoalho e buracos na parede, incitando ela a abrir a porta que permite que eles venham à superfície. Uma vez que você vê as criaturas a coisa perde um pouco a graça. Não que elas sejam mau feitas, pelo contrário os recursos de CGI são de primeira! Mas comparativamente a melhor aparição das criaturas não é quando uma horda delas surge correndo pelo chão ou escalando a mobília, mas quando as vemos em desenhos e painéis absolutamente sinistros.
O filme poderia manter o mistério mais um pouco e deixar a imaginação fazer o seu trabalho natural de tornar o desconhecido assustador. Infelizmente o diretor estreante Troy Nixey parece se sentir compelido a mostrar mais e mais os monstrinhos de todos os ângulos possíveis. Menos nesse caso poderia ser mais. Melhor seria se a presença deles fosse mantida nas sombras pelo menos até a porção final do filme.
Os personagens também são um tanto previsíveis. É claro que ninguém vai acreditar na pequena Sally quando ela menciona a existência dos pequenos habitantes indesejados da casa. Mesmo quando um operário da obra é massacrado pelas sanguinárias criaturas, as pessoas preferem achar que foi um mero acidente a suspeitar que algo está errado. A única pessoa que parece acreditar um pouco na menina, ou está disposta a não condená-la de imediato é a namorada do pai. Porque ela? Todos nós sabemos que Katie Holmes (Senhora Tom Cruise) não faria o papel de uma madrasta má, não com a carinha de anjo que Deus lhe deu, mas ela aceita muito rapidamente o fato que algo está fora da ordem e coloca em risco sua relação com o pai para defender a menina que ainda nem é sua enteada. Meio duvidoso, mas vá lá...
Há um outro porém. Para um filme chamado "Não tenha medo do escuro" as coisas são iluminadas demais. Tudo é muito claro e colorido, mesmo quando as luzes se apagam você pode ver tudo que está ao redor e não há muita surpresa ou suspense. Fica a sensação de que tudo deveria ser mais escuro, mais misterioso ou então, um pouco menos óbvio. Uma pena pois o som de primeira e a trilha sonora conseguem criar um clima propenso aos arrepios.
O filme não tenta explicar algumas coisas essenciais como por exemplo de onde vieram as criaturas e porque elas estavam aprisionadas na Mansão. Há uma interessante citação à Arthur Machen e ao chamado mito do Little People (o Povo Pequenino) presente no folclore gaulês e sobre o qual o autor escreveu em sua obra. O roteiro dá a a entender que as criaturas tratadas em um certo momento como "fadas do dente" são fadinhas malignas, mas eu prefiro mil vezes as alusões a obra de Machen que escreveu algumas coisas bem soturnas sobre as velhas lendas da sua terra natal.
O roteiro foi assinado por Guilermo del Toro que aparentemente ainda está colhendo os louros por seu filme mais elogiado O Labirinto do Fauno. Sempre que possível coloca algo de contos de fadas dark em suas estórias, vide a escolha equivocada de inserir esses elementos em Hellboy 2. Como fã declarado de H.P. Lovecraft, tenho certeza que Del Toro também tomou emprestado algumas referências ao conto "Os Ratos nas Paredes" e "Sonhos na Casa da Bruxa" para compor alguns trechos. Ao meu ver ele poderia ter cavado um pouco mais fundo nessa fonte para criar situações mais inquietantes envolvendo as ações das criaturas ao menos na porção final do filme.
No final das contas, "Não tenha medo do Escuro" é um filme legal que poderia ser muito melhor se investisse em cenas mais sinistras e tivesse coragem de fugir do convencional. O clima, uma das coisas mais difíceis de se estabelecer nesse gênero está lá, os atores são bons, a produção é bem cuidada e algumas idéias são muito interessantes, mas ele falha em não conseguir criar situações que causem arrepios ou desconforto.
Para quem quer ter algumas boas idéias sobre pequenos horrores infernizando a vida de uma criança essa é uma boa referência. Dentro do tema, o filme deve ser uma boa fonte de idéias para os mestres ou jogadores de Little Fears, Grimm e Monster and Other Childish Things.
Trailer Legendado:
Muito bom!
ResponderExcluirAgora vou ficar na espectativa!