quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Cinema Tentacular: Círculo de Fogo (Pacific Rim) - "Para lutar com monstros, construímos nossos monstros"


Se você tem 40 anos, ou quem sabe um pouco mais, é possível que você conheça algo a respeito dos filmes da Toho, uma produtora japonesa muito famosa nos anos 1960. Se esse for o caso, você deve estar familiarizado com nomes como Mothra, Gamera e, é claro, Godzila.

A Toho era responsável por divertidíssimos filmes meia-boca que marcaram época e fizeram sucesso mundo à fora. Filmes em que monstros - interpretados por sujeitos vestindo fantasias de borracha vergonhosamente mau feitas, devastavam Tóquio e ajudavam a exorcizar o terror nuclear dos japoneses.  

Bom, eu não tenho a idade adequada para ter assistido os filmes da Toho, mas conheço um pouco a respeito desses filmes, e consigo identificar perfeitamente a palavra Kaiju, como algo reminiscente dessas produções. Kaiju significa, "Fera estranha" e era uma das maneiras como os personagens se dirigiam aos monstros e criaturas gigantescas que pareciam ter uma tara pelo Japão (ou por destruir o país!).

A razão pela qual estou falando da Toho é porque o competente diretor mexicano Guilhermo Del Toro sempre foi um baita fã desses filmes. O carinho e respeito que ele tem para com esse gênero é tão grande que ele decidiu utilizar esses monstros para finalmente deixar para trás um duro período na sua carreira de cineasta. Depois de ter abandonado as filmagens de "O Hobbit" e ter sido forçado a cancelar seu projeto mais ambicioso, a adaptação da novela "At the Mountains of Madness", Del Toro realmente precisava se dedicar a um dos seus projetos de estimação para dar a volta por cima. O resultado é Círculo de Fogo (ou Pacific Rim, no original).


O filme pode ser encarado como um feliz casamento entre a velha tradição old-scholl dos filmes de monstro (quase aposentada após o péssimo Godzilla de 1998) com as mega-produções movidas a efeitos de CGI última geração, coisa de encher os olhos. A soma desses dois elementos resultou em um filme visualmente arrebatador.

A trama envolve uma Terra assolada por criaturas gigantescas que resolvem fazer turismo em nosso planeta, cruzando um portal dimensional localizado nas profundezas do Pacífico. Essas criaturas bizarras, espécie de mutantes que remetem a lagartos, tubarões, tartarugas e outros animais devidamente deformados, tem centenas de metros de altura e são capazes de destruir metrópoles inteiras, aparentemente apenas para mostrar que podem. O poder deles é tamanho que o urro de um Kaiju, pode deixar a população inteira de uma cidade surda. Pior ainda, esses monstros são tóxicos, e mesmo quando mortos seu sangue (a temida maré-azul) pode acarretar em contaminação e causar enormes danos ao ecossistema. Nada parece ser capaz de deter essas aberrações e as populações civis sofrem horrivelmente nas mãos deles. Cidades tem que ser esvaziadas de uma hora para outra, como se esses titãs fossem tempestades, furacões e tsunamis vivos. Em um mundo real, talvez a solução fosse usar misseis nucleares e bombardear os Kaiju, mas em Pacific Rim, solução é bem mais estilosa. 


Para enfrentar a ameaça, as grandes nações do mundo se unem e fundam um mega-consórcio responsável por construir algo que possa fazer frente aos monstros: enormes máquinas de guerra que tem a forma de humanoides capazes de igualar a força bruta dos Kaiju e oferecer alguma resistência contra seus ataques. Os "Jaegers" (nome vindo do alemão "Caçadores") são robôs gigantes no melhor estilo Robotech e Evangelion, montados com pistões do tamanho de prédios, peitorais gigantescos como rochedos, braços fortes a ponto de rasgar arranha céus e pernas que lhes permitem ficar de pé no mar, com ondas batendo em seus joelhos. Esses imensos cyber-pugilistas pesando milhares de toneladas, no entanto, não funcionam por conta própria, eles precisam da perícia de pilotos instalados no crânio de metal dos Jaeger. Os jockeys humanos precisam trabalhar sempre em duplas, plugados em redes de neuro-interface que lhes permitem coordenar as ações da máquina como se fossem extensões de seus próprios corpos. Essa é uma das sacadas mais interessantes do filme: os pilotos precisam estabelecer uma espécie de vínculo chamado "drift", uma cumplicidade total entre suas ações e pensamentos. É claro, além de não ser fácil estabelecer uma dupla, existe uma série de problemas sensoriais e afetivos que se estabelecem entre os parceiros, agravados sobretudo, quando um piloto é morto, deixando o outro traumatizado pela experiência.

A estratégia de usar os Jaeger no início do filme parece estar funcionando contra os invasores. Mas então, algo acontece para virar a mesa a favor dos Kaiju. Os ataques se tornam cada vez mais frequentes e devastadores a medida que os próprios monstros começam a se adaptar, tornando-se maiores e mais difíceis de serem vencidos no mano-a-mano. Logo surge o questionamento de que os Jaeger irão se tornar ultrapassados e que talvez seja melhor construir muralhas intransponíveis e esconder as cidades atrás delas.       

Recusando-se a se render, o determinado Marechal Stacker Pentecost (Idris Elba) decide fazer um último esforço levando a luta até o portal dimensional através do qual as misteriosas criaturas adentram em nosso mundo. Seu plano ousado é deixar de lado a defesa e partir para o ataque, e quem sabe assim colocar um fim no terror de uma vez por todas. A colorida equipe multi-nacional de pilotos convocados para a missão que beira o suicídio, inclui uma dupla de pai e filho australianos briguentos, algumas russas gostosonas e é claro o herói do filme, o brilhante porém atormentado piloto Raleigh (Charlie Hunnan) que se retirou dos combates depois que seu irmão e parceiro foi morto por um Kaiju. Para voltar a ativa e obter a sua vingança, Raleigh precisa aprender a trabalhar com Mako Mori (a excelente atriz Rinko Kikuchi) sobrevivente de um dos mais catastróficos ataques dos monstros, ocorrido é claro, no Japão. Não poderia deixar de faltar em Pacific Rim, o parceiro de Del Toro de várias outras produções, o ator Ron Pearlman que faz o papel de um contrabandista caolho de moral duvidosa.


Ao contrário do que acontece na maioria das produções barulhentas e repletas de explosões, em Pacific Rim o drama dos personagens não é abafado pelo ruído feroz da batalha. Os personagens são muito mais do que meros acessórios para ligar cenas de pancadaria entre monstros e robôs. Del Toro não deixa a estória descambar apenas para as cenas transbordando efeitos especiais e faz com que o público se identifique e estabeleça um interesse pela trajetória dos protagonistas. Outros diretores ficariam satisfeitos em oferecer apenas uma estória rasa entrecortada pelas cenas acachapantes de porradaria cibernética. Mas Del Toro é um diretor diferenciado, cujo talento para contar estórias está em sintonia com sua habilidade em oferecer ação e suspense em doses cavalares. Para quem não está habituado com as realizações dele, pode-se traçar um paralelo entre dois filmes incrivelmente diferentes como "O Labirinto do Fauno" e "Hellboy".

Pacific Rim é rico em cenas empolgantes, onde Jaegers e Kaiju se enfrentam no centro de metrópoles ardendo em chamas, deixando um rastro de ruínas e escombros. Tudo é monumental, grandioso e assustador, mas com a diferença de que os estragos produzidos tem toda uma consequência na existência dos personagens. Não são apenas prédios que estão ruindo, casas que estão sendo pulverizadas e carros compactados, Pacific Rim se empenha em mostrar de forma perfeita que há dor, sacrifício e sofrimento genuínos que ajudam a engrossar a trama. Nas mãos de um diretor menos comprometido, tudo não passaria de uma destruição massificada e sem sentido.


O enfrentamento final entre os robôs e os monstros, que se dá baía de Hong Kong é de uma beleza desconcertante. Resultando em imagens incríveis, o filme dá um passo adiante, mostrando a que ponto uma produção consegue chegar quando alia lado a lado recursos visuais e imaginação prodigiosa. Em uma temporada um tanto fraca no que diz respeito a grandes blockbusters de verão, Pacific Rim encontra fácil um lugar de destaque no pódio entre os melhores da safra 2013.

Para os fãs da ficção, órfãos de boas estórias e esperançosos de ver algo inteligente, Pacific Rim é um alento. Um filme que prometia muito e que conseguiu entregar aquilo que propunha. Mérito para Del Toro que mostra que seus projetos de estimação podem resultar em grandes filmes. Quem sabe, com base nisso, possamos ainda ter esperanças de um dia assistir Montanhas da Loucura na tela grande.

Trailer:


Trailer Oficial:

3 comentários:

  1. Esse filme é sensacional! Outro aspecto que diferencia ele de outros blockbusters é a ausência de "dano colateral por dano colateral" (morte de milhões, destruições estrambólicas e várias e barulhentas explosões a lá Man of Steel). Fora isso o ânimo do filme é também completamente contrário ao "grimdark" que tem dominado o cinema. Há - em meio ao terror - uma atmosfera por vezes otimistas de que, unidos, podemos vencer até o Apocalipse (às vezes parece homenagem ao gênero Sentai rsrsrs). Filmão!

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  2. Também gostei muito desse filme, quem não gostou merece uma voadora de Jaeger no peito, rss...

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  3. Excelente resenha de um filme espetacular!

    Tomara que Del Toro faça uma continuação tão boa quanto!!!

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