quarta-feira, 29 de abril de 2015

Cinema Tentacular: Las Brujas de Zugarramurdi - Horror e Comédia nessa produção espanhola


Você acha que já viu de tudo em matéria de Filmes de Horror?

Pense novamente! Não é de hoje que eu acompanho com interesse os filmes do diretor espanhol Alex de la Iglesia. Ele tem a inegável habilidade de imprimir em um mesmo filme, diferentes temas que escapam do horror que estamos acostumados a assistir: seus filmes tem comédia, crítica social, correria, drama e muita loucura. Tenho colegas que não entendem porque eu gosto desses filmes, que eles consideram exagerados e excessivamente non sense

Minha resposta para eles é simples: eu gosto deles justamente por serem exagerados e non-sense.

Ao menos, acho que não estou sozinho. Desde o início de sua carreira com Dia da Besta e Ação Mutante, eu procuro ver o que posso dele. Não é fácil encontrar seus filmes, mas buscando aqui e ali, é possível descobrir algumas jóias da sua filmografia, filmes como Balada Triste de Trombeta e Crime Ferpeito. Se você conseguir se desligar da realidade e embarcar na proposta insana dos seus filmes, você vai se divertir pra caramba.

Os bandidos recebem um "convite" para jantar.
E "Las Brujas de Zugarramurdi" é pura diversão, uma montanha russa de situações insanamente bizarras com um ritmo alucinado de videoclipe. Não é para ser profundo. Não é para ser cabeça. Não é sequer para ser assustador. No final das contas, ele é, o que é: um filme de Alex de la Iglesia.

O filme foi lançado no circuito internacional com o título em inglês "Witching and Bitching", algo como "Bruxarias e Resmungos" uma escolha que me faz pensar que não é só aqui no Brasil que os tradutores escolhem títulos estúpidos para os filmes estrangeiros. Felizmente o título não arranhou a popularidade do filme no exterior, já que os filmes de Alex de la Iglesias tem encontrado um mercado consumidor ávido por novidades. Não foram apenas os americanos que reconheceram as qualidades desse filme maluco, os espanhóis despejaram um caminhão de prêmios sobre a produção no Goya Awards (o equivalente ibérico do Oscar). Na parte técnica só deu ele, com oito troféus merecidíssmos.

A premissa é bem simples e lembra uma versão ainda mais esdrúxula e absurda de "Um Drink no Inferno" (From Dusk Till Dawn). Brujas mistura e transcende os gêneros, juntando elementos de drama policial, horror com uma pitada de comédia camp e filme barato de monstros, amarrando tudo com uma irreverente batalha dos sexos. O resultado é algo neurótico que provavelmente vai ofender muita gente. Azar o deles. 

Ladrões atrapalhados em fuga
A trama é a seguinte:

José (Hugo Silva) é um sujeito atrapalhado, cheio de dívidas que queria ter mais tempo para ficar com seu filho Sergio, principalmente depois de ter passado por um divórcio pra lá de complicado com sua ex-mulher. A solução dos problemas de José poderia ser um assalto a uma loja de compra e venda de ouro, no centro de Madri. Um golpe que pode render uma verdadeira fortuna e representar um recomeço para a vida de pai e filho. No dia do assalto, José, o filho (que ele estava cuidando) e um bando de cúmplices, vestem fantasias bisonhas para não serem reconhecidos: José é uma estátua humana de Jesus pintado de prata, seu colega um soldado verde, outro é o Bob Esponja, enquanto um outro assume o papel de Minnie. O plano mal ajambrado, levado nas coxas pelos bandidos amadores termina em um tiroteio e em muita correria (a cena em que Bob Esponja é metralhado me obrigou a dar pausa para conseguir parar de rir). Por fim, José e um dos seus colegas, Antonio (Jaime Ordonez, o Soldado) sequestram um táxi dirigido por Manuel (Jaime Ordonez) e um passageiro que é colocado no porta malas. O bando foge em disparada, a polícia na sua cola atirando para todo lado. Deixando a cidade, eles seguem pelo interior da Espanha, rumo a fronteira francesa, carregando uma fortuna em alianças de ouro e planos para o futuro. Eles não sabem que a vingativa ex-mulher (Macarena Gomez) de José e dois policiais atrapalhados (Secun de la Rosa e Pepon Nieto) seguem seus rastros.

Eventualmente, todos acabam indo parar em uma cidadezinha basca chamada Zugarramurdi. O problema é que uma vez lá, os azarados bandidos atraindo a indesejável atenção de um cabal de bruxas. Pior ainda, as feiticeiras acreditam que o pequeno Sergio é o escolhido para um ritual de sacrifício necessário para erguer seu culto e despertar uma divindade feminina ancestral.

Obviamente o assalto e o sequestro são o fio condutor da primeira metade do filme. A ação não para ao longo dos primeiros 20 minutos com perseguições, correria, tiroteio e situações absurdas. Ao chegar em Zugarramurdi o filme assume um ritmo um pouco mais comedido, a medida que os personagens são confrontados com situações igualmente absurdas envolvendo magia negra e bruxaria.

Jesus se prepara para abrir caminho à bala
É interessante abrir um parenteses nesse ponto e falar a respeito da pitoresca cidade de Zugarramurdi na região da Navarra, no Leste da Espanha. Ela realmente existe, na Idade Média, o lugar foi o palco de um medonho julgamento de bruxas com toda pompa e circunstância da época, ou seja com escândalos, acusações deslavadas e gente sendo queimada na fogueira. Por conta desse notório julgamento, Zugarramurdi por muitos séculos amargou uma fama negativa como a cidade mais assombrada da Espanha, não apenas assolada por bruxas, mas após a morte de muitas delas, pelos seus fantasmas em busca de vingança. O lugar é famoso também pelas montanhas que escondem cavernas onde acreditava-se ocorriam os sabás das feiticeiras e onde segundo lendas haveria um caminho levando para o submundo. As estórias a respeito de bruxas provavelmente começaram em virtude da influência de mulheres que assumiam o papel de matriarcas na região. Na sociedade basca não é raro, mulheres serem tratadas como as cabeças da família, um conceito assustador na Idade Média. Além disso, sempre existiram lendas na região a respeito de mulheres capazes de curar usando poderes mágicos e rituais. 

Se por muitos anos a fama de Zugarramurdi espantou visitantes, fazendo com que a cidade quase trocasse seu nome, hoje as coisas são bem diferentes. O pequeno povoado aprendeu a capitalizar sua fama para atrair turistas interessados na rica história do local. As bruxas deixaram de ser assustadoras, tanto que elas estão nas propagandas de cafés, restaurantes e pousadas da cidade, há até um museu sobre elas. Anualmente uma grande festividade ocorre nas Cuevas de las Brujas, o complexo de cavernas mais famoso da região. Como não poderia deixar de ser, o filme foi todo filmado na própria cidade, usando locações onde ocorreram os famosos julgamentos. Sem dúvida, a produção deve ter estimulado a visita de turistas já que o filme teve uma bilheteria considerável não apenas na Espanha, mas em muitos países de idioma castelhano.

Pausa para o banheiro
No que diz respeito ao elenco, o diretor teve a sorte de reunir um grupo perfeito para viver as situações extremas. Hugo Silva e Mario Casas são ótimos e conseguem estabelecer uma química inabalável desde o primeiro minuto em cena. As piadas são ligeiras o que sem dúvida exige muito dos atores que tem que alternar momentos de comédia com drama e terror. Carolina Bang (eita mulher bonita!), uma das atrizes favoritas do diretor, presente em vários de seus filmes, faz o papel de Eva, a fêmea fatal do cabal de feiticeiras que tenta seduzir os recém chegados. As bruxas por sinal são excelentes, com uma maquiagem forte e trajes funestos que remetem às telas da Fase Negra do pintor espanhol Francisco Goya. Algumas atuações podem parecer à primeira vista exageradas, mas esse é o estilo do filme.

Um dos temas centrais do filme é o poder das mulheres, representado no caso pelas bruxas. O plano das feiticeiras é realizar um ritual para uma divindade que dorme abaixo das Cavernas de Zugarramurdi, um tipo de Mãe Negra, reverenciada quando o mundo ainda era um grande matriarcado. Com o ritual elas esperam romper com o patriarcado e colocar os homens em uma posição inferior. Os efeitos especiais nesse trecho chamam a atenção. A revelação da Mãe Negra, lá pela porção final do filme, é ao mesmo tempo um espetáculo grotesco e surpreendente. Se algum dia, fizerem um filme que precise de uma representação humanoide da Deusa Shub-Niggurath, essa aqui seria uma perfeita referência. A imagem bebe da fonte das famosas estátuas pré-históricas representando as Deusas da Terra, responsáveis pela fecundidade e fertilidade. Sem dúvida o pessoal da direção de arte que idealizou a aparência da Deusa se inspirou na imagem da Vênus de Willendorf, uma estatueta com 22 mil anos.

Carolina Bang (precisa dizer mais?)
Em se falando da parte técnica é preciso louvar os efeitos visuais e maquiagem, os poderes das bruxas e a aparência decrépita de seus serviçais, ficaram irretocáveis, sinistros e realistas na medida certa.

Eu recomendo esse filme a todos que querem se divertir com uma estória maluca que no fim das contas não faz muito sentido, mas é legal demais de assistir. O terror existente é dirimido pelas doses cavalares de comédia, portanto não espere ficar assustado. Recomendo fortemente que vocês assistam esse filme cercado de amigos, bebendo uma cerveja, dando boas risadas e voltando as cenas para ver mais de uma vez.

Cotação:


E aqui vai o trailer legendado:

4 comentários:

  1. Selo Sam Raimi de filme de horror! Parece bem divertido o negócio, mas realmente deve ser difícil de encontrar.

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  2. "Desde o início de sua carreira com Dia da Besta e Ação Mutante, eu procuro ver o que posso dele."

    O "Dia da Besta" eu vi e gostei bastante. Quanto ao "Ação Mutante" só conheço de nome, mas existe um RPG Espanhol de horror que tem precisamente esse título, será que existe alguma relação?

    Eu vi logo que a história deste filme só se podia passar na região do País Basco ao ver o trailer. "Zugarramurdi" não é uma palavra de origem Latina, Grega, Celta ou Islâmica por isso só podia vir dessa parte da Ibéria, o sítio com os nomes mais bizarros de toda a península. Aquela gente é *antiga* como tudo, pre-datando os proto-Celtas que conquistaram a península e já estavam bem estabelecidos quando os Fenícios cá chegaram para fazer comércio, quanto mais os Cartagineses, Gregos e Romanos. A língua Basca, o "Euskara" é um caso único na Europa no sentido que não pode ser inserida em nenhuma das famílias a que todas as outras línguas Europeias pertencem. Ninguem sabe exactamente qual é sua origem e muitas línguistas classificam-na como uma das línguas mais difíceis do mundo, juntamente com algumas línguagens aborígenas Norte Americanas.

    "Cthulhu Fhtagn" hein? Dá que pensar...

    Quer um dado curioso que se relata ao tema deste blog? A revista Francesa de RPG Casus Belli nº119 publicou um cenário para Call of Cthulhu Delta Green que começa no Vietname nos anos 70 e acaba no País Basco nos anos 90.

    O título? "Ethor bedi zure erresuma." ou "Que o seu reino chegue" em Português, uma alusão ao "Thy Kingdom Come" bíblico.


    "E aqui vai o trailer legendado"

    Oh chefe, mas qual é o Lusófono que se preze que precisa de legendas para entender Castellano? Somos todos primos aqui, e todos Latinos. ;-)

    Já agora, onde podemos encontrar este filme para ver?

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  3. Terminei de ler a postagem e já fui procurar assistir o filme. É realmente muito divertido!

    Na verdade, procuro sempre assistir as recomendações aqui do cinema tentacular hehe, só tenho a agradecer ao blog por isso :)

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  4. Dica hilária! Já estou indo procurar, adoro esses filmes lado b que quanto mais difícil de achar melhor. Primeira leitura aqui no blog e já curti. Ótima resenha. Espero ver muito mais coisas. Até breve!

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