sábado, 2 de maio de 2015

Estranho e Bizarro - Uma Breve História sobre Espetáculos de Aberrações


Lazarus e Johannes Baptista Colloredo foram dois dos mais famosos gêmeos de sua época. Muitas cidades convidavam os irmãos para fazer uma visita, e eles viajaram através da Europa toda no início do século XVII. Desde seu nascimento em 1617, na cidade de Genova, Italia, os Irmãos Colloredo fascinavam e horrorizavam as pessoas. 

Lazarus segundo se conta tinha uma bela aparência e era um rapaz simpático, saudável e agradável. Seu irmão gêmeo, era seu oposto, literalmente. O corpo deformado de Johannes Baptista se projetava de cabeça para baixo, do peito de seu irmão. Ele era significantemente menor do que Lazarus, e apenas a porção superior de seu corpo e a perna esquerda podiam ser vistos como extensões do torso de Lazarus. Embora sua capacidade mental não possa ser determinada, historiadores acreditam que Johannes Baptista sofresse com alguma deficiência grave. Segundo os registros, ele não era capaz de se comunicar verbalmente e nem de agir por conta própria. Seus olhos estavam sempre fechados e sua boca permanecia constantemente aberta. A única resposta de Johannes Baptista às pessoas que tentavam se comunicar com ele era mover a cabeça de um lado para o outro ou emitir um suspiro lamentoso.

Lazarus costumava viajar com seu irmão para obter seu ganha-pão. Ele chegou a visitar a Inglaterra, fazendo aparições na corte do Rei Carlos I no início da década de 1640. Quando não estava em exibição, Lazarus costumava esconder seu gêmeo congênito dos olhares curiosos das pessoas, vestindo um manto largo que ocultava sua presença. Embora existam poucas informações sobre a vida pessoal dos irmãos Colloredo, sua popularidade pela Europa não era algo único ou inesperado, de fato, muitas pessoas com deformidades incomuns eram vistas como verdadeiras celebridades.

A tradição histórica dos Shows de Aberrações (eu compreendo que o termo pode soar politicamente incorreto, mas creio que é a tradução mais fiel a palavra "freak show") antecede ao reinado de Elizabeth I na Inglaterra, quando eles se tornaram extremamente populares. Em meados do século XVI, severas deformidades físicas e anomalias congênitas não eram mais consideradas como resultado de maldições ou evidência de espíritos malignos residindo nas pessoas. Aqueles com características físicas incomuns converteram-se em um tipo de curiosidade pública que multidões estavam interessadas em ver. Empresários se apressavam para contratar essas pessoas e trabalhavam para transformá-las em estrelas. Ainda que não se saiba ao certo se Lazarus Colloredo contava com a assessoria de um empresário, sabe-se que a maioria das "aberrações" que viajavam pela Europa tinham um desses profissionais, com quem dividiam seus lucros.

Apesar de atraírem o interesse de curiosos, foi só no século XIX que os espetáculos de aberrações capturaram de vez o imaginário das pessoas. O público estava disposto a pagar ingresso para ver de perto esses "erros da natureza". Shows itinerantes rodavam pelo interior e grandes centros urbanos oferecendo a chance de ficar cara a cara com celebridades grotescas como o rapaz com cara de cachorro, a mulher com cinco pernas ou o menino com duas cabeças. Esses shows se tornaram um enorme sucesso de público e deixaram seus organizadores ricos. Na Inglaterra e nos Estados Unidos eles atraíam multidões que formavam enormes filas.

"Espetáculos de Feira" (Sideshows), ou Shows de Aberração como eles ficaram conhecidos, reuniam vários tipos de entretenimento em um mesmo pacote. Os populares espetáculos de "dez em um", ofereciam dez aberrações expostas de frente para o público. Os espectadores entravam em uma tenda dividida por cortinas e andavam de aposento em aposento conhecendo as atrações. Mágicos, acróbatas e equilibristas também se misturavam ao espetáculo como forma de aliviar a tensão de se deparar com os estranhos astros da companhia. Entretanto, nem todas as aberrações, eram pessoas nascidas com deformidades. Alguns eram simples artistas circenses com um talento exótico, comer fogo, engolir espadas ou ter tatuagens cobrindo todo corpo. 
   
Certos espetáculos eram considerados impróprios para mulheres e crianças, categorizados como "apenas para cavalheiros". Esses geralmente incluíam apresentações de mulheres voluptuosas dançando em trajes sumários. Outra modalidade de espetáculo eram as exposições de "aberrações enlatadas": descobertas exóticas e estranhas, animais empalhados, figuras grotescas e principalmente "pickled punks" como eram chamados os fetos preservados em vidros. O famoso Piccadilly Egyptian Hall, administrado pelo naturalista britânico William Bullock oferecia uma exposição de insetos bizarros, animais estranhos e outras curiosidades trazidas dos quatro cantos do mundo. A Exposição chamada Gabinete do Dr. Grayson trazia mais de uma centena de potes de geleia contendo fetos e bebês deformados.

Em 1844, o pioneiro do entretenimento circense nos Estados Unidos, P.T. Barnum, viajou pela Inglaterra com sua última descoberta bizarra, Tom Thumb (Tom Polegar). 

Nascido como Charles Stratton, "Polegar" era na realidade um primo distante do próprio Barnum. O rapaz foi treinado no mundo das artes, aprendendo a cantar, dançar e imitar figuras famosas da época. Quando estava pronto para a vida circense, Barnum deu a ele um nome de palco, batizando-o de General Tom Thumb. Medindo apenas 56 centímetros de altura, a pequena estrela da companhia foi instruída a mentir sobre sua idade, e dizer que tinha doze anos ao invés de oito. Barnum acreditava que fazendo Tom mais velho do que ele realmente era, tornaria sua estatura algo notável. Para chamar a atenção da população, Barnum também mentiu sobre a nacionalidade de Tom, afirmando que ele havia sido encontrado nas ruas de Londres como Flea Boy (Garoto Pulga). O rapaz eventualmente foi apresentado a Rainha Victoria, que se declarava uma fã dos espetáculos de feira.
Os espetáculos de aberrações americanos começaram a aparecer em 1829, sendo o mais antigo, o que apresentava os gêmeos siameses Chang e Eng. Com a popularidade dos espetáculos americanos que visitavam a Terra da Rainha, começaram a aparecer versões britânicas igualmente bem sucedidas. Na Era Victoriana, aberrações eram vistas com imensa curiosidade. Foi uma época de avanços médicos e científicos significativos, e portanto as pessoas estavam dispostas a testemunhar a existência dessas figuras estranhas. Médicos improvisados tentavam explicar para o público o que eles estavam vendo, concedendo um verniz científico a apresentação. Essa foi a era de ouro dos "shows médicos", quando pessoas pagavam para assistir cirurgias de apêndice ou vesícula realizadas em pleno palco.      

Um famoso incidente envolveu Hoo Loo, um chinês que sofria com um massivo tumor de 23 quilos. Embora ele fosse apresentado como uma aberração, o homem tinha sido originalmente trazido a Londres para realizar um procedimento médico. Quando um empresário viu Hoo Loo conseguiu persuadi-lo a permitir que fossem vendidos ingressos para sua cirurgia no Guys Hospital, um dos mais respeitados da capital britânica.  Embora Hoo Loo tenha morrido na mesa de operação depois de sangrar até a morte, sua estória se tornou conhecida em toda Inglaterra. A historiadora Meegan Kennedy escreveu em seu ensaio, “Pobre Hoo Loo: Sentimento, Estoicismo e o Grotesco na Medicina Imperial Britânica", que como curiosidade médica, Hoo Loo simbolizava o ápice da simpatia das pessoas para com um estrangeiro oriental, alguém que podia ser salvo pela medicina superior do ocidente. Ele incorporava  o contraste entre o lado positivo e negativo de chamar a atenção em face de severas anormalidades físicas. Um caso como o dele provocava discussão entre pessoas de todas as camadas sociais e chamava a atenção para atrair investimentos destinados a pesquisa de doenças congênitas.  

Mas eram as "aberrações" que dominavam os holofotes.


Os empresários tentavam recrutar indivíduos com desfigurações exóticas ou talentos incomuns em todo canto. Para fazer sucesso era necessário chocar e perturbar e os empresários faziam o possível para criar expectativa e tornar suas estrelas, criaturas interessantes. Um dos mais famosos empresários do século XIX, Tom "O Rei Prateado" Norman escreveu certa vez: "não é o show que faz sucesso, mas a estória que você conta". Mentiras deslavadas eram contadas como verdades incontestáveis - a Sereia de Fiji, uma mulher com as pernas unidas, na verdade tinha nascido em Blackpool. O Gigante Selvagem, um suposto índio americano com dois metros e meio de altura, era na realidade um lenhador francês pintado com tintura de hena e vestido como um nativo americano.   

Como muitos empresários, Normam se aproveitava da bondade de estranhos. Era uma prática comum inventar estórias comoventes para despertar a piedade do público e obter alguns trocados extras para aliviar a dura vida dos circenses. Em 1870, Norman apresentou suas novas estrelas: Eliza Junkins, o esqueleto humano, Robert Shooeman, o garoto com cabelos na face e o bebê com cabeça de balão. Ele viajou a Inglaterra toda, de Nottinghan a Glasgow apresentando seus "erros da natureza" e pedindo a compreensão das pessoas para a situação dramática de suas estrelas que careciam de ajuda. Na verdade, as "aberrações" de Norman tinha uma vida muito tranquila e confortável. 

Em 1883, Norman contratou duas das maiores estrelas do espetáculo de aberrações, Mary Anne Bevan, chamada de a mulher mais feia do mundo e Joseph Merrick, que ganharia fama mundial como "O Homem Elefante". Norman costumava impedir que médicos visitassem suas estrelas com medo de que um doutor pudesse oferecer a eles uma cirurgia milagrosa que terminasse com seu "exotismo". Além disso, eles poderiam parecer menos misteriosos se um médico classificasse suas deformidades.

Ao contrário da crença popular, aberrações raramente eram mal tratadas pelos empresários que controlavam os espetáculos. Pelo contrário, eles recebiam regalias e eram tratados como verdadeiras estrelas circenses. Quando o Dr. Frederick Treves, o "descobridor" do Homem Elefante acusou Norman de humilhar Merrick, este o processou legalmente e exigiu uma retratação afirmando que jamais tratou sua estrela de forma desrespeitosa ou abusiva. As testemunhas de Norman corroboraram suas afirmações e o próprio Homem Elefante contou que sempre foi muito bem tratado durante seus anos no papel de atração.


Aberrações também eram frequentemente descritas como figuras soturnas, infelizes e dóceis, sempre tristes com a sua condição de vida. Em muitos casos, na Era Victoriana, nada podia estar mais distante da realidade. A maioria deles eram bem tratados, considerados companheiros da vida circense, respeitados como verdadeiros colegas e irmãos de profissão. Muitas estrelas se impunham diante de seus empresários, exigiam aumento e uma fatia maior dos lucros. Em 1851, Isaac Sprague, outra versão do esqueleto vivo, ganhou uma verdadeira fortuna vendendo cartões postais com sua própria imagem. Quando seu empresário pediu uma fatia desses lucros, Sprague o despediu sumariamente. Com 1,70 de altura, o "esqueleto vivo" pesava apenas 32 quilos, mas era muito esperto nos negócios. No fim de sua carreira ele chegou a escrever uma biografia que foi sucesso de vendas.

Em 1890, a popularidade dos espetáculos de aberrações começou a diminuir. Vários fatores foram responsáveis por essa queda de interesse, até que eles desaparecessem de vez por volta de 1950.

O repórter e historiador Henry Mayhew sempre foi um feroz crítico desse tipo de espetáculo, considerando sua existência uma afronta ao bom gosto e contrário aos interesses de uma sociedade sadia. Em 1861, Mayhew escreveu um duro manifesto criticando toda a estrutura desses espetáculos, considerado por ele a "mais baixa demonstração da estupidez humana". Ele rejeitava o argumento de que os circenses constituíam uma forma de entretenimento, e via tudo aquilo como o cúmulo da degradação. Embora Mayhew desse voz a uma aversão que hoje em dia é comum, demorou mais de 30 anos até que as pessoas começassem a concordar com suas críticas. No início do século XX, o público já não demonstrava tanta curiosidade para com o mundo misterioso das aberrações e a maioria dos shows passou a ser visto como uma exploração em nome do entretenimento.    

Com o avanço nas ciências médicas, pessoas afligidas por condições incomuns passaram a ser diagnosticadas e tratadas. Como resultado direto, os shows foram se tornando cada vez menos interessantes. A Primeira Guerra Mundial também deu sua contribuição para derrubar os Espetáculos de Aberrações. Muitos homens retornaram do Conflito com ferimentos e cicatrizes medonhas, mas glorificados como heróis que mereciam mais da sociedade do que serem comparados a aberrações circenses.

Em meados de 1930, os tão famosos shows de aberrações estavam confinados a espetáculos mambembes e itinerantes que rodavam o interior oferecendo novidades por meio níquel. Os Carnivales ainda preservavam um pouco dessa aura e chegaram a experimentar um pequeno revival por conta da Grande Depressão, mas não durou muito tempo. Nações editaram leis os proibindo, como foi o caso da Alemanha em 1937 e Itália em 1938. Mais e mais pessoas evitavam esse tipo de "espetáculo barato", que passou a ser associado a indivíduos ignorantes ou insensíveis.

Hoje, os Parques de Diversão de Coney Island, no interior de Nova York, estão entre os últimos Espetáculos de Aberrações em atividade no mundo. Ainda que fora de moda e pouco atraentes para o público em geral, eles continuam oferecendo um cardápio variado de atrações exóticas. Desde 1983, a apresentação da trupe "Sideshow by the Seashore" se converteu em uma atração turística bastante famosa. Ele oferece o último número conhecido de "um em dez" que se tem notícia.

A despeito de seu desaparecimento, a história dos freak shows continua a incendiar nossa curiosidade.

2 comentários:

  1. Respeitável público... Grande post! Parabéns! Mandei algo escrito com menos esmero in box! Abraço!

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  2. Post mto bom, realmente! Parabéns pela pesquisa!

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