Há lugares no mundo que não são malignos pela presença de forças sobrenaturais ou influência demoníaca, mas por conta da escuridão na alma do próprio ser humano. Esses lugares talvez sejam mais assustadores do que as supostas casas assombradas e cemitérios malditos, pois neles ressoa um mal muito real, evidenciando uma triste constatação: a de que seres humanos, gente de carne e osso, podem ser capazes de fazer coisas terríveis com outros seres humanos.
Estendendo-se ao longo de um terreno acidentado, aninhado fora da vista de uma estrada interestadual em meio a campos petrolíferos e terra desolada, existe um lugar manchado pela miséria humana. Foi lá que ao longo de décadas os mortos foram plantados, sepultados num solo ressecado, com olhos arregalados conservando os segredos de seus últimos momentos de vida. Trata-se de um trecho isolado no meio do deserto, que se tornou o epicentro de uma das mais desconcertantes séries de crimes sem solução. Um lugar que ganhou o infame apelido de Campo da Morte do Texas.
Localizado à cerca de uma milha da Interestadual 45 (I-45), fazendo fronteira com o Campo de Petróleo Calder e a Cidade de League, entre Galveston e Houston, o campo é um lugar remoto. Um pedaço de terra árida medindo cerca de 60 quilômetros e pontilhado por poços de óleo, pântanos e emaranhados de arbustos espinhosos. Essa paisagem inóspita é cortada por uma linha de asfalto negro frequentemente chamada de "Estrada do Inferno". A despeito do silêncio e desolação, há pouco que diferencie esta área poeirenta de muitos outros cantos isolados na monótona paisagem que marca o sul do Texas. O motorista desinformado pode passar por ali sem saber do que se trata. No entanto, essa região se destaca por guardar um segredo negro e detestável. Foi ali que nos anos 1970 os cadáveres de 30 ou mais meninas e jovens mulheres, muitas ainda não identificadas, foram descartados.
É por isso que esse descampado recebeu o merecido apelido de Campo da Mortes.
A medonha reputação do local de desova de corpos começou em junho de 1971, quando Colette Wilson de apenas 13 anos desapareceu depois de ter sido vista descendo de um ônibus após uma aula à tarde no colégio em que estudava. Apesar de na época o caso ter sido tratado como um desaparecimento, seu corpo seria encontrado cinco meses mais tarde nos arredores do Campo da Morte. Ela havia sido vítima de um único disparo de arma de fogo à queima roupa na cabeça.
Algumas semanas depois da descoberta do corpo de Colette, no dia primeiro de julho de 1971, Brenda Jones de 14 anos desapareceu ao retornar de uma visita a um amigo no Hospital Geral de Galveston, que fica bem perto da I-45. Seu corpo seria encontrado dias mais tarde boiando na Baia de Galveston, também vítima de um disparo fatal. As mortes na área continuariam ao longo de 1971. Em Outubro daquele ano, Gloria Gonzales, de 19 anos, estava perto de Houston quando desapareceu sem deixar vestígio. Seu corpo foi achado a apenas 20 metros de onde o cadáver de Colette Wilson foi descoberto. Alison Craven, de 12, Debbie Ackerman, 15, e sua amiga Maria Johnson, também de 15, também seriam encontradas mortas nos meses seguintes, todas vítimas de um disparo fatal na cabeça, algumas com mãos e pés amarrados. Os horríveis crimes continuariam ao longo da década de 1970, até que um total de 11 garotas, a maioria adolescentes seriam assassinadas e deixadas nas imediações.
Na época, as autoridades policiais acreditavam que as mortes eram trabalho de um assassino em série, uma vez que as vítimas eram bastante similares em aparência, foram encontradas perto da água e estavam sempre nuas da cintura para baixo, com mãos e pés frequentemente atados. Os casos se provaram um pesadelo para os investigadores, uma vez que a região possuía várias pequenas cidadezinhas cada qual com a sua própria jurisdição. Para piorar o sistema de comunicação entre as delegacias era precário e nem todas as evidências e pistas eram compartilhadas. Os 11 assassinatos ocorridos nos anos 1970 acabariam ficando sem solução, com apenas um único suspeito investigado, um homem chamado Michael Lloyd Self, que havia matado uma garota chamada Sharon Shaw em 1971, e que se pensava, poderia ser o responsável pelos demais crimes. No entanto, as evidências contra ele eram circunstanciais na melhor das hipóteses.
Anos mais tarde em 1996, um homem chamado Edward Harold Bell, que nos anos 1970 estava preso por um crime não relacionado, enviou uma carta para a polícia de Galveston assumindo a autoria da morte das 11 meninas, incluindo Colette Wilson. A confissão foi considerada problemática já que ele não oferecia nenhuma evidência concreta sobre os crimes além de seu testemunho. Os investigadores que interrogaram Bell suspeitavam que ele estava inventando a confissão e terminaram por eximir sua culpa. Mais estranho ainda, Bell já havia assumido outros crimes no Arkansas e Louisiana. Ele também havia denunciado o governo dos Estados Unidos por realizar nele o que chamava de um experimento de lavagem cerebral. Posteriormente Bell foi diagnosticado com sofrendo de um tipo de esquizofrenia.
Os anos 1980 dariam início a uma nova década de horrores envolvendo o Campo da Morte, começando com a descoberta do corpo brutalizado da menina de 12 anos Brooks Bracewell e de sua amiga, Georgia Geer, de 14, que desapareceram depois de visitar uma loja de conveniência. Em outro caso, uma jovem mulher de 23 anos, Hiede Villareal-Faye também desapareceu em outubro de 1983 depois de ser vista usando uma cabine telefônica. Os seus restos mortais foram achados por um cachorro que escavou a cova rasa e levou um dos ossos até a casa de seu dono que reconheceu o objeto macabro como humano. Mais crimes e misteriosos assassinatos se seguiram ao longo dos anos 1980, com vítimas sendo alvejadas, esfaqueadas, estranguladas e surradas até a morte.
Um dos mais famosos assassinatos ocorridos nas imediações do Campo da Morte envolveu Laura Miller de 16 anos, que desapareceu em setembro de 1984, perto da mesma loja de conveniência onde duas vítimas anteriores haviam sido vistas. O corpo dela foi jogado em um poço de petróleo isolado e encontrado dois anos depois em meados de 1986. Esse assassinato levaria o pai de Laura, Tim Miller a iniciar uma cruzada para encontrar o assassino da filha. Miller ofereceu uma recompensa de 250 mil dólares para quem oferecesse informações que o levassem ao criminoso. Por fim, frustrado com a falta de progresso na investigação da polícia, o pai iniciou uma investigação particular que o levou até um engenheiro da NASA aposentado chamado Robert Abel. Abel era dono de dois poços de petróleo na área e havia sido visto circulando pela periferia em uma pickup que uma testemunha apontou como tendo sido vista na frente da loja de conveniência.
Na época, Abel estava na casa dos 60 anos e tomava remédios para pressão alta. Miller suspeitava dele e continuou investigando onde Abel estava nos dias em que os crimes teriam ocorrido. Algumas testemunhas afirmaram ter visto Abel na companhia de meninas mais jovens a quem ele oferecia carona. Circulava o boato que ele havia tentado abusar de uma garota de 15 anos que aceitou sua carona e que fugiu quando ele parou a pickup num lugar isolado da I-45. Miller ficou convencido que Abel era o homem, embora nenhuma pista a respeito dele tivesse sido confirmada.
Miller começou a seguir seu suspeito, a confrontá-lo e em uma ocasião chegou a ameaçá-lo com uma pistola. Depois de ser denunciado ele contratou um detetive particular para continuar seguindo o suspeito. Ele também espalhou fotografias de Abel em lugares públicos pedindo que qualquer pessoa que tivesse algo contra o suspeito se apresentasse. Abel começou a ser tratado como um pária na sua própria vizinhança, visto com desconfiança por todos que estavam ao seu redor, vizinhos e amigos inclusive. Em certa ocasião, quando estacionava seu carro em um mercado ele foi cercado por uma multidão que gritava "Assassino!"
Tim Miller daria início a tradição de colocar cruzes para marcar o local em que as vítimas do serial killer foram achadas, incluindo a de Heide Villareal Fye, que desapareceu enquanto voltava de Houston e cujo corpo foi achado na I-45. Os corpos de duas outras jovens não identificadas foram encontrados ali perto, ambas com a cabeça esmagada por golpes de uma barra de ferro. As duas receberam cruzes com o nome "Jane Doe". Miller também ajudou a organizar um grupo de voluntários que cadastrava jovens desaparecidas, uma operação que devolveu mais de 100 garotas para suas famílias.
Apesar de toda divulgação a respeito do Campo da Morte, cadáveres continuaram aparecendo em seus limites com alarmante frequência ao longo dos anos 1990. Um dos casos mais famosos envolveu o misterioso desaparecimento de Jessica Cain de 17 anos que sumiu depois de deixar a escola em que estudava em agosto de 1997. O automóvel de Jessica foi abandonado cerca de 5 quilômetros do Campo da Morte, na I-45, mas a garota não foi achada a despeito de uma enorme operação de busca realizada com helicópteros e cães farejadores. Até hoje, não se sabe o que teria acontecido com ela e se ela foi morta, onde seu cadáver foi deixado.
De fato, apenas duas semanas antes de Jessica desaparecer, Laura Smither de 12 anos também sumiu sem deixar vestígios. A menina havia telefonado para uma amiga e combinado de encontrá-la em uma lanchonete. Ela jamais chegou ao local. Seu corpo em decomposição, nu e decapitado foi descoberto no fundo de um lago próximo de Friendswood, durante a busca empreendida por Jessica. Um ano antes, em março de 1996, houve um caso que causou grande comoção envolvendo a jovem Kristal Baker de 13 anos que desapareceu em Texas City. Kristal, cuja tia avó não era outra senão a famosa atriz Marilyn Monroe, havia brigado com a mãe e fugido de casa furiosa. Mais tarde ela fez um telefonema no qual falou com o irmão e garantiu que voltaria para casa. Para isso, pegaria carona. Foi o último contato que ela teve com a família. O caso de Kristal foi tratado como uma fuga e mesmo quando o cadáver de uma menina foi achado violentado e brutalmente mutilado, a polícia não fez a conexão sobre sua identidade. Foram necessárias duas semanas para que o cadáver fosse enfim identificado positivamente como o da menina.
"Esta é uma estrada maldita. Se me perguntarem a respeito eu diria que esse lugar parece sugar a vida e a pureza das suas vítimas. Não há como explicar... você sente no ar que não é um lugar comum. Há algo ruim no ar... uma presença, uma maldade represada pelos anos, décadas de mortes sem solução. Não digo que seja o mesmo assassino esse tempo todo, não seria lógico pensar isso... mas é inegável que um ou mais desses monstros se tornaram confiantes em matar pela primeira vez por que ninguém foi capturado e punido em todo esse tempo. Esse lugar parece proteger esses criminosos, quase como se eles desaparecessem e se misturassem com o ambiente, ficando praticamente invisíveis. Não estou dando uma desculpa esfarrapada para nossas falhas, e nem dizendo que há algo sobrenatural, mas é frustrante não achar nenhuma pista. E continuar sem achar..."
É uma frustração compartilhada por vários policiais, detetives e investigadores que participaram dos casos ocorridos no Campo da Morte. De muitas formas, o lugarera e continua sendo um lugar perfeito para se livrar de cadáveres. A área é remota e distante de tudo. Ninguém mora na região e a ausência de visitantes torna a região inteira um deserto onde uma pessoa pode entrar, ficar por horas e depois simplesmente ir embora sem que ninguém perceba sua presença. A polícia colocou câmeras de vigilância, mas muitas delas foram simplesmente destruídas ou alvejadas com armas de fogo.
Para piorar, vítimas arrastadas até esse lugar remoto não tem a quem pedir ajuda. O clima, a vegetação abrasiva, a falta de iluminação, as armadilhas do terreno irregular, tudo parece conspirar contra a descoberta de vítimas levadas até o local. Isso sem mencionar a presença de insetos e animais selvagens que ajudam a "sumir" com os restos em questão de semanas até que nada sobre além de ossos. Mesmo pistas de DNA dificilmente sobrevivem a um tempo de exposição prolongado como geralmente acaba ocorrendo.
Outro problema é que a estrada registra a passagem de milhares de pessoas entre elas, potenciais agressores, inclusive assassinos em série, transitando de um lado para o outro sem que ninguém desconfie. Essa área do Texas é conhecida como uma das mais violentas, com média de assassinatos, crimes violentos e agressão sexual acima da média nacional. Segundo registros há nada menos que 2100 ex-condenados identificados como predadores sexuais pela justiça residindo nos arredores do Campo da Morte. Adicione a isso o fato de que o Texas lidera com folga o ranking de homicídios não resolvidos ocorridos em estradas nos Estados Unidos. Segundo um levantamento apenas 1 em 6 crimes de morte ocorridos em estradas do Texas são resolvidos.
Com todos esses dados, seria realmente surpreendente haver tantas mortes e tantos assassinatos nesse lugar esquecido? De fato, uma investigação do FBI apurou a possível existência de no mínimo 5 assassinos em série ativos na área do sul do Texas entre 2015 e 2020. Não é possível determinar se esses estudos estão corretos (a única maneira de apurar tal coisa envolve capturar os envolvidos), mas tudo leva a crer que seja uma das maiores zonas de atividade de assassinos seriais do mundo.
A presença de vítimas em potencial é outro fator que torna tudo muito complicado. Nenhuma outra parte do país possui um índice tão grande de adolescentes fugindo de casa e transitando sozinhas quanto essa parte do Texas. São jovens que partem rumo a Califórnia em busca de liberdade e sonhos alimentados pela noção de uma vida glamorosa em Los Angeles. A maioria delas, vem de lares desfeitos e tem relações tumultuadas com os pais. Do ponto de vista de um predador sexual ou serial killer, a existência de tantas vítimas em potencial, meninas de quem ninguém sentirá falta ou que ninguém conhece o paradeiro, facilita enormemente os crimes. Um predador sexual que concordou em auxiliar o FBI em seu estudo a respeito do sul do Texas se referiu às estradas e arredores da I-45 como um "open buffet" para predadores em busca de vítimas.
O repórter do Texas Monthly Skip Hollandsworth que investigou as mortes na região, se referiu ao Campo da Morte do Texas da seguinte maneira:
"É o tipo do ambiente que alimenta uma aura sinistra. Ninguém se importa com quem vai ou quem vem. É fácil se tornar anônimo na I-45. Você dirige de um lugar para outro, segue por estradas poeirentas e isoladas, sem ver ninguém e sem ser visto por ninguém. Um assassino deixa os corpos de suas vítimas pelo caminho. Os abandonam sabendo que possivelmente nem serão encontrados. De todos os lugares que um serial killer poderia desejar operar, esse é o melhor. Ele sabe que poderá agir com poucas chances de ser capturado".
As medidas surtiram efeito e o número de desaparecimentos e mortes foi reduzida drasticamente a partir de 2012, mas o índice ainda é considerado alto em comparação com outros estados, bem acima da média nacional. Apesar dessa melhoria, não há muito o que comemorar, sabendo-se do passado sinistro do Campo da Morte e como essa região permitiu a assassinos agir livremente.
O Campo da Morte margeando a I-45 e estradas vicinais se tornou um tipo de Lenda Urbana popular no Sul do Texas, mas para os parentes das vítimas, ele é algo muito pior que qualquer história de fantasmas. Ele é uma terrível e inescapável realidade.
A mística que esse local desolado exerce sobre nós, cria um tipo de mórbida fascinação, ainda mais quando envolve crimes não resolvidos. Examinando a longa lista de brutais assassinatos e assustadores desaparecimentos ocorridos nos arredores do Campo da Morte do Texas é difícil não procurar uma explicação sobrenatural para essa tragédia. Talvez nós precisemos buscar uma explicação metafísica que ajude a explicar o mal que permeia esse tipo de lugar. Por vezes, saber que seres humanos foram os responsáveis por tais atrocidades é mais duro do que apontar monstros e demônios que vagam na noite.
Interessante como esta matéria me lembrou True Detective (1ª Temporada).
ResponderExcluirÉ angustiante saber quantas investigações (quando abertas) não serão solucionadas.
Muito boa (e assustadora) matéria
ResponderExcluirIncrível como a qualidade do seu trabalho nunca deixa a desejar, realmente, a única coisa mais assustadora que sua habilidade em escrever é a maldade humana.
ResponderExcluirE mais uma vez a realidade assusta mais do que a ficção
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