terça-feira, 29 de dezembro de 2020

A Estrada do Inferno - Viajando pela assustadora Rota 666


Dirigir sozinho por uma estrada isolada e remota, através de um deserto, pode ser uma experiência enervante que nos atinge num nível profundo da nossa psique. A interminável e monótona paisagem se estendendo até onde os olhos alcançam instiga uma sensação esmagadora de solidão, como se a civilização não existisse além da estrada. Tudo que se vê são os cactos, areia, rochas e poeira do deserto. Além da sensação de desolação, é impossível afastar um sentimento de ameaça. Afinal, se algo acontecer nesse lugar deserto quem poderá me ajudar? Se o motor tiver uma pane ou se algum maníaco aparecer com a intenção de atacar, não haverá testemunhas. Nesse lugar deserto, nessa imensidão afastada de tudo e de todos, quem ouvirá seus gritos?

O isolamento completo desses lugares, por vezes cria um terror palpável que nos afeta em nossos medos mais íntimos.    

Lugares assim existem no todo mundo. Recantos afastados em que tudo que resta é a sensação incômoda de se estar absolutamente sozinho. Talvez nenhum outro lugar seja mais sinistro e com um ar de perigo pronunciado do que a região conhecida como "quatro cantos" que marca a fronteira entre estados norte-americanos. A reputação desse lugar foi construída a partir de incidentes estranhos, criando uma aura maldita e assombrada que lhe valeu o mórbido apelido de "A Estrada do Diabo".
  
Estendendo-se através do Colorado, Novo México, Utah e Arizona, a estrada batizada originalmente como U.S. Route 666 possui cerca de 320 quilômetros de trilhas acidentadas que cortam o deserto selvagem passando por territórios pertencentes à Nação Navajo e contornando as Montanhas pertencentes a Tribo Ute. Boa parte desse percurso é formado por um deserto agreste, com vastas estâncias áridas com pouco ou nenhum sinal de civilização. A rota é uma das mais conhecidas e notórias estradas da América e tem uma bizarra história que inclui estranheza, azar, acidentes, fantasmas, aparições e vários fenômenos inexplicáveis.    


A desagradável fama da Rota 66 como uma das estradas mais temidas da América começa pela sua infeliz numeração. Os oficiais da Associação Americana de Estradas determinaram seu número na década de 1920, e a estrada se tornou a sexta rota da então Grande Estrada 66, conhecida portanto como 666. Embora a escolha do número tenha sido completamente inocente e não intencional, não demorou para que as pessoas começassem a fazer associações entre a numeração e o infame "Número da Besta" ou "A Marca da Besta". A sinistra conotação foi agravada pelo fato de que estatísticas no período apontavam que essa estrada em particular era palco de alto índice de acidentes, boa parte deles fatais. A quantidade era considerada acima da média, particularmente no trecho atravessando o Novo México. Havia um número tão elevado de mortes na Rota 66 que ela passou a ser reconhecida como uma das mais perigosas estradas dos Estados Unidos. Embora existissem vários fatores que poderiam explicar os acidentes, como as más condições da estrada e o hipnotizante efeito da paisagem monótona nos motoristas, muitos estavam convencidos de que havia uma ligação direta entre os acidentes e o número satânico pelo qual a estrada era conhecida.

Além dos acidentes e mortes, muitos que dirigiam pela rota relatavam histórias estranhas. Descreviam uma pesada sensação de ansiedade, pavor e iminente ameaça. Havia ainda a enorme quantidade de veículos apresentando súbito mau funcionamento na Rota 66, com destaque para superaquecimento, pane no motor, pneus estourando, problemas elétricos e outros defeitos inesperados. Essa aura desagradável que a autoestrada invocava, a grande quantidade de problemas nos veículos e sobretudo os vários acidentes estranhos, alguns tão bizarros que ganharam status de lenda urbana, eram fatores suficientes para dissuadir motoristas de se aventurar pela estrada. Muitos simplesmente preferiam contornar através de caminhos mais longos do que trafegar na "Autoestrada do Diabo" ou "Via Expressa de Satã".               


À primeira vista, nada disso sugere um elemento sobrenatural. Afinal de contas, acidentes acontecem em qualquer estrada e dirigir através de uma região isolada à noite pode certamente causar arrepios, mas as estranhezas da Rota 666 não param por aqui. Além do estranho sentimento de ansiedade e pavor, existe uma imensa coleção de histórias macabras. Talvez algumas das mais intrigantes envolvam os espectros e assombrações que habitam esse trecho. Uma das lendas mais infames diz respeito a aparição de um ameaçador Sedan preto, por vezes referido como o "Sedan do Diabo", que supostamente persegue e aterroriza motoristas. Os relatos sobre o sedan compartilham de características semelhantes e normalmente seguem o mesmo roteiro. Um motorista segue pela autoestrada perto do anoitecer quando é acometido de uma sensação de inexplicável terror. Assim que o sol desaparece no horizonte e a escuridão toma conta do deserto, o motorista percebe atrás de seu veículo um par de faróis se movendo rápida e inexoravelmente cada vez mais perto. Isso tende a acontecer, segundo as testemunhas, logo depois do anoitecer e nas noites de lua cheia. Acelerar para tentar escapar parece não surtir efeito, já que o carro fantasma continua se aproximando não importa a velocidade que se siga.         
O que acontece quando o ameaçador sedan inevitavelmente chega, se difere de história para história. Alguns dizem que o misterioso carro realiza uma ultrapassagem perigosa, tentando tirar o motorista da pista, acelerando em seguida noite adentro até desaparecer na escuridão, por vezes buzinando loucamente. Outros afirmam que o sedan tenta bater e abalroar a traseira do carro perseguido antes de fazer a ultrapassagem. Enquanto algumas testemunhas descrevem manobras arriscadas e tentativas claras do sedan de causar um acidente violento e potencialmente fatal.

Os motoristas que tentaram ver quem está atrás do volante do sedan espectral forneceram uma descrição variada da figura. Alguns sugerindo que se tratava de um homem de olhar maníaco com olhos injetados de loucura e perversão. Outros afirmam ser um sujeito aparentemente comum, mas com um chapéu enterrado na cabeça de onde se projeta um par de chifres diabólicos. Na maioria dos relatos, contudo, os vidros do sedan são escuros e não permitem ver nada além de uma silhueta curvada sobre o volante. Algumas testemunhas afirmam que a placa do automóvel tem os números 666, que ele não apresenta nenhum arranhão mesmo depois de bater e que os faróis brilham com uma luminosidade estranha, quase espectral. Na maioria das versões, o Sedan negro desaparece depois de ultrapassar ou tirar o outro motorista da pista, com sorte, deixando-o no acostamento ofegante e confuso após a experiência. Alguns não tem a mesma sorte e a perseguição termina num acidente fatal, com capotagem e explosão. 


Mas o diabólico Sedan Preto não é a única aparição vagando pela Rota 666.

Outra lenda popular se refere a um caminhão fantasmagórico conduzido por uma entidade maliciosa e agressiva. O tal caminhão segue pela estrada em uma velocidade alucinante, perseguindo ou mesmo batendo em outros veículos buscando tirá-los da estrada e causar acidentes. Valendo-se de seu tamanho e de sua velocidade, o caminhão coloca a vida de outros motoristas em risco, avançando com determinação homicida sobre quem estiver no seu caminho.

A lenda diz que o caminhão é um espectro formado pelo acidente fatal de um motorista que costumava transitar pela Rota 666. O motorista continuou a trafegar mesmo após sua brutal morte em uma das curvas mais acentuadas da estrada e desde então ele guarda um profundo rancor dos vivos. A escritora Linda Dunning, que pesquisou extensivamente a respeito das lendas locais, descreveu um encontro dela e do marido com o caminhão fantasma em seu livro "Espectros: Histórias de Assombrações de Utah". Dunning contou como ela e seu marido, foram perseguidos por um trecho de quase 15 quilômetros por um caminhão à mais de 200 quilômetros por hora. O veículo perseguidor tinha faíscas voando de suas rodas e fumaça preta saindo de seu capô. O marido da escritora, que conduzia o carro, conseguiu escapar encontrando um trecho com acostamento e entrando nele em alta velocidade até frear por completo. O Caminhão então buzinou sonoramente como se estivesse furioso com o fato da perseguição ter se encerrado sem um acidente mais grave.


Motoristas demoníacos compartilham a estrada com uma multidão de criaturas espectrais e seres malignos. Uma das mais famosas figuras que assombram esse trecho do deserto é a aparição de uma jovem garota vestida de branco que aparece andando pelo acostamento sempre à noite. Quando um carro vem em sua direção, ela pede carona, por vezes ficando bem no meio do caminho. Sua aparente inocência e o fato dela estar em um lugar isolado sozinha, por vezes faz com que motoristas parem o veículo para saber se ela precisa de ajuda. Quando o fazem, percebem que a figura é transparente e começa a se desfazer como se de fato não existisse. Alguns acreditam que o fantasma pertence a uma garota que fugiu de casa e que vagou sem destino pelas estradas até ser atropelada ou capturada por um viajante que se aproveitou do fato de não haver testemunhas num raio de muitos quilômetros.

A garota teria sido morta e enterrada em algum ponto do deserto e seus ossos continuariam perdidos num lugar ermo, aguardando serem descobertos. Apenas quando isso acontecer ela poderá descansar. Apesar de não ser uma aparição maligna, a "Garota de Branco" se tornou uma aparição recorrente capaz de gelar o sangue dos que a encontram. A visão dela teria causado pelo menos meia-dúzia de acidentes, ocasionados sobretudo por motoristas que saem da pista para desviar da figura que surge bem diante deles.

Mais perigosos são os grupos de cães selvagens, também chamados de "Cães Infernais", que espreitam pela Rota 666. Esses animais supostamente vagam pela beira das estradas, vivendo em matilhas no deserto. Eles perseguem carros que passam em alta velocidade e se aproximam de quem estaciona ou para o veículo no acostamento, sobretudo aqueles que experimentam defeitos mecânicos. Motoristas que os encontraram descreveram os animais como enormes e extremamente agressivos cães de pelagem preta e olhos injetados de vermelho. Há relatos desses cães atacando motoristas trocando pneus ou caminhando pela estrada em busca de um posto de atendimento. 

Motoristas que abandonaram seus carros no acostamento e conseguiram carona se espantam ao retornar aos seus carros e os descobrir avariados com arranhões na lataria ou pneus mordidos por essas feras. Os Cães do Inferno são famosos por atacar sem aviso e por ter um apavorante rosnado. Acredita-se que a lenda tem um fundo de verdade, baseado na história de que vários cães foram abandonados no deserto no início do século XX e que estes, após gerações, teriam se tornado selvagens e extremamente territoriais.

Da mesma forma, motoristas que atropelam esses enormes vira-latas e param para ver o que aconteceu se descobrem cercados por uma matilha feroz surgida do nada, determinada a matar e vingar a morte de um dos seus. Com dentes afiados e uma determinação assombrosa, esses cães se converteram em uma das lendas mais frequentes entre motoristas. Vários acidentes e desaparecimentos são atribuídos a eles.   

Acrescentando números à estranha coleção de animais fantasmagóricos encontrados na Rota 666, existe uma presença aterrorizante que as tribos nativas da região se referem como "skinwalkers" (troca peles). A Autoestrada 666 corta através de uma Reserva Indígena e de vários trechos sagrados para os nativo-americanos, inclusive duas montanhas conhecidas como Montanhas Ute e um vulcão extinto apelidado de "Navio de Pedra". De acordo com as lendas nativas, os skinwalkers seriam espíritos pertencentes a xamãs malignos com a habilidade de magicamente se transformar em vários animais como coiotes, corvos e lobos. Uma vez assumindo forma animal, estes seres perseguem as pessoas com o intuito de matá-las e delas se alimentar. 

As criaturas seriam responsáveis por vários acidentes fatais na estrada e um número grande de desaparecimentos. Eles parecem seguir veículos com problemas e quando um desses motoristas para na estrada acaba sendo atacado pela fera. Conforme o mito dos Ute, o skinwalker ao devorar uma vítima não se alimenta apenas da carne desta, mas de seu espírito, que uma vez consumido se converte em um escravo espiritual. O xamã maligno pode então se valer desse escravo pela eternidade. Para se proteger da entidade os Ute se valem de objetos encantados, geralmente colares de contas usados em volta do pescoço. Se os restos de uma pessoa morta por um skinwalker receber um colar destes antes de ser enterrado, seu espírito não será escravizado, ou assim diz a lenda.

Outro bizarro fenômeno que surpreende os motoristas envolve um trecho em especial que parece mais longo e cansativo que os demais. Próximo do Arizona, essa extensão, conhecida como "Longa Marcha" compele vários motoristas a parar e esticar as pernas pois o percurso parece extremamente árduo e longo. Algumas dessas pessoas que estacionam no acostamento contam que acabam tomadas por um súbito esgotamento físico e mental que os compele a fechar os olhos e dormir por alguns minutos. Ao despertar esses motoristas experimentam perda de memória, mostrando-se confusos ao ponto de sequer recordar como chegaram ao local e o que estavam fazendo ali em primeiro lugar.

Relatos sobre esse fenômeno envolvem indivíduos afirmando categoricamente ter parado o automóvel em determinado ponto, acordando em outro a muitos quilômetros de distância, sem saber como chegaram lá. Há histórias ainda mais sinistras envolvendo motoristas que desaparecem por dias ou mesmo semanas e que ressurgem repentinamente sem lembrar onde estiveram ou o que aconteceu na sua ausência. Estes parecem sequer se dar conta do tempo que passou.

Estas pessoas que perdem o rastro do tempo ou reaparecem depois de um determinado período talvez sejam os que tiveram mais sorte. A Rota 666 possui uma altíssima taxa de desaparecimentos registrados anualmente, muito acima da média de qualquer outra estrada americana. São pessoas que supostamente atravessavam a estrada sozinhas e que simplesmente desapareceram sem deixar vestígios. Há um elevado número de automóveis abandonados achados em trechos vicinais ou mesmo no meio do deserto sem aparente motivo. Seus condutores apenas sumiram no ar e tudo que restou deles foi um automóvel vazio e perguntas sem resposta. 

Toda essa estranheza e os fenômenos paranormais se tornaram tão associados a rota 666 e ao seu número diabólico, que o governo eventualmente se convenceu a trocar a numeração em virtude de diversos pedidos. É inegável que a estrada sofreu com um estigma que afetou a economia em toda região. Não apenas os negócios foram afetados pela falta de viajantes e indivíduos dispostos a viajar pela estrada maldita , mas o desenvolvimento da área inteira se viu estagnado em face da aversão geral das pessoas. Com o intuito de diminuir a má fama da estrada como um lugar maligno, foi decidido rebatizar o trecho que se estende até o Arizona como U.S. 191 e como Rota 491 nos outros 3 estados a partir de 2003.

A maioria das pessoas não acredita que simplesmente renomear a Rota 666 tenha causado algum efeito benéfico ou uma redução significativa no número de fatalidades e acidente na estrada. Ao remover o infame “número da besta”, esperava-se anular a maldição. Alguns achavam que talvez fosse o número 666 o responsável por atrair forças obscuras para essa rota em especial. Longamente negligenciada e mantida com poucos reparos, a estrada viu poucas melhorias desde a mudança de seu número. Da mesma maneira, campanhas de conscientização e aumento da segurança de trânsito trouxeram poucos resultados para a economia e turismo. 

O início de projetos foi deliberadamente programada para coincidir com a alteração do nome. Na ocasião, até mesmo uma cerimônia de purificação realizada por xamãs nativo-americanos foi realizada com o objetivo de limpar a estrada dos espíritos malignos. Considerando todo o trabalho realizado supostamente deveria ter havido uma redução na frequência de estranheza na região, mas nada parece ter mudado. Histórias macabras, fantasmas, assombrações e desaparecimentos inexplicáveis continuam ocorrendo em alarmante proporção.  


A despeito do que a Rota 666 é chamada agora, ela preserva parte de sua mística e mistério como sempre teve. Seja lá o que acontece nessa estrada, muitos acreditam que algo poderoso, maligno e assustador espreita por esses caminhos e influencia tragédias e acidentes. 

Haveria algo antigo e não humano habitando esse trecho de deserto árido no coração dos Estados Unidos? Ou são apenas histórias sinistras e lendas urbanas fabricadas para nos assustar? Seja lá qual for a resposta para essas perguntas, estradas isoladas e escuras parecem ter um profundo efeito nos enervando e causando preocupação. 

É como se essas estradas penetrassem em nosso subconsciente e agitassem nossos medos primordiais. Todas as histórias bizarras e relatos arrepiantes sobre a lendária Rota 666 certamente tem um lugar de destaque em nossas aflições, vindo à tona sobretudo quando estamos sozinhos atrás do volante em uma noite escura.

Lembre-se disso na próxima vez que entrar no carro e pegar a estrada.

3 comentários:

  1. Engraçado que, o filme Carros, da Pixar, mostra a Rota 66 e aborda a questão do prejuízo das cidades próximas por causa do abandono da estrada. kkkkk nunca imaginei que aquela estradinha tinha uma história tão sinistra.

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  2. Na década de 1960, passava na tv, um seriado denominado "Route 66", onde 2 amigos viviam muitas aventuras.

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