sexta-feira, 6 de maio de 2016

Como a Chaosium quase implodiu a si mesma - Do desastre ao renascimento.



Do blog Geek and Sundry
Por Ben Riggs

Como pode um Financiamento Coletivo de meio milhão de dólares falhar? E por que outra companhia iria querer assumir o problema alheio e gastar seis dígitos para erguê-la dos mortos?

A Chaosium Inc é um dos grandes medalhões da Indústria dos Role Playing Games. A companhia foi fundada em 1975 pelo designer de jogos Greg Stafford, criador da ambientação Glorantha e do RPG Pendragon. A companhia se tornou muito conhecida por publicar o seminal RPG de Horror, Call of Cthulhu que é baseado nos trabalhos de H.P. Lovecraft. Embora jamais tenha sido uma gigante em tamanho, a Chaosium estabeleceu uma grande base de fãs devotos.

Então, quando a Chaosium iniciou um Financiamento Coletivo para a sétima edição de Call of Cthulhu em 2013, ela se saiu muito bem, arrecadando US$ 500,000 com milhares de apoiadores. A campanha superou as metas estabelecidas e conquistou inúmeras recompensas oferecidas, que demandariam a criação de outros quatro livros. Fãs do jogo e de horrores não-euclidianos em geral, uivaram em êxtase, por terem contribuído para a criação de um belo jogo e ansiosos por colocar suas garras em volumes que sem dúvida abalariam sua sanidade. Esse era o segundo Financiamento Coletivo da Chaosium a atingir seis dígitos de lucro, o anterior, a campanha Horror on the Orient Express já havia levantado US$ 207,804, um ano antes. 

A expectativa de entrega do livro era outubro de 2013, um prazo que chegou e passou. Uma nova data foi anunciada, que também chegou e passou. Os arquivos em PDF dos Livros Básicos foram entregues em 2014, e muitas promessas foram feitas a respeito da impressão e envio.

Em março de 2015, quase dois anos depois do início da campanha, apoiadores receberam a notícia, "Seguindo nosso último anúncio, a editora contratada recebeu os arquivos finais e iniciou o processo de impressão. Nós esperamos receber nossas provas dentro no prazo acordado".

O problema é que esse anúncio também era falso. Arquivos foram enviados para impressão, mas infelizmente, sem os fundos necessários para pagar o trabalho.

Em 2 de junho de 2015, a Chaosium anunciou que seu fundador Greg Stafford havia retornado a companhia como Presidente. Seu companheiro Sandy Petersen, o idealizador original do RPG Call of Cthulhu, retornou com ele, e a dupla assumiu que a entrega do material do Financiamento Coletivo seria sua prioridade. Quando Stafford e Petersen retornaram, encontraram na conta bancária da Chaosium menos de US$ 10.000.

PARA ONDE FOI O DINHEIRO?

Como pode uma companhia que arrecadou 750,000 em Financiamentos coletivos em dois anos pode ter tão pouco em sua conta bancária? 

Em uma extensiva entrevista concedida por e-mail, a  nova direção da Chaosium e o atual presidente, Rick Meints relataram uma estória de má gestão, estratégia de negócios fraca e práticas quase anti-éticas por parte da administração anterior.

Os problemas se iniciaram com o Financiamento de Horror on the Orient Express. A administração anterior estabeleceu a cobrança de apenas US$ 20 para enviar uma caixa pesando cinco quilos a apoiadores internacionais. O custo para postagem de um pacote desse tamanho é muito alto, algumas vezes podendo chegar a US$ 150 para apoiadores residentes do Japão. Meints explicou que apenas nesse Financiamento a Chaosium perdeu US$ 170.000. Quando Greg Stafford retomou a companhia, ainda haviam vários apoiadores que ainda não haviam recebido seus produtos. 

O Financiamento da sétima ediçãod e Call of Cthulhu continuou com esses problemas. O Financiamento comprometeu a Chaosium com a obrigação de produzir OITO livros, bem como quatro baralhos de cartas e um CD. Além disso, esses produtos precisavam ser enviados para apoiadores em todo mundo. Horror on the Orient Express também voltou para assombrar a companhia. Ele foi oferecido como um add-on para os apoiadores da sétima edição, que podiam adquirir uma cópia por meros US$ 65 (o produto se encontra à venda na página da Chaosium por US$ 119,95!) e PIOR a editora cobraria apenas 1 dólar pelo envio. O Financiamento acumulou meio milhão de dólares, mas quando confrontado com a quantidade de itens oferecidos e o custo de envio, ele não se mostrou muito.

A magnitude do erro pode ser compreendida simplesmente avaliando o custo de envio. No nível "Nictitating Nyarlathotep" o apoiador deveria receber oito livros. Os apoiadores internacionais teriam de desembolsar US$ 355 por todo material e mais o envio, o que parece muito, até você considerar que é apenas US$ 15 a mais do que os apoiadores americanos teriam de pagar por uma entrega nacional. A noção de enviar oito livros para o Japão e cobrar apenas US$ 15 é uma loucura que nem mesmo Lovecraft seria capaz de conceber.

Meints disse que dezenas de milhares de dólares tiveram de ser gastos com layout, arte, testo e edição dos livros. Além disso, Chaosium ficava em Hayward, um subúrbio de San Francisco. O custo de manter um depósito e escritório nesse local também drenava os fundos obtidos.

Chaosium ficou devendo os salários de artistas, editores e autores. A nova administração descobriu que mais de cem envolvidos na produção não haviam sido pagos pela Chaosium, e mais grave, haviam pessoas que estavam esperando a mais de uma década para receber por trabalhos anteriores.

Quando Stafford retornou para a companhia em junho de 2015, ele encontrou a companhia com pouco dinheiro, com várias obrigações contratuais pendentes e parecia não haver nenhuma forma de cumprimento. Stafford havia construído a Chaosium. Será que ele também teria de enterrá-la?


AS ESTRELAS SE ALINHAM PARA A CHAOSIUM

Em agosto, Stafford anunciou que a premiada equipe da Editora Moon Design assumiria a administração da Chaosium. A equipe Moon Design lidou com a crise de uma maneira ousada e honorável: eles injetaram dinheiro na empresa. 

A Moon Design investiu seis dígitos de seu próprio bolso para que a sétima edição de Call of Cthulhu fosse impresso e entregue aos apoiadores. Meints estima que até todos os apoiadores receberem suas recompensas, a companhia terá gasto mais de US 100,000 apenas em despesas de envio.

Depois de muito tempo, a editora foi paga e os livros impressos.

Fãs ansiosos usando a hashtag #ShipsofCthulhu rastrearam os navios que transportam os tão aguardados volumes desde seu porto de origem até seu destino final, tirando fotos e acompanhando através das redes sociais.

O Vice-Presidente Michael O'Brien disse, "A resposta dos fãs da Chaosium foi esmagadoramente positiva - mesmo aqueles que já estavam fartos de esperar".

Moon Design trouxe o editor James Lowder. Lowder, que é conhecido por aquilo que Meints chamou de "forte defesa dos criadores", tornou-se consultor editorial para a linha de ficção e imediatamente começou a liquidar as dívidas com autores e artistas.  

Lowder contou a respeito da situação, "Em situações semelhantes editores simplemsente foram embora e esqueceram suas obrigações, Greg, Sandy e a nova administração da Chaosium fizeram a coisa certa para sua equipe, para os apoiadores que tanto esperaram após o Financiamento, um grupo no qual eu mesmo estou incluído. Eles me trouxeram aqui como consultor para ajudar a identificar os débitos e pagar o que é devido. É exatamente isso que estamos fazendo. Eu fico orgulhoso de fazer parte desse esforço".

Matthew Sanderson, um escritor que trabalhou para a antiga administração e agora para a Moon Design, disse que a nova equipe se mostra muito mais comunicativa. Ele acrescentou, "Ele stem sido ótimos (em pessoa e por email) sempre que tenho d elidar com eles".

Chaosium parece estar tentando se erguer do chão, como um feiticeiro Lovecraftiano invocado pelos sais essenciais. Um Financiamento do clássico RPG RuneQuest financiado com sucesso em janeiro, e recompensas de apoiadores já foram impressas e estão prontas para o envio dentro de três meses, o que, com certeza aumentará a confiança na administração da Moon Design.

Entretanto, uma questão permanece pairando. Por que a Moon Design Productions investiria uma quantia considerável de tempo e dinheiro em revitalizar uma companhia que se enterrou num Financiamento?


PAGANDO SEUS DÉBITOS

O Presidente Rick Meints explicou suas ações dizendo, "[Nós] decidimos ajudar a salvar a Chaosium por diferentes motivos. Nós quatro crescemos com a companhia e amamos seus jogos há décadas. Nós também vemos isso como um investimento de longo prazo que pode dar retorno com o devido trabalho. O mundo dos jogos de mesa fica bem mais rico com a Chaosium existindo, e nós estamos orgulhosos de ajudar a garantir que ela continue". 

CFO Neil Robinson explicou que o sucesso da Chaosium é uma questão pessoal para a Moon Design. Ele contou, "Nós quatro nunca teríamos nos encontrado sem RuneQuest, o primeiro RPG da Chaosium… [quando] nos conhecemos, nós estávamos vivendo em quatro países diferentes, em três continentes".

E assim, a Chaosium, sob uma nova administração, continua em família.

Agradecimentos a equipe da Chaosium/Moon Design. Sem a sua transparência, esse artigo não seria possível.

*          *          *

Ainda é cedo para dizer se as coisas vão se arrumar... não é o momento de comemorar ainda.

Francamente eu já estive mais preocupado, afinal fiz um bom investimento nesse Financiamento Coletivo e já estava achando que no final das contas ficaria chupando o dedo sem meus livros. Mas quando lembro da via crucis que foi receber meu Horror on the Orient Express, chego a ter arrepios... se não me engano fui um dos últimos aqui no Brasil a receber a caixa e tive que bombardear a Chaosium com e-mails toda quinta feira para ver se eles me respondiam e enviavam o produto que eu paguei para ter.

No fim, acho que só recebi meus livros por que enviei quarenta e sete mensagens (sim, eu contei!) até eles finalmente enviarem minha caixa através de um Priority Express Mail ao custo de US$ 85. Mesmo assim, fiquei sem meus dados e sem meu shield exclusivos da campanha que eles "esqueceram de enviar" e que "infelizmente não dispomos mais".

Saber das trapalhadas que a antiga direção da Chaosium cometeu me faz pensar que certas companhias não tem a menor ideia do que é agir com profissionalismo. E infelizmente isso é tão verdade aqui no Brasil, quanto lá fora. Mas há pessoas e pessoas... algumas fazem o possível para cumprir suas obrigações e lutam para entregar o acordado por vezes colocando a cara à tapa e levando prejuízo outras não estão nem aí.

Agora com a Moon Designs *parece* que as coisas estão voltando aos trilhos e que a companhia está em boas mãos...

Eu digo "parece" por que só vou respirar aliviado quando e (não queria escrever, mas lá vai), se o meu pedido chegar. Até lá vou continuar com um pé atrás, cruzando os dedos e rezando aos antigos pelo melhor.

Eu já disse anteriormente que nunca mais participaria de um Financiamento Coletivo organizado pela Chaosium, espero que eles consigam fazer com que eu mude de opinião e volte atrás nessa decisão.

Mas até isso acontecer, vão ter que rebolar e fazer um trabalho de primeira.

5 comentários: