A primeira aparição de Abhoth foi em "The Seven Geases" por Clark Ashton Smith
No universo tenebroso dos Mythos de Cthulhu existem entidades tão nefastas e abomináveis que se um dia a humanidade viesse a saber de sua existência de fato, estaríamos frente a frente com uma questão existencial: como compartilhar um mesmo mundo com seres tão abomináveis?
Tomemos por exemplo alguns seres já mencionados, como o horror aracnídeo Atlach Nacha, a indecência herética de Y'golonac ou a anátema quimérica que é Ghatanathoa. Todos e cada um, apresentam-se como pesadelos vivos e são realmente pavorosos além de nossas capacidades de contextualizar o que é pavor. Mas existe algo ainda pior...
Em meio aos Mythos há formas ainda mais inacreditáveis e indescritíveis que traduzem em seu íntimo tudo aquilo que nós, como raça, repudiamos. Trata-se da própria essência da sujeira, da doença e da excrescência feita viva. Falamos aqui não apenas de um Deus, mas de um conceito que açambarca o asco e a repulsa. Um dos Deuses Exteriores mais obscuros que segundo rumores habita os recessos de nosso planeta, e lá permanece em sua cova profunda gerando horrores indizíveis.
O nome desse horror incongruente é Abhoth e a humanidade está ciente de sua existência desde sua juventude primeva. Por milênios ela o temeu em um estupor irrequieto, sabendo o que ele representa e temendo todas e cada uma de suas facetas. Em sonhos, essa deidade visitou o inconsciente do homem comunicando-se com ele e sondando seus impulsos. No fim, Abhoth enxergou na humanidade uma única utilidade prática: sacrifício.
Nos tempos imemoriais, Abhoth enviou mensagens telepáticas para grupos humanos, convocando-os para lugares onde ele pudesse reuni-los em grupos, como rebanhos para melhor atender suas necessidades. Há rumores que as primeiras cidades humanas se formaram dessa maneira e que a própria transição humana do princípio nômade para o sedentário, deveu-se a inspiração de Abhoth. Provavelmente trata-se de um enorme exagero, mas é fato que Abhoth lançou seus tentáculos na direção das mais antigas civilizações de nosso planeta.
Os hiperbóreos foram os primeiros a sentir sua presença torpe, visto que a entidade habitava os subterrâneos do colossal Monte Voormithadreth, uma colina de grande relevância para esse povo pristino. Apesar de (ou por) estarem cientes de sua existência, os hiperbóreos, o evitavam a todo custo, de tal forma, que as expedições ao Monte, sempre contornavam as cavernas que davam acesso às câmaras mais fundas. Uma importante lenda menciona os Sete Comandos (Seven Geases), no qual um hiperbóreo contata diferentes divindades e seres não humanos compelido hipnoticamente a visitá-los em diferentes ocasiões. Abhoth era uma dessas entidades e na estória, ele se manifesta como uma criatura inteligente com uma mente distorcida e cínica, que considera a existência humana nada mais do que um incômodo.
Alguns descendentes dos hiperbóreos que se aventuraram além mar, carregaram consigo um culto centrado em Abhoth. Os fundadores da cidade de Krannoria (supostamente localizada na costa leste da América, nos arredores da Vila de Dunwich) o reverenciavam, mas no fim, a entidade ingrata terminou por destruí-los atraindo a todos para as câmaras de uma caverna onde os absorveu. Sabe-se que os hititas também lhe rendiam homenagens e numerosas inscrições mencionam "Abhoth, o Obscuro" como um dos demônios mais poderosos de seu panteão. Algumas tábuas atribuem a ele a criação de todo o mal, o que parece pouco provável. Os Citas também organizaram um culto voltado para Abhoth, muito embora ele jamais tenha sido especialmente popular. Seus últimos seguidores habitam os desertos inóspitos da Mongólia. Na Terra dos Sonhos, ele é mais conhecido: eremitas e xamãs que povoam a Barreira Cinzenta acendem fogueiras para a "Fonte de Toda Impureza", como o chamam. E cantam músicas para o Deus profano buscando conter sua ira.
Abhoth não parece se importar com a existência de Cultos, e raramente oferece a eles algo além de desdém. O último culto ocidental, formado ao redor da entidade surgiu no século XVII em um local próximo às ruínas da ancestral Krannoria. Um grupo de colonos ingleses foi atraído por ilusões e promessas de um paraíso terreno até as profundezas e absorvido da mesma maneira que os hiperbóreos muitos séculos antes. Não existe um consenso a respeito dos motivos que levam Abhoth a demandar e praticar sacrifícios humanos. Com certeza ele não precisa se alimentar de seres vivos e visto que não aprecia sua companhia é improvável que se trate de algum tipo de comunhão, dessa forma suas razões permanecem incompreensíveis e tão insondáveis quanto sua própria consciência alienígena.
Abhoth tem a forma de uma imensa massa proteia de lodo cinzento. Não há como disfarçar o asco que ela provoca em todos que a contemplam. Há algo em nossa própria natureza que nos faz sentir uma instantânea repulsa diante do Deus quase como um mecanismo de auto-preservação que nos impele a manter distância e evitá-lo a todo custo.
A criatura tem predileção por ambientes subterrâneos, em especial cavernas naturais de origem vulcânica e câmaras escuras muito profundas. Nestes lugares, Abhoth se aninha nos recessos, preenchendo espaços por inteiro com seu volume, como se fosse uma lagoa viva de matéria gelatinosa purulenta. A substância tem propriedades limosas e uma coloração levemente fosforescente, puxando para o azul e o esverdeado em alguns pontos, mas predominando o cinza pálido. Ela borbulha em um frêmito oleoso constante, expandindo e contraindo vários tentáculos plasmáticos através da borda do "lago". Os tentáculos parecem molhados, deixando uma gosma translúcida perolada onde quer que encostem. A massa principal é parcialmente transparente, como um vidro grosso, e no seu interior podem ser vistos restos de seres vivos semi-digeridos pelos ácidos no interior e órgãos de utilidade desconhecida. O som produzido pelo colosso profano é o de um borbulhar ruidoso e de um leve sopro, semelhante a um silvo reptiliano.
Uma das características marcantes diz respeito ao cheiro aviltante que exala da entidade, quase insuportável para a maioria das pessoas. É uma mistura de fermentação, sebo animal e substâncias químicas cáusticas. O fedor pode ser comparado a uma piscina de dejetos industriais. Cada cisto que emerge da massa e se rompe, libera um coquetel indescritível de aromas nauseantes. Muitos dos que são atraídos para a câmara de Abhoth não conseguem suportar as emanações e vomitam copiosamente, outros engasgam ou sofrem asfixia em face do cheiro putrefato. É comum que aqueles que visitam a câmara desenvolvam condições como anosmia (incapacidade de sentir cheiros) e disgeusia (incapacidade de sentir gostos), posteriormente. Lidar com Abhoth também pode ocasionar doenças de pele e variadas modalidades de câncer.
Por tudo isso, Abhoth é chamado de Fonte da Impureza e Repositório da Doença e frequentemente relacionado a imundice e pestilência. Há, no entanto, um outro nome que serve para designar esse Deus: Útero da Podridão. A razão para esse nome peculiar decorre da bizarra capacidade que Abhoth possui de gerar estranhas criaturas em sua massa primordial. Essas criaturas, criadas por fissão, emergem do interior do próprio deus, descartando-se de seu corpo monumental, como um ser vivo, independente.
Essa prole quimérica possui inúmeras formas, tamanhos e aparência, jamais senso iguais umas às outras. Muitos deles parecem seres mutantes de corpo amorfo, semi-derretidos ou inacabados. Cada uma é única, um horror deformado e monstruoso com troncos sem membros, massas de pele flácida, cabeças rolando, braços e pernas, tentáculos e apêndices que rastejam medonhamente, tremem e manquitolam, alguns dotados de bocas, línguas, olhos e nadadeiras.
As crias medonhas tentam se afastar da massa principal assim que conseguem se libertar em um frenesi cego e brusco, livrando-se do seu progenitor. Abhoth, por sua vez, parece consciente desses seres e por isso lança seus tentáculos com o propósito de recolher essas formas e varrê-las de volta para a massa primordial onde eles são absorvidos novamente, engolfados e dissolvidos até desaparecerem por completo. Não há uma explicação para esse ritual, as criaturas simplesmente surgem e se desprendem de Abhoth.
A maioria delas acaba sendo alcançada e arrastada de volta, mas não é impossível que uma cria consiga se destacar e tenha sucesso em sua fuga. Algumas crias desenvolvem a capacidade de se locomover, por arrasto ou em pernas toscas, ou ainda com asas rudimentares capazes de alçar voo para longe dos tentáculos. Aqueles que conseguem escapar vagam sem destino pelos túneis sem luz do covil subterrâneo, incapazes de ver e de sentir o ambiente estão fadadas a morrer, algumas no entanto abençoadas com sentidos melhor desenvolvidos podem conseguir chegar à superfície para aterrorizar o mundo dos homens. Sabe-se de alguns que chegaram até a Terra dos Sonhos por intermédio de portais.
As bestas tem uma inteligência rudimentar e são capazes de agir baseadas apenas nas sua necessidades imediatas e nos impulsos. Algumas delas acabam retornando até a Câmara de Abhoth onde são destruídas pelos tentáculos, mas muitas simplesmente se perdem. Há casos de Crias de Abhoth que atingem dimensões colossais e acabam se refugindo em outras cavernas e grutas escuras já que a luz do sol se mostra um incômodo. Estes são responsáveis pelo surgimento de lendas aterrorizantes a respeito de monstros e seres abomináveis nos confins da civilização.
Como ocorre com muitos horrores dos Mythos o propósito de Abhoth nos escapa por completo. Há conjecturas bizarras de que o Deus Exterior seja a doença definitiva, uma cepa cancerígena que está destinada a crescer e contaminar todo o universo, expandindo-se, quando o momento propício chegar, em uma onda avassaladora de metástase viva.
E quando isso acontecer, nada poderá contê-lo.
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Em quais contos se encontram essas nefastas criaturas?
ResponderExcluirAbhot aparece em "The Seven Geases",de Clark Ashton Smith. Faz parte dos contos na Hiperbórea.
ResponderExcluiraqui tem um artigo que fale sobre os carniçais?
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