Quando o diretor Alex Garland anunciou qual seria o seu próximo filme, muitos fãs imediatamente se animaram. O primeiro trabalho de Garland foi o aclamado Ex-Machina uma espécie de fábula moderna a respeito de aceitação e as implicações morais da tecnologia nas relações humanas. Muito elogiado e tendo recebido um Oscar pelos efeitos visuais, Ex-Machina foi um belo cartão de visitas.
Em seu primeiro filme para um grande estúdio, Garland escolheu uma adaptação do best seller Annihilation (Aniquilação) de Jeff VanderMee. Bancado por um orçamento consideravelmente maior, na casa dos US$ 55 milhões, ele estaria entrando no território das super-produções de Hollywood.
Embora Annihilation tivesse como obra literária uma base de fãs bastante sólida, por muitos anos a adaptação para o cinema foi considerada difícil, muitos julgavam que seria virtualmente impossível fazer a tradução para uliterária de cinema. Garland acabou aceitando o desafio e escreveu o roteiro por conta própria, afirmando ser um grande fã do romance. Concluídas as filmagens, o estúdio responsável pelo filme, a Paramount, começou a expressar preocupação com os resultados de seus testes de audiência: muitas pessoas consideraram o filme "intelectual" e "complicado" demais. A produção terminou quase dois anos atrás e temendo um fracasso de bilheteria, o estúdio tomou uma decisão no mínimo curiosa. Annihilation foi vendido internacionalmente para o Canal Netflix, enquanto chegou aos cinemas apenas nos Estados Unidos e Canadá.
Essa foi uma estratégia similar a usada para Cloverfield Paradox que chegou ao canal de streaming no mês passado dividindo opiniões. Ao contrário de Cloverfield a insistência de Garland em se manter fiel a sua visão, impediu o estúdio de remontar o filme e fazer alterações que julgava necessárias.
Com tudo isso, qual o resultado de Aniquilação?
Em primeiro lugar, é preciso fazer uma distinção entre Aniquilação e os blockbusters de ficção e fantasia lançados por Hollywood. Aniquilação é um filme bem mais lento e contemplativo, que se propõe a ser uma espécie de reflexão, no mesmo estilo de filmes como "A Chegada", "Interestelar" e o próprio Ex-Machina. Não se trata, portanto, de um filme de ficção científica primando pela ação e empolgação, à despeito do que o trailer vende. Talvez a maneira que o filme foi apresentado, como uma espécie de suspense de ficção com toques de horror, tenha criado uma falsa expectativa que incomodou as primeiras audiências teste.
Aniquilação acena com uma proposta diferente dos blockbusters de ficção. Ele consegue ser assustador em alguns momentos, mas jamais tem o intuito de ser chocante ou criar sustos gratuitos. Seus efeitos são excelentes, mas eles estão longe de ser um espetáculo pirotécnico e gratuito de CGI. Tudo é muito contido e específico, quase minimalista. A maneira como o diretor escolheu de contar a história, recorrendo a flashbacks e um ritmo contido, beirando o introspectivo, pode ser interpretado por muitos como cansativo.
Na trama, temos Natalie Portman como a protagonista chamada Lena, uma professora e cientista da renomada Universidade John Hopkins especializada no "ciclo genético programado da vida das células" um tópico que será central no decorrer do filme. Lena possui um background militar e é casada com o Sargento Kane (Oscar Isaac) que trabalha em operações secretas para o exército. No início do filme ficamos sabendo que Lena está de luto pela morte do marido, sem saber informações a respeito de como ele teria morrido já que estava servindo numa operação secreta. De repente, do nada, Kane surge na casa, confuso e incapaz de explicar onde esteve. Suas condições de saúde se deterioram rapidamente, ele é levado às pressas para um hospital, mas no meio do caminho a ambulância deles é cercada por militares e os dois detidos.
Lena acorda em uma instalação secreta chamada Área X onde recebe da psicóloga Dra. Ventress (Jennifer Jason Leigh) informações a respeito do que está acontecendo.
Ela fica sabendo que um meteoro caiu em uma área costeira dos Estados Unidos provocando mudanças radicais no ecossistema e criando uma área de contenção que passou a ser chamada de "O Brilho" (Shimmer). Para manter os civis no escuro, o governo fabricou uma história envolvendo um acidente químico para acobertar o incidente e evacuar a população local. A área do Brilho no entanto se expandiu e continua se expandindo absorvendo tudo em seu caminho, logo será impossível acobertar sua existência. Para piorar, todas as tentativas de explorar o interior resultaram na perda do contato com as equipes que não conseguiram enviar nenhum fiapo de informação para fora. Kane foi o primeiro a deixar o perímetro do Brilho, mas ele não é capaz de dizer nada de útil.
Uma vez que Lena possui credenciais perfeitas para a tarefa, ela é convidada a participar de uma nova expedição. Liderada pela Dra. Ventress, a equipe formada exclusivamente por mulheres tem como objetivo obter alguma informação mínima sobre o que está acontecendo atrás daquela parede luminescente e opaca.
Equipadas com uniformes militares, enormes mochilas e fuzis de assalto, o esquadrão feminino composto por impressionantes personagens (cada uma com suas próprias especializações) se embrenha no mistério de corpo e alma. A maioria delas acredita se tratar de uma missão suicida e tem razões particulares para aceitar a incumbência.
Natalie Portman tem um papel forte e cheio de presença, sua motivação de decifrar o segredo do Brilho e encontrar uma cura para o marido cria um elo emocional que não precisa recorrer em momento algum ao sentimentalismo. As demais personagens que formam a equipe também tem sua chance de aparecer, não são meras coadjuvantes que não tem nada a acrescentar à história. Jennifer Jason Leigh se destaca como a misteriosa líder da missão, mas as demais atrizes também fazem um belo trabalho: Anya (Gina Rodriguez) é a responsável pelas armas e medicina de campo, Josie (Tessa Thompson) é uma cientista com formação em física, enquanto Cassie (Tuva Nuvotny) é a antropóloga. Cada uma terá seu próprio papel caso a equipe encontre formas de vida alienígena ou situações que precisem ser compreendidas pela visão de especialistas. "A equipe é formada apenas por mulheres?" pergunta Lena quando conhece as outras e Josie responde que ela é formada por cientista".
É muito bom assistir um filme em que os personagens lidam com as questões de maneira inteligente, reagindo de forma inteligente mesmo diante de circunstâncias surreais. O time é formado por pessoas que estão ali para resolver problemas de uma maneira prática e direta, o que é um alívio quando vemos filmes semelhantes em que as equipes são formadas por idiotas que parecem não ter ideia do que estão fazendo (eu ouvi Prometheus ou Alien Salvation?)
A expedição ao interior da Área do Brilho se mostra desde o início uma jornada através de um território incerto. Em um cenário ao mesmo tempo enigmático e cheio de belezas, com luzes opalescentes e estruturas combinando bizarrice e lirismo, a equipe tem a chance de fazer descobertas e encontrar indícios perturbadores de que a natureza no interior do Brilho está sendo profundamente alterada pelo elemento alienígena. Uma das coisas que passou pela minha cabeça é que a riqueza de detalhes poderia render mais umas 10 horas de exploração e imagens incríveis, se tal coisa fosse viável.
É impossível não lembrar, logo na primeira cena do filme, de "O Enigma do Outro Mundo" quando um elemento alienígena vindo das profundezas do espaço atravessa a tela se chocando contra um farol. Também não há como ignorar os elementos de horror cósmico lovecraftianos que permeiam toda exploração do Brilho. As alterações bizarras na vida animal e vegetal estão em sintonia perfeita com as descrições de Lovecraft em "A Cor que caiu do Céu" e o roteiro parece se apropriar de alguns conceitos para gerar cenas de perfeito horror visceral. A forma como animais, plantas e finalmente espécimes humanos são modificados pelo Brilho são reminiscentes da ação da Cor no conto de Lovecraft. A contaminação se desenvolve como uma doença, um tipo de câncer que age sobre todos organismos vivos, causando neles uma mutação implacável.
No momento em que a equipe encontra a primeira criatura (um jacaré albino com uma mandíbula poderosa dotada de fileiras de dentes afiados como os de tubarões), fica claro que a intenção do brilho é redesenhar a natureza do planeta com sua própria interpretação. Mas isso não é nada perto das mudanças que o brilho opera em seres humanos, como fica claro, quando a equipe encontra pistas do que aconteceu com a expedição de Kane. Além disso, o brilho parece agir sobre o estado mental das pessoas, ocasionando discussões e desconfiança que desembocam em um perigoso clima de paranoia, sobretudo porque todas as mulheres estão fortemente armadas. Mais um ponto em que Aniquilação faz um aceno para a obra lovecraftiana, já que a sanidade das personagens se encontra sob constante ataque do ambiente insalubre no Brilho.
A medida que a viagem segue, os horrores e maravilhas vão se apresentando e há espaço para doses generosas de suspense e certo grau de gore. Uma cena particularmente angustiante me lembrou o já mencionado Enigma do Outro Mundo quando as protagonistas se vêem imobilizadas diante de uma abominação.
A audiência é convidada a explorar os mistérios e ir descobrindo aos poucos, junto com os personagens, o que está acontecendo. Mas não espere ter todas as respostas no final do filme!
Mantendo a tradição de produções de ficção científica recentes, o final é ambíguo e provocativo, deixando dúvidas e várias lacunas para que a própria audiência tente preencher com sua própria interpretação. Talvez isso tenha criado a ideia de que Aniquilação é um filme demasiado "intelectual" e "difícil de entender", fatores que acabariam afastando parte do público que sairia frustrado da experiência cinematográfica. Entretanto, quando se trata de Ficção Científica, é preciso lembrar que um dos elementos mais importantes do gênero, e algo inerente a ele, é justamente provocar o público e fazer com que ele pense, reflita e tire suas próprias conclusões.
Aniquilação é um filme curioso e vale a pena ser assistido, provavelmente não é para todos os gostos e sei que vai ter muita gente contestando essa resenha, contudo, vai agradar a quem procura algo fora do convencional e que vai muito além de visual e choque.
Trailer:
Cara, não tinha ouvido falar desse filme até esse momento. Mas fiquei deveras instigado a conferir. Parece promissor. Esse conceito de horror especial sempre me pega.
ResponderExcluirLembrei muito também de Um sussuro nas trevas, quando vemos os "aliens" adotando as formas humanas. Filme bom e com uma boa interpretação das atrizes (no quesito das cenas de ação pelo menos), que entregam personagens mais orgânicos que os entregues por atores nas cenas de tensão.
ResponderExcluirParabéns pela resenha dessa obra, fui assistir o filme sem nenhuma expectativa definida e de fato me surpreendeu muito. No entanto, já ouvi opiniões contrárias. Bom, acredito que se tornará um daqueles filmes sem unanimidade de opiniões, mas que certamente vale a pena dar uma chance! Eu particularmente gostei bastante do tom misterioso, ambíguo e contemplativo da obra!
ResponderExcluirConsegui acompanhar A chegada, Interestelar... Mas esse filme realmente não consegui. Não vou dizer que é ruim, pq o filme é "bom" até o fim, quando eu com todos meus esforços n consegui entender e nem dar um sentido a tudo o que aconteceu...
ResponderExcluirGostei muito do filme. Sou fã de ficção científica e lamento o fato de todos os novos filmes do gênero estarem caminhando para o terror, mas o roteiro é bem legal. Tenho que concordar com o autor do post ao afirmar que a equipe é bem profissional, mesmo quando a insanidade bate na porta devido ao fenômeno alienígena. Estou cansado de filmes onde os "especialistas" se comportam como amadores. Não achei difícil de entender e gostei do tom misterioso, mas sem excessos.
ResponderExcluirEu posse dizer que esse talvez seja a melhor adaptação de uma obra baseado em um dos contos de Lovecraft que hollywood já fez até agora, mas isso também não quer dizer que ele seja um filme espetacular, na verdade eu achei apenas bom. Eu senti falta dele ser mais desafiador, mais questionador senti que a história não deve tanta força pra instigar o simples ato de um questionamento. É um filme que poderia ter sido muito melhor, mas não foi pelo fato que hollywood tá nessa bolha de área segura.
ResponderExcluirAcabei de conhecer o blog pesquisando sobre os Mythos de Cthulhu e fiquei muito feliz em descobrir q o blog ainda está na ativa e ainda mais por ler essa resenha q me deixou muito curioso! Muito obrigado e q continue assim, agora sou oficialmente leitor assíduo do blog ;)
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