quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Maleta de Aventura - Props e Caixa para a Campanha "The Two Headed Serpent"



E já que estamos falando da Mega-Campanha de Pulp Cthulhu "The Two-Headed Serpent" qui vai a minha versão para guardar  material do jogo.

Two Headed Serpent é uma campanha Globe-Throter, ou seja, cada aventura leva o grupo a um lugar diferente do mundo, em vários continentes, resultando em uma longa viagem para frustrar os planos de um culto aterrorizante.

A campanha começa na nossa vizinha Bolívia, depois parte para Nova York, Islândia, Índia, Congo Belga, Ilha de Bornéu, Okhlahoma, Litoral do Brasil e mais além...


Para fazer a caixa de campanha pensei em uma daquelas típicas maletas de viagem onde os viajantes costumavam colar stickers dos lugares por onde passaram. 

Baixei na internet uma série de stickers de época, com o nome dos lugares onde se passa a aventura e de hotéis onde o grupo poderia se hospedar. Naquela época era extremamente comum colocar esse tipo de identificação nas maletas como uma forma de dizer de onde veio ou para onde iria.

Acho que ficou bem legal essa forma de personalizar a maleta, usando algo que tem a ver com a campanha.

Também fiz uma cópia do símbolo da Fundação Caduceus, a organização da qual os personagens fazem parte. Trata-se de uma Sociedade de Alívio e Resgate voltada para prestar ajuda à populações atingidas por conflitos e desastres. Dessa forma, a maleta fica ainda mais temática    


Encontrei esse mapa político dos anos 1930 que encaixou perfeitamente na tampa interna da maleta. Então quando se abre a maleta a gente dá de cara com esse mapa lindo!


Para ficar ainda mais fiel ao gênero Pulp coloquei uma linha vermelha (a lá Indiana Jones) ligando as localidades onde se passam as aventuras que compõem a campanha. Dá para perceber que os investigadores realmente são jogados de um lado para o outro do globo, viajando por mar, ar e terra para cumprir suas missões.

Já na parte de dentro, sobrou espaço para guardar o livro da Campanha e mais algumas coisas que funcionam como props.


Não é de hoje que eu estou querendo arranjar um uso para esse diário marrom com capa de couro.

Ele parece bom demais para deixar guardado, então planejo usá-lo como Diário da Campanha. As páginas dele tem um tom amarelado perfeito e o fato de serem sem pauta vão permitir inserir desenhos. Mais uma vez, bebendo da fonte dos filmes de Indiana Jones...



Dentro da Maleta coloquei algumas coisas que vão servir de prop ao longo das aventuras. Em especial uns cartões postais que imprimi com qualidade de foto.



Adorei esses cartões postais que sugerem um ar especialmente Pulp, trazendo equipamento de exploração, armas e veículos. Esse do avião, então é sensacional!


O calendário também foi um achado! Ele é específico de 1933, ao em que se passa a campanha "The Two Headed Serpent" e vai ser útil para manter o ritmo das aventuras e determinar a cronologia dos eventos.


Esse aqui é apenas uma propaganda que eu achei maneira de reproduzir para a maleta. São armas e artigos que não podem faltar para o aventureiro e explorador no período. O melhor é que as propagandas são reais.


Bem, é isso! 

Agora é só desejar aos valentes investigadores, Bon Voyage!

terça-feira, 28 de agosto de 2018

No Rastro da Serpente: Resenha da Campanha "The Two Headed Serpent"


Campanhas são uma parte muito importante do Universo de Chamado de Cthulhu.

Para os que não sabem, campanhas são uma sequência de cenários de aventuras interligados e tendo um mesmo elo de ligação encadeando as histórias sob uma premissa central. No passado, Call of Cthulhu nos brindou com campanhas fantásticas como Horror no Orient Express, Masks of Nyarlathotep e Day of the Beast que tem um lugar reservado no coração de muitos mestres e jogadores de RPG.

Quando a sétima edição de Call of Cthulhu foi anunciada, muitos fãs começaram a se perguntar qual seria a primeira campanha lançada usando o novo sistema. Havia até pessoas apostando em uma sequência para Masks ou que a Chaosium iria aposentar essas mega campanhas em favor de cenários mais curtos que poderiam ser desmembrados em one-shots. 

Mas então veio a confirmação de que a primeira mega-campanha globe-throter se passaria no recentemente lançado universo de Pulp Cthulhu.

The Two-Headed Serpent: An Epic Action-Packed and Globe-Spanning Campaign (A Serpente de Duas Cabeças: Uma Campanha de Volta ao Mundo Épica recheada de Ação) entrega exatamente o que o longo título promete. A Campanha envolve conspirações de cultistas, seitas diabólicas, vilões aterrorizantes, criaturas dos Mythos, viagens ao redor do mundo e perigosos desafios que apenas um grupo de heróis, não meros investigadores, poderiam vencer.



Idealizado para o uso na "plataforma" Pulp, a campanha combina uma boa dose de investigação tipicamente lovecraftiana com ação e aventura com direito a perseguições, tiroteios, fugas desesperadas, planos maquiavélicos, ciência bizarra e heróis maiores que a própria vida. A Campanha bebe da fonte de campanhas antigas sendo que a já citada Masks of Nyarlathotep parece ser a inspiração mais direta. Ela é uma daquelas campanhas em que cada aventura se passa em uma localidade exótica, forçando os personagens a uma jornada através do globo para frustrar cada tentáculo (literal ou não) da conspiração em curso. Durante as aventuras, o grupo será forçado a visitar lugares como Bolívia, Nova York, a Ilha de Borneo, o deserto de Okhlahoma, as Selvas do Congo Belga, as paisagens desoladas da Islândia, a costa do Brasil, e além!

De um ponto de vista de localizações, é ótimo ver os autores escrevendo a respeito de lugares diferentes e apresentando alguns países pouco visitados ao invés da mesmice de usar Arkham, Londres e Boston como centro de todos os acontecimentos estranhos. Sendo desavergonhadamente bairrista, é ótimo ver o Brasil figurando em uma campanha de Chamado de Cthulhu. Melhor ainda é que conversando com o autor, fiquei sabendo que uma das postagens do Mundo Tentacular serviu como referência para ele escrever o episódio se passando por essas paragens. Olha o orgulho! 

Publicado pela Chaosium, The Two Headed Serpent , que pode ser traduzido como "A Serpente de Duas Cabeças" (e que daqui em diante será abreviado como THS) mostra a que veio já em sua magnífica capa feita pelo artista Pintuero. Na capa é possível ver vários elementos presentes na campanha: sim temos duas serpentes entrelaçadas, sim, ela envolve um vulcão em erupção e sim os personagens apresentados em destaque fazem parte da história e tem um papel central na trama. Uma vez que o título fala de "serpentes" não pode ser considerado spoiler confirmar que répteis peçonhentos tem um enorme papel no roteiro e que os heróis encontrarão MUITAS cobras. Finalmente, a arte não chega a entregar esse detalhe, mas podemos adiantar que um dos elementos centrais na trama envolve a participação dos personagens dos jogadores em uma organização internacional chamada Fundação Caduceus, uma organização médica cujo símbolo é (adivinha só) um caduceu (que tem cobras entrelaçadas)!



A Fundação é o ponto de partida para envolver o grupo de investigadores. Os personagens serão indivíduos trabalhando para a Caduceus não apenas como médicos, enfermeiras e cientistas, mas como todo tipo de pessoa capaz de auxiliar a distribuição de remédios, prestar ajuda humanitária e socorro a vítimas de guerras ou desastres naturais. Isso abre um leque de muitas possibilidades para que os jogadores criem personagens e justifiquem sua participação na história. É claro, o livro oferece um sortimento de heróis prontos e muito bem detalhados que podem ser usados imediatamente para facilitar a vida de quem não gosta muito de criar seus próprios personagens. Na lista temos um detetive particular durão, um arqueólogo obstinado, um cientista sikh com conhecimento de ciência bizarra, uma aventureira que adora usar disfarces para se infiltrar e um caçador com anos de experiência em explorações. Os personagens parecem ótimos para serem usados na campanha e servem como boas opções ou modelo para a construção de outros.

Quanto a proposta do jogo em si é preciso dizer. Esse tipo de campanha não é apenas corajosa, mas bastante radical em comparação com qualquer outra campanha de Chamado de Cthulhu, onde a premissa é que os investigadores desconhecem os Mythos ou os mistérios no início da campanha. Nada disso constitui um spoiler, porque os heróis irão tomar conhecimento de fatos a respeito dos horrores cthulhianos logo no início. A ambientação de THS também prepara os jogadores e seus personagens heróicos para o que está por vir e estabelece desde cedo o tom da campanha antes de jogá-los na ação. Fundamentalmente, Two Headed Serpent não envolve longas e custosas investigações, mas uma acelerada investida contra os Mythos do tipo "porrada, tiro e bomba"! 

Para veteranos habituados a tomar cuidado com suas ações, planejar antecipadamente e calcular cada passo, essa é uma mudança incrível e de cair o queixo. Por vezes o grupo pode (e de fato), encontrará mais pistas tomando o caminho da ação e do confronto. Essa ao meu ver é uma mudança necessária já que em Pulp Cthulhu temos heróis capazes de lidar com esses desafios.



A Campanha se passa no ano de 1933 e o ponta pé inicial é em um lugar no mínimo incomum. O contestado Território do Chaco, no auge da Guerra entre Bolívia e Paraguai. Os heróis são parte de um grupo que trabalha com apoio a populações civis atingidas por conflitos. Ao longo da campanha, os heróis terão de desempenhar uma grande variedade de tarefas, seja explorar templos ancestrais, negociar com militares, religiosos e acadêmicos, investigar atividades da Máfia, descobrir o que está por trás de uma epidemia mortal e enfrentar desafios da fauna e da flora em cantos exóticos e extremamente perigosos do planeta. A campanha se desenrola ao longo de NOVE capítulos, cada um com o título da localização em que ele se passa. A maioria dos cenários irá consumir uma sessão de jogo, duas no máximo para completar, portanto a campanha não será demasiadamente longa.

Em sua maioria, os capítulos são bem direcionados, ainda que as aventuras possam ser jogadas em qualquer ordem que os jogadores decidirem. Inicialmente eles irão descobrir apenas indícios da Grande Conspiração, mas aos poucos as peças do quebra cabeças irão começar a se encaixar e as repercussões dos acontecimentos forçarão o grupo a viajar de um canto para o outro em busca de mais pistas e de uma maneira de frustrar os planos de seus adversários. A Campanha pressupõe que os heróis trabalham para uma Sociedade chamada Fundação Caduceus e logo eles descobrirão que a Fundação é também uma fachada para algo muito maior e inesperado. Com inimigos em toda parte o grupo terá de buscar aliados - nem sempre honrados, para vencer seus adversários mais perigosos. Como manda o espírito pulp, o grande prêmio é salvar a humanidade e evitar que cultos destruam o mundo. Também no melhor espírito de aventuras de Cthulhu o grupo irá desvendar segredos negros e enfrentar coisas aterrorizantes.

The Two Headed Serpent é uma aventura cheia de reviravoltas e com muita ação. Espere trocar tiros com gangsters, fugir de dinossauros, se embrenhar em selvas inóspitas, encontrar templos perdidos em vulcões adormecidos e testar tecnologias avançadas e bizarras. 



A Campanha é bem construída e tem um desenvolvimento sólido. Há uma boa quantidade de Recursos bem produzidos para entregar aos jogadores e pistas que facilitam o trabalho. Além disso, os capítulos incluem relatos de três sessões teste que ajudam a antecipar as ações dos jogadores. É bem interessante ler esses relatos e ver como grupos podem divergir quanto ao seu curso de ação e a maneira como procedem em seus jogos. Este é um elemento útil, principalmente para os mestres que estão começando e que podem se sentir intimidados diante de uma campanha. É importante que o Guardião leia cada detalhe e conheça os NPCs para tirar deles as reações corretas. 

Para os grupos puristas, que não abrem mão do caráter desesperador de Cthulhu, existe uma sessão que ajuda a adaptar a aventura para as regras convencionais de Chamado de Cthulhu. É claro, nesse caso, espere uma quantidade elevada de mortes em sua mesa. 

Fisicamente, THS é um belo livro no estilo que a Chaosium parece ter adotado para seus lançamentos da sétima edição em diante. O material tem capa dura e é totalmente colorido, com arte decente (ainda que não impressionante) em cada página. O layout é limpo e agradável de ler. Há algumas ilustrações que se destacam, sobretudo as de página inteira que se encaixam num estilo "capa de revista pulp", o que é ótimo! Eu tenho algumas reticências a respeito da maneira como as ilustrações de NPCs são dispostas, com um grupo deles reunido, mas confesso que pode ser apenas uma cisma minha. Os mapas não são ruins, mas estão lá muito mais para "serem bonitos" do que funcionarem como referência para os jogadores. 



Um pequeno defeito é que ao se concentrar em ação vertiginosa, a aventura fica devendo um pouco em detalhamento. A campanha leva os heróis a visitar lugares exóticos da Bolívia, a Borneo, passando pelo Congo Belga e India, mas não desenvolve esses lugares deixando muita coisa em aberto sobre o que encontrar em cada um deles. O grupo parece sair de uma selva genérica apenas para cair em outra bem parecida, explora uma ruína apenas para achar outra bastante semelhante em outro continente. Poderia haver um pouco mais de colorido e profundidade para individualizar cada local permitindo assim que o grupo possa explorar mais a contento as localidades, não apenas de modo "an passant".

Apesar desse pequeno deslize, uma nova e empolgante campanha para Chamado de Cthulhu é sempre um lançamento bem vindo. Sobretudo depois de algumas campanhas da sexta edição que deixaram a desejar, como a fraca Terror from Skies e a lamentável reedição de Spawn of Azathoth. 

The Two-Headed Serpent por outro lado é divertida, acelerada e repleta de cenas loucas de ação. Para quem gostou da mecânica e estilo de Pulp Cthulhu será uma oportunidade de ouro de colocar o jogo à prova. Pode ter certeza, essa campanha irá render grandes aventuras, sobretudo se o grupo comprar a proposta de enfrentar os horrores com os próprios punhos ao invés de correr deles.

Então, pegue suas armas! Vista seu chapéu fedora! Prepare-se para a ação!


domingo, 26 de agosto de 2018

"Jura é Jura" - Resenha de Wytches, do selo Darkside Graphic Novel


Por Clayton Mamedes

Desde o mais cedo que consigo me recordar, os quadrinhos sempre fizeram parte da minha vida. Quando bem pequeno, eu utiliza as páginas de várias publicações da Disney que meu pai me trazia. Dentre elas, os meus personagens favoritos na época: Mickey e Pateta!

O tempo passou, eu cresci e lá estavam os quadrinhos novamente. Apenas os títulos mudaram, mas a voracidade de leitura e coleção permaneciam afiadas. Era o começo da década de 90 e tramas saídas das páginas de Wolverine, Grandes Heróis Marvel, Batman, A Espada Selvagem de Conan povoavam os meus pensamento. Sem dúvida, uma época dourada.

Atualmente, apesar de ter abandonado os números mensais, possivelmente pela baderna generalizada que as editoras fazem, ainda leio e compro muita coisa, porém dando mais prioridade para títulos mais fechados, como minisséries e outros especiais. 

Desta forma, sempre estou atento a lançamentos, lendo ou pesquisando sobre o universo das HQs de maneira rápida, do jeito que hoje a Internet nos permite. Foi em uma destas consultas que me deparei com o título analisado de hoje, o Wytches, fruto do sempre competente Scott Snyder (de Vampiro Americano, por exemplo). Era o ano de 2015 e cogitei importar a publicação, junto com uma leva de The Walking Dead mas, devido à uma longa viagem a trabalho, acabei não concluindo a compra daquela vez. Infelizmente.

Contudo, para minha sorte, para a sorte e deleite de vocês, a DarkSide Books resolveu, através de seu selo de Graphic Novels, trazer Wytches para o Brasil. Uma decisão acertadíssima.

Wytches não é uma simples HQ adulta ou de terror. Ela não nos tente impressionar com banhos de sangue ou cenas de sexo selvagem. Ela é mais do que isso. Ela evoca sensações e pensamento mais profundos, mais questionadores, mais perturbadores. Se Wytches fosse um filme, ela estaria mais para O Bebê de Rosemary encontrando Pet Cemetary. Até onde pessoas comuns estariam dispostas a descer? Apenas para terem o que tanto desejam? Custe o que custar…


Wytches conta a saga da família Rooks que, por algum acontecimento sombrio do passado, se vê obrigada a mudar de cidade. O pai, Charles, é um autor de livros infantis vivendo com a sua esposa cadeirante, Luce. Completando a família temos a adolescente Sailor que, aparentemente, é a origem de todo o passado sombrio dos Rooks. Assim, a trama se desenrola em eventos em 2014, no presente atual da família e em 2011, o ano do tal evento misterioso. Neste ponto, Snyder usa com maestria os recursos de flashbacks que, de tão bem amarrados, muitas vezes você se pega retornando a leitura uns poucos quadros, apenas para ter certeza da sutileza do ponto de ruptura.

Falando em Snyder, aqui ele repete de forma bastante capaz o seu argumento afiado, como visto em seu Vampiro Americano. As ilustrações surreais e doentias de Jock completam o pesadelo impresso. Desconhecia este artista e fique bem impressionado pelo seu traço. Justiça seja feita ao trabalho de coloração de Matt Hollingsworth. Simplesmente geniais.

Já o tema central de Wytches são as bruxas. Mas esqueça aquelas mulheres de nariz verruguento que vivem em pântanos. Ou aquelas jovens sedutoras dançando nuas pelas clareiras. Aqui, as Brvxas (isso mesmo, com V) são seres de imenso poder, tão antigas quanto o mundo e estão sempre dispostas a barganhar com os humanos para poder saciar a fome. E é sobre essa relação de escambos que o enredo de Wytches se apóia. E essa relação que debilmente pode estar na cabeça do seu vizinho, do seus amigo, de seu parente próximo. Em outras palavras, como lemos muitas vezes durante a obra: “Quem você juraria?”.

Infelizmente, não poderei aprofundar com maiores detalhes a minha análise da trama de Wytches sem comprometer a experiência de leitura. Há vários plot twists, assim como situações obscuras que necessitam de interpretação do leitor. Como eu escrevi logo acima, não é uma HQ rasa.


Contudo, considerando as ressalvas acima, vale a pena comentar um pouco mais sobre Sailor, a filha do casal Rooks. Logo no princípio do volume, é possível entender que a garota sofre de distúrbios psicológicos, como ansiedade e ataques de pânico (os quais são fortemente ligados à narrativa principal de Wytches). O fato que merece destaque aqui vem do próprio roteirista que, através de textos extras ao final do livro, explica em detalhes o processo de criação da obra, sendo que ele mesmo sofria, e muito, com os mesmos problemas de ordem mental que afligem Sailor na HQ. Este material compilado que a DarkSide incorporou ao seu encadernado (originalmente, Wytches foi publicada em 5 edições, sendo que este texto de autoria do Snyder fechava cada uma) é muito rico em detalhes e, além de contar como Snyder lida com suas fobias, relata de maneira bem humorada a recepção de Wytches pelo público. Vale cada palavra.

Ainda comentando sobre o volume da DarkSide, só posso acrescentar que se trata de um belíssimo trabalho de localização: capa dura com detalhes em verniz, papel de alta densidade, lombada quadrada firme e o material extra formam um edição primorosa. Apenas senti falta de um breve currículo dos autores. Nada relevante.

Wytches é uma HQ de respeito, apresentando todas as qualidade que a fará ser lembrada com o passar dos anos. Em suas páginas Snyder conseguiu imprimir os pesadelos que o perseguiam durante a sua adolescência, auxiliado magistralmente pelo artistas envolvidos na obra. Uma trama inquietante, surpreendente e moderna, repleta de segredos e segundas intenções. 

E juramentos não cumpridos...



Yig, the Father of Serpents - The Myth of the Snake Who Walks Like a Man


"The half human Father of Serpents ... the Snake God of the central plain tribes - presumably the main force behind the myth of Quetzalcoatl and Kukulcan, he was a strange anthropomorphic demon."

H.P. Lovecraft and Zealia Bishop
The Curse of Yig

The Serpent is one of the oldest representations of evil and wickedness. Venomous reptiles are seen with a mix of fascination and primitive fear by the earliest civilizations. Some ancestral religions venerated serpents as mystical creatures, the favorite beasts of Gods and Demons, their agents on Earth and faithful servants.

In the Cthulhu Mythos universe, the Serpent has enormous importance, not only by the atavistic Race of Snake People who once ruled the Land of Valusia. These bipedal vipers left basalt ruins in certain undeveloped parts of the planet before setting off into the depths, seeking a refuge where they could hibernate and protect themselves from humans. There are several other scaly beings among the ancients, creatures who suggest a reptilian heritage, such as the Lloigor, Bokrug, and the Servants of the Outer Gods, to name just a few.

No creature or entity of the Mythos, however, is as intimately attached to snakes as Yig, who is not by any chance, called the Father of Snakes.

The Great Old One is known in various parts of our planet, seen as an extremely enigmatic God, sometimes a wise and benign deity, at other times, as a perverse being, who exerts influence over all snakes and uses them to spread death , chaos and his relentless vengeance.

The Cult of Yig had come originated in K'n'yan, at the heart of a mythical pre-human society, which conquered both science and magic, and built a vast empire deep in the earth, bellow the desert of Okhlahoma. The mysterious K'n'yanni venerated Yig as their central deity. They built in his honor temples adorned with snakeskins and altars in which they lay sacrifices. From there, the cult spread among the antediluvian civilizations of Mu and Valusia in the form of sects of serpent worshipers. In Mu the cult was forbidden, considered blasphemous and dangerous by the caste of the priests, the cultists were banished and their temples destroyed.

In the ancient Kingdom of Valusia, they found greater acceptance, becoming a popular cult between nobles and aristocrats. Secretly, the high priests of Yig were members of the Serpent-People and conspired to dominate Valusia. When the conspiracy was revealed, the people of Valusia came together to expel the cult and expose the leaders as non-human monsters. The rebellion ended with a great bloodshed and with the sect being outlawed. Centuries later, when Valusia had established itself as one of the most powerful nations of its time, the Cult resurfaced. Once again he tried to gain influence among the high castes. At the time, the mythical barbarian King, Kull of Atlantis confronted the cultists and defeated them once and for all.


Cataclysms and natural disasters eventually destroyed Valusia, but the cult of Yig continued to exist, entangling itself in the societies of the so-called Hiborian Kingdoms. In the proud nation of Stigia, Yig was venerated with the name of Set and among his followers were several wizards like the legendary Thoth Amon, one of his favorites.

But the Hiborian Era would also go through calamities that would dictate its decline and consequent forgetfulness. Yig and his cult would once again survive this ordeal, crawling into darkness like a viper. The Cult returned to North America, where it originally appeared and once again sought out followers there. Its cultists settled in Mexico where they probably inspired the myths of Quetzalcoatl and Kukulcan. Some tribes of Native Americans on the Great Plains also absorbed the cult that was carried southward, settling in the Amazon region. Yig may also have been the inspiration for African cults that later gave rise to the voodoo belief, carried to the Caribbean by slaves in the form of the Dambalah. There are indications that the cult also found its way to Southeast Asia and Australia, for some time, settled in the British Isles, where it was carried by refugees from the Serpent People.

Some theorists believe that Yig's cultists are among the most numerous today, losing in numbers only to Cthulhu and Shub Niggurath, rivaling many sects that follow the Avatars of Nyarlathotep and Hastur.

Unlike other Great Ones, Yig sometimes demonstrates a degree of surprising benevolence toward humanity. When autumn arrives, tribes of Native Americans promoted festivities with dances and other ceremonies designed to appease the wrath of the Serpent Father and secure their favors. In exchange, Yig guaranteed the growth of corn and promoted the rains necessary for the rich harvests. On the other hand, when he is in disgust, God sent his serpents to invade the plantations and poison the soil.

Throughout human history, Yig continued to gain and lose influence over various peoples and civilizations, never disappearing completely. And it is likely he will never do it ... Cultists believe that just as the snake changes skin, they also undergo changes and transformations.


Many sorcerers serve the Serpent's Father, receiving in return power and magic, which are taught by God. Not by chance is he held by some mystical traditions as a patron of magic, especially those spells that deal with plagues and curses. Rituals involving Yig's name always take place at night, in deep recesses, when the moon hides in the sky. In caves that serve as temples of obsidian rock, cultists promote blasphemous celebrations and profane orgies. They lie on living carpets composed of sinuous snakes, ingesting toxic mixtures to obtain visions, and speak the secret and hissing language of reptiles.

During these diabolical celebrations, the Yig Crims, immense serpents marked with a silver crescent moon on their crotalic forehead, are invoked to represent God. They bless the rites with their terrifying presence. Crias also protect the temples, consecrate rituals and produce the poison used in various rites of passage. Cultists consider these Serpents as sacred creatures and it is forbidden for any devotee to raise a hand against them. Sometimes such beings act treacherously, they invest against their own ranks, especially when the sacrifices are insufficient or when they detect some doubt in the hearts of men. Yig's Crims have a lethal poison and their boat, with the speed of lightning, kills within seconds. The victim is then completely devoured and the serpent returns to darkness to digest the wicked.

Much feared is the treacherous Curse of Yig, an evil ritual reserved for those who dared defy the Serpent God. Also those who injure or kill a Yig Girl incur this grave punishment. Through this evil, the sorcerer begs the Serpent Father for vengeance and performs a complex ritual. If heeded, the curse is completed and in the following months, a horrendous transformation begins by striking the victim of the curse. In fact, his skin gradually becomes scaly and cold, his hair falls, his eyes become glassy, ​​his tongue bifid until he has the repulsive appearance of a reptile. The Curse continues to alter the body and within a few years the limbs begin to atrophy until legs and arms become short and fragile, forcing the individual to crawl across the floor. Despite the dramatic changes, the mind preserves its consciousness, imprisoned in an abominable body, half man, half serpent. This misfortune can continue for years, and being irreversible, it is not surprising that most of the afflicted prefer to abbreviate their poor existence by taking their own lives.

Another variable from the Curse of Yig strikes women and involves the birth of children with horrendous congenital deformities whose striking features date back to snakes. Such children, when they survive, after birth end up becoming Yig's Crias devoted to serving their Master and Lord.



Among the volumes with ancient knowledge that refer to Yig, the very rare Scriptures of Ssathaat tell their story even though the texts may be a mere fable. It says the text, written in sinuous characters of the Aklo alphabet, that Yig would have been born in an obscure world called Zandanua, where his reptilian brother Rokon still lives. Yig's arrival on Earth, thousands of years ago, would have motivated the evolution of reptiles and their development as terrestrial animals. The tome states that Yig lives in Ngoth's Cave inside the Yoth Caves, one of the subterranean recesses of the Land of K'n-yan. Compelled to hibernate until the day the stars are aligned in the firmament, Yig awakens from time to time for short periods; when invoked by their cultists or on specific dates.

The infamous Necronomicon claims that Yig and Nyarlathotep are rivals who tend to fight each othar using their mortal agents. In the Middle East, this rivalry gave rise to bloody disputes. The same was repeated centuries later in Mexico and Peru, with retinues that worshiped these deities in direct dispute. Finally, the legendary Book of Skellos, a work written in the Hiborian times, was supposed to reveal details about Yig. But since no copy of this book has survived, there is no way to attest to whether this is true or not.

Yig is described as a terrifying abomination, an entity that takes the form of an immense man with hideous ophidian characteristics. Measuring more than two and a half feet tall, its sleek, compact body is covered by gray-green scales that run down the thorax and scatter through the limbs. Since the coloration varies significantly, it is assumed that it changes skin often assuming different shades ranging from black and dark brown to red-copper. Sometimes Yig wears a ritualistic costume woven with human skin and carries in his hands an obsidian scepter spit with the face of a great serpent with crimson eyes. On formal occasions, a jade ornament appears on his head representing a hideous spiral viper. This mythical piece, called the Serpent's Crown, is recognized as an artifact of great power that concentrates vast mystical energy.

The Father of Snakes moves gracefully, yet most of the time he simply slides on a rug of living snakes, thus avoiding touching the ground with his feet. The snakes that accompany him defend and attend to all their pressing needs as if they were an extension of his body.

Yig's face is an amalgamated nightmare of man and serpent. The grotesque profile causes disgust in the most sensitive and causes unexpected reactions of fear that often trigger a severe herpetophobia (the uncontrollable fear of snakes). Some claim that it is the primal fear of the prey before the predator. Scales cover the face that has glassy eyes that never blink and a wide mouth that extends from side to side, panting in a kind of sardonic and malicious smile. The musculature of the jaw is capable of distending itself in such a way that an adult man can be swallowed whole. A long black tongue and bifid darts between sharp fangs that pour a yellowish poison. The snakes' father exudes a characteristic scent of snake oil that accompanies him wherever he goes and hangs in the air for hours after he leaves. Even devoid of nose and ears, he has sharp senses and is capable of capturing movements and being alert to everything that happens around him.



The statues of the Father of the Serpents that are found in the temples do not live up to the majestic experience of finding God in person. Yig is able to communicate in all languages ​​known to mankind, even those who have not spoken for millennia, the timbre of his voice is sibilant and hypnotic. Those who hear his words feel a relaxation in the body and a paralyzing terror that prevents them from speaking and moving until he decides to break the trance and allow mortals to blame.

It is probable that Yig has several avatars, always obeying the principle of being entities with serpentine characteristics. One of these supposed avatars would have a long reptilian body, with the upper abdomen and head of a woman with long green hair hanging like living snakes. Some theorists believe that this avatar gave rise to the myth of the Greek Gorgons. Another conjectured avatar involves the form of an immense dragon like those of the oriental legends, a serpent crawling beast and many meters long. This form according to the Japanese folklore would be the son of Mappo in Ryūjin. In South America, the M'Boitata the dreaded giant snake present in the folklore of the Tupi-Guarani tribes is also one of its avatars. It is likely that the legendary Nordic entity known as the Midgard Serpent is also somehow associated with Yig and his specific mythology.

Revered, placated, and equally feared, Yig is one of the few Great Old Ones who has a close relationship to mankind. Whether for sacrifice or worship, Yig has always been intimately associated with the human species and is likely to preserve this bond until the end of time.

About Yig:

Yig, the Father of the Serpents is a deity created by H.P. Lovecraft and part of the Mythos of Cthulhu. His first appearance was in the tale "The Curse of Yig," which was conceived by Zealia Bishop and almost completely rewritten by Lovecraft. In this story he is described as "a human form, unless you look closely". According to Lovecraft, one of Yig's main characteristics is his devotion to reptiles, especially snakes - his "children." He usually punishes those who wound reptiles with terrifying curses.

In Lovecraft's history, some tribes of Native Americans consider Yig as "an evil name." However some traditions have it in the highest account, considering it one of the oldest and most powerful deities. which may be the origin of countless religions based on serpentine gods. Some autore only identify as the serpent god of the Stygia, Set, present in the histories of Robert E. Howard involving Conan, the Barbarian and King Kull.

sábado, 25 de agosto de 2018

Vila das Brujas - A única cidade maldita da Espanha e sua incrível história


Aninhada no sopé da Serra de Moncayo, na província de Saragoça na Espanha, a pequena aldeia de Trasmoz parece não ter nada de diferente das demais. À primeira vista, é apenas mais uma inocente cidadezinha do interior. 

Mas Trasmoz tem uma longa e tumultuada história. Suas origens remontam ao século XII quando ela foi fundada por um importante Senhor de Terras e Cavaleiro. No passado, ela também presenciou  a conquista de Jaime I, Rei de Aragão, bem como uma quase Guerra Civil com a vizinha Abadia de Veruela. Ela também ficou conhecida como a residência temporária de Manuel Jalón Coróminas, o folclórico inventor espanhol do esfregão e do balde de limpeza. 

Ao longo dos anos, a população decaiu de aproximadamente 10.000 habitantes em seu apogeu para apenas 62 moradores permanentes nos dias atuais. Para todos os efeitos, Trasmoz parece uma pequena cidade fantasma. Há muitas habitações vazias e outras tantas abandonadas, as ruas vivem desertas e o lugar mais movimentado ao longo do ano é uma Taverna com o sugestivo nome de "Casa del Brujo" que segundo os habitantes foi aberta no século XV.

Mas a despeito da aparência decadente e da quietude impassível, este lugar é notável por ter um passado sinistro como um lugar de Bruxaria, Rituais Pagãos e Magia Negra.

O epicentro de inúmeros rumores a respeito de feitiçaria na região, os boatos podem ser rastreados até a construção do Castelo de Trasmoz no século XIII. A obra estranha e imponente da fortaleza possui uma estrutura única em formato hexagonal que muitos consideram um mal presságio já que os vértices dos muros parecem formar um símbolo pagão, o hexagrama. Soma-se a isso o fato do Castelo ter sido, supostamente construído sobre um cemitério em que pagãos eram sepultados em tempos idos. Finalmente, existem relatos de que o lugar, antes da chegada dos cristãos, era o palco de encontros entre feiticeiras que realizavam ali seus sabás. Não por acaso, a região da construção era chamada de Vale Negro pelos habitantes originais.


Desde o início, o Castelo atraiu a desconfiança dos aldeões. Uma das lendas é que o nobre incumbido da construção teria feito um acordo com um feiticeiro mouro chamado Mutamin que operou um milagre, erguendo a construção em apenas uma noite por intermédio de sua magia. Como pagamento pela empreitada, ele teria ficado com o filho mais velho do nobre que foi levado como seu escravo.

Uma vez pronto o Castelo, multiplicavam-se as histórias a respeito de ruídos estranhos na calada da noite, o clangor de metal e luzes iluminando o céu noturno. As masmorras formavam um complexo de túneis escavados na rocha que se estendiam por baixo do vilarejo, Elas eram a fonte da maioria dos rumores sussurrados pelos preocupados residentes. Diziam que o lugar era usado frequentemente pelo Castelão, o responsável pela fortaleza, para punir os aldeões que o desagradavam. Dizem que o homem era muitíssimo perverso e tinha prazer em torturar aqueles que o desafiavam. Os gritos das vítimas ecoavam pelas câmaras e todos podiam ouvir quando o homem estava "trabalhando" nas masmorras subterrâneas.

O Castelão era também um inimigo das bruxas que viviam nos arredores da Vila de Trasmoz. Ele ordenara que fossem capturadas mais de uma vez e levadas à sua presença para que ele as interrogasse. Quase sempre elas conseguiam escapar, supostamente alertadas pelos seus familiares que contavam quando os soldados se aproximavam de suas cabanas isoladas. Mas em uma ocasião, os homens conseguiu capturar uma velha bruxa que foi torturada na masmorra até a morte. A mulher teria espiado, esmagada sob uma madeira coberta de pesadas lajotas de ardósia.   

Esse ato, contudo, não passaria impune. O Castelão acabou enlouquecendo graças a um malefício dirigido contra ele pelo Cabal. As feiticeiras desejavam vingança pela afronta cometida contra uma delas. Em uma noite de lua cheia, o homem, perturbado das ideias, subiu até o alto da Torre Mor e saltou lá de cima, vindo a se esborrachar no pátio de pedra. Mas esse não foi o fim da história...

Após sua morte, o corpo foi enterrado em um cemitério próximo sem as bençãos dos sacerdotes uma vez que suicídio era pecado mortal. Para piorar, o corpo do homem desapareceu misteriosamente, ou assim diz a lenda. Alguns suspeitavam que as bruxas teriam exumado o cadáver para usá-lo em seus rituais negros. Na Idade Média, quando superstições ganhavam ares de certeza, diziam que o cruel Castelão havia sido trazido de volta como um horrendo morto vivo, compelido a vagar sem destino pelas catacumbas abaixo do castelo, incapaz de encontrar a saída. Gemia quando chegava a noite: faminto e solitário. Seu lamento ecoava pelos túneis e câmaras. E assim como os murmúrios de suas vítimas, também eram ouvidos os seus gemidos nos salões superiores e ruas do vilarejo.


Não é possível precisar se essa e outras histórias tem algum fundo de verdade, mas há rumores de que muitas dessas lendas horripilantes teriam sido intencionalmente espalhadas pelos próprios habitantes do Castelo.

Na época, o Castelo de Trasmoz seria o covil de um grupo de falsificadores que usavam as masmorras abaixo da construção para cunhar moedas falsas. As montanhas da região tinham minas de prata e segundo consta, o metal era usado para fazer moedas ilegalmente. Além disso, a prata era misturada a outras ligas para render em quantidade. 

Dizem que para manter os aldeões e as autoridades afastadas da operação, os falsários criavam todo tipo de história bizarra. O ruído de metal contra metal que era ouvido de madrugada seria o som dos martelos sendo batidos contra as bigornas. As luzes misteriosas eram meramente o reflexo dos fornos e das labaredas nas nuvens. O golpe teria funcionado, mantendo todos os curiosos afastados, mas isso criou uma reputação temível para a Vila de Tresmoz; ele se converteu num esconderijo para bruxas, fantasmas e adoradores do Demônio.

Infelizmente para os habitantes de Tresmoz, o rumor espalhado pelos falsários funcionou bem demais. Muito tempo depois da quadrilha ter encerrado suas atividades criminosas, as histórias continuaram a ser contadas. Todos os vilarejos vizinhos conheciam a fama de Tresmoz como verdadeira colmeia de feiticeiros, bruxas e todo tipo de maldição blasfema. 

Não ajudou em nada que um pároco local tenha sofrido um trágico acidente quando estava seguindo para o Vilarejo para oficializar um casamento por volta de 1360. Quando a notícia da morte inesperada do religioso chegou aos vilarejos vizinhos, todos tinham CERTEZA absoluta de que ele teria sido vítima das Bruxas de Trasmoz, furiosas com a visita de um Homem de Deus. 


A situação chegou a tal ponto que o Monastério vizinho de Veruela oficialmente pediu à Igreja que realizasse a excomunhão de todos os que viviam em Tresmoz. Historiadores afirmam que essa manobra visava simplesmente forçar o vilarejo a pagar mais impostos para os cofres públicos já que comunidades não-cristãs eram obrigadas a contribuir com uma taxa especial. Seja como for, a Igreja não chegou a acatar o pedido dos monges, mas ainda assim, a situação repercutiu muito mal. 

O boato de que os habitantes poderiam ser excomungados (algo extremamente grave para os padrões medievais), fez com que muitos simplesmente abandonassem a cidade. Para piorar, aqueles que ficaram para trás eram em sua maioria muçulmanos ou judeus, o que ajudou a reforçar o rumor de que a cidade era um antro de pagãos adoradores de Satã. Não obstante, aqueles que ficaram deram início a um período próspero em que o comércio deslanchou e trouxe riqueza para a cidade.

O atrito entre Trasmoz e a Abadia de Veruela continuaria por muitos anos, eventualmente quase levando a uma Guerra Civil. Isso ocorreu quando os monges represaram um rio que abastecia o vilarejo e exigiram que os habitantes pagassem uma taxa para retirar água diretamente com eles. Embora o Rei de Espanha, Fernando II, tenha dado ganho de causa a Trasmoz que levou o Caso até a Corte Real, a Igreja tomou a decisão como uma afronta. 

Acreditando que o Rei estava errado por ter dado razão a uma cidade infestada por bruxos e a beira de ser excomungada, ao invés de uma comunidade de monges, a Igreja Católica exigiu uma nova decisão. O caso ganhou tanta repercussão que chegou a mais alta autoridade católica, o Papa Julio II que pediu que a decisão fosse revista. Julio II, não por acaso é lembrado como o Papa Mercurial por seu gênio e decisões intempestivas. 


Quando nenhuma atitude foi tomada, o "Santo" Padre sinalizou com a poderosa e raramente usada Prerrogativa de Invocar o Salmo 108 do Livro dos Salmos, que segundo a tradição cristã era uma potente maldição guardada apenas para ser lançada sobre os piores hereges e diante dos mais graves crimes. A maldição foi invocada não apenas contra algumas pessoas, mas sobre todos os moradores e habitantes do Vilarejo de Trasmoz.

À saber, o Salmo 108, pede pela intercessão divina para destruir os inimigos de Deus e da Cristandade. Ele diz:
Meu coração está firme, ó Deus!
Cantarei e louvarei, ó Glória minha!

Acordem, harpa e lira!
Despertarei a alvorada.

Eu te darei graças, ó Senhor, entre os povos;
cantarei louvores entre as nações,

porque o teu amor leal
se eleva muito acima dos céus;
a tua fidelidade alcança as nuvens!

Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus;
estenda-se a tua glória sobre toda a terra!

Salva-nos com a tua mão direita
e responde-nos,
para que sejam libertos aqueles a quem amas.

Do seu santuário Deus falou:
"No meu triunfo dividirei Siquém
e repartirei o vale de Sucote.

Gileade me pertence e Manassés também;
Efraim é o meu capacete, Judá é o meu cetro.

Moabe é a pia em que me lavo,
em Edom atiro a minha sandália,
sobre a Filístia dou meu brado de vitória!"

Quem me levará à cidade fortificada?
Quem me guiará a Edom?

Não foste tu, ó Deus, que nos rejeitaste
e deixaste de sair com os nossos exércitos?

Dá-nos ajuda contra os adversários,
pois inútil é o socorro do homem.

Com Deus conquistaremos a vitória,
e ele pisará os nossos adversários.


Esse foi o começo do fim de Trasmoz, que havia se tornado uma vila próspera e movimentada. A força da decisão do Papa causou um acentuado declínio na região inteira. Comerciantes deixaram de negociar com os mercadores locais, os produtos estragavam sem encontrar interessados em adquiri-los e mesmo viajantes preferiam fazer um grande desvio ao invés de passar pelo ligar maldito. Sofrendo por uma misteriosa epidemia de doença a cidade ainda teve de lidar com um incêndio que fez o Castelo de Trasmoz arder em 1520.

Temendo que o lugar realmente estivesse amaldiçoado os habitantes começaram a deixar a área em massa. As ruas ficaram vazias, os negócios fecharam suas portas e casas foram simplesmente abandonadas. Isso fez com que Trasmoz se tornasse a única cidade na Espanha a ser excomungada pela Igreja de Roma. 

Nos séculos seguintes, Trasmoz simplesmente foi minguando até se tornar um ajuntamento de pequenas construções esparsar aninhadas próximas das muralhas do Castelo. Apenas no século XIX, quando a influência da Igreja como um todo falseava, que a Vila voltou a receber alguns habianes permanentes. A reputação do lugar, entretanto, continuava a afastar qualquer pessoa interessada em se estabelecer nos arredores. As histórias sobre Bruxas continuavam sendo disseminadas como um rumor preocupante em uma nação majoritariamente cristã.

Mas as coisas mudam...

O século XXI trouxe uma espécie de redenção para a Vila de Trasmoz. Se até então sua fama mantinha as pessoas longe, justo seu passado e reputação como lugar maldito começaram a atrair turistas interessados em conhecer a história local e conhecer esse "antro de feitiçaria". Hoje, Trasmoz faz pouco para atenuar as lendas, pelo contrário, seus habitantes se esforçam para parecer o mais sinistros possível e isso tem feito muito bem para a economia da pequena comunidade.


Anualmente a Câmara de Comércio promove a Feria de Brujeria, um festival que atrai um público cada vez maior de curiosos. Durante o festival, que ocorre em Agosto, as pensões e pousadas locais ficam lotadas, apresentações de rua contam a história bizarra do vilarejo, um comércio de amuletos, ervas e objetos ligados a bruxaria se abre para consumidores ávidos por um souvenir da cidade mais amaldiçoada da Espanha. Até mesmo o Castelo de Trasmoz, que foi reconstruído abre suas portas para visitantes e oferece a chance de conhecer as temidas masmorras. Há planos para a construção de um museu no local.

Trasmoz também sedia há cinco anos uma Convenção Anual de "Bruxas e Feiticeiras" que realiza rituais e homenageia a memória daqueles que foram perseguidos e mortos pela Igreja Católica durante o período medieval. O ponto alto dessa celebração é a escolha da Bruja del Año.

Com tudo isso acontecendo recentemente, não é de se estranhar que a Prefeitura de Trasmoz tenha declinado de aceitar um recente pedido de desculpas da Santa Sé que ofereceu um Perdão Oficial e a chance de remover a Excomunhão que ainda pesava sobre o vilarejo. O prefeito local causou sensação ao dizer que "Com todo o respeito, o Papa pode enfiar o Perdão onde bem entender".

Ao que tudo indica, o espírito desafiador das Bruxas de Tresmoz continua ardente e cheio de rebeldia.

(tenham elas existido, ou não)

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

HEX - Resenha do apavorante livro de Thomas Olde Heuvel


Uma entidade ancestral, arquétipo de perversidade e maldade se encontra com uma série de elementos do mundo moderno - como vigilância eletrônica de alta tecnologia, monitoramento permanente e mídias sociais, em HEX, romance do escritor holandês Thomas Olde Heuvel. A combinação inusitada rende um dos melhores livros de horror dos últimos tempos, que chega ao Brasil pela Darkside Books.

Alguns leitores devem ter ouvido falar desse autor, afinal de contas ele foi agraciado com o Hugo Awards por melhor Novela em 2015, e também indicado por outra história curta bastante perturbadora, "O Menino sem Sombra", dois anos antes. Heuvel, está longe, portanto de ser um iniciante no gênero horror e não é de hoje, chama a atenção pelas suas histórias bizarras. HEX no entanto, é de longe a sua obra mais conhecida, contundente e impressionante, o tipo de história que fica na sua cabeça por um bom tempo depois que você encerra o capítulo final.

Eu iria além: HEX é o tipo do livro que você não quer terminar rápido demais, mas que você se sente compelido a continuar virando páginas até chegar a conclusão. Livros bons causam essa dualidade de sentimentos no leitor e HEX é um livro danado de bom!

HEX tem uma proposta diferente que pega a maioria dos leitores habituais de horror de surpresa. Logo no início somos apresnetados a uma assombração que vaga pelas ruas de uma típica cidade do interior dos Estados Unidos. Não sabemos o que fez a assombração surgir e quais os elementos que tornaram sua materialização possível no coração de Black Springs, a tal cidadezinha, localizada no Vale do Rio Hudson, Estado de Nova York. As pessoas no entanto, parecem aceitar a presença de uma entidade sobrenatural entre elas. Aceitar até onde tal coisa é possível. 

Black Springs foi um vilarejo originalmente erguido por colonos Holandeses, seu nome era New Beeck, e o lugar tem uma história de fanatismo e perseguição. Tal perseguição, no melhor (ou pior!) estilo Caça às Bruxas, condenou uma mulher chamada Katharine van Wyler à morte por praticar feitiçaria em 1664. Mais do que uma sentença, sua execução foi um verdadeiro show de horrores que envolveu uma espécie de Escolha de Sofia na qual ela teve de assassinar um de seus filhos para preservar outro. Enforcada, difamada, vilipendiada, a vida da bruxa terminou assim, mas não a sua sina.


Não é de se surpreender que ela, enquanto bruxa, tenha lançado uma terrível Maldição (Hex) sobre o vilarejo o que tornou a vida dos moradores de Black Springs um verdadeiro inferno. Mas em uma reviravolta, com o passar dos tempos, os habitantes, a maioria destes descendentes da "boa gente" que matou a bruxa, aprenderam a lidar com a situação, erguendo toda uma infraestrutura voltada para se proteger dos ataques da entidade sobrenatural.     

Robert Grim é o chefe desse aparato "anti-bruxa" e gestor da tal estrutura - um trabalho imprescindível que visa manter Katharine sob controle e a população em segurança. Grim é claro conhece intimamente o problema e foi treinado em antecipar as ações de seu inimigo e usar toda tecnologia ao seu alcance para proteger a cidade. Ele sabe muito bem que a Bruxa não é um espectro injustiçado ou que se deu por vencido, ele a compara a um Pit Bull feroz que está disposto a arrancar sua mão fora se você for burro o bastante para enfiar a mão na jaula que o detém.


Esse ambiente, construído pelo autor, é muito interessante e inovador. 

Uma comunidade assombrada por um ser sobrenatural que aprende a coexistir com ele, e conter o terror através de tecnologia, é algo que não se vê todo dia. Para que a coisa funcione, o povo de Black Springs concorda em manter tudo em segredo e jamais revelar a presença de sua moradora mais ilustre para forasteiros. Se o mundo exterior ficar sabendo de seu segredo, enviarão cientistas, repórteres, militares e sabe-se lá quem mais. E se as coisas funcionam do jeito que estão, não há por que mexer nelas, certo?

Mas é claro, a vida em Black Springs está prestes a mudar.


Como muitos estudos comprovam, as pessoas podem se acostumar com praticamente qualquer coisa. No início, os habitantes de Black Springs tiveram de aprender à duras penas como é viver sob uma maldição secular. A Bruxa e sua presença maligna está em todo canto e pode ser sentida como uma presença pulsando de ódio e ressentimento. Ela perambula pela cidade arrastando correntes, aparece dentro de casas repentinamente e murmura maldições para quem quiser ouvir.  


Por que as pessoas simplesmente não se mudam? 

Ora, aqueles que tentam se afastar acabam morrendo de alguma maneira terrível já que a maldição da Bruxa parece segui-los onde quer que eles vão. Por isso, aqueles que tem a maldição sobre si, não podem simplesmente ir embora e sequer tirar férias muito longas... eles tem que se ajustar à sua vida em Black Springs, o único lugar onde possuem algum grau de proteção.

Essa situação, é claro, não agrada a todos e isso dá início aos problemas.

Alguns não estão dispostos a simplesmente aceitar viver suas vidas sujeitos a influência da Black Rock Witch. Sobretudo os mais jovens que anseiam por conhecer outros lugares, estudar em escolas, conhecer outras pessoas e deixar o clima de paranoia da cidade para trás. Surge então um plano para expor a Bruxa e todo o sistema empregado para manter o espírito sob controle. Quem sabe assim possa surgir uma solução permanente para o dilema da cidade.

É então que as coisas começam a ficar feias e uma série de estranhos acontecimentos tem início. Luzes misteriosas iluminam o céu noturno. Um cordeiro de duas cabeças nasce em uma fazenda. Cavalos ficam indóceis. A própria terra parece sangrar. E isso é apenas o começo.

É na maneira como Heuvre consegue misturar o mundo sobrenatural com o corriqueiro, que reside o maior mérito do livro. Bruxas, vampiros e outros monstros podem ser assustadores, mas no fundo sabemos que eles não passam de faz de conta. Quando você os trás ao nosso mundo de maneira tão realista soa à princípio estranho, mas em seguida começa a ficar arrepiante. As medidas tomadas pelo conselho da cidade para "lidar com o problema", fazem todo sentido e ajudam muito a vendar a trama. Essa justaposição de uma criatura clássica e perversa, na forma da bruxa, com tecnologia moderna consegue apesar de sua absurdidade, soar perfeitamente plausível.   


Mas é claro, a maneira como o autor conta a história, também faz toda a diferença. Heuvelt coloca em cada página uma sensação de pavor e estranheza. Black Springs parece uma cidade cinzenta, fria e isolada. É possível sentir a aura de solidão que permeia cada página. Embora as pessoas tentem levar uma vida normal, elas estão unidas por um segredo terrível.

Entre os protagonistas estão os membros da Família Grant que se juntaram a comunidade e herdaram a maldição quando compraram uma casa em Black Springs. Pai e mãe acabam aceitando trazer para esse mundo seus filhos, que também ficam sujeitos à bruxa. A maneira como os personagens tratam da assombração é muito interessante. Cada um tem a sua própria interpretação da maldição e da entidade que a lançou. Alguns sentem um ódio mortal por ela, outros um simples desconforto diante de sua presença e alguns até se identificam com ela vendo-a como uma pobre vítima. 

As descrições de Katherine e sua influência sobre a cidade, que vai se tornando cada vez mais abrangente, descamba para cenas sanguinolentas repletas de horror. Com especial cuidado ao trabalhar as sequências mais sinistras, o autor constrói momentos de causar arrepios. A textura da linha que foi usada para costurar os olhos da bruxa, a palidez de sua pele mortiça na luz da lua, a maneira como ela se move pela cidade, tudo isso vai nos preparando para o horror que está por vir. E quando ele chega é da forma mais aterrorizante. Sem poupar ninguém, homens, mulheres, crianças, velhos e até animais, a vingança de Katherine é sinistra.

Vale a pena mencionar que o livro original, lançado na Holanda, se passava naquele país. Quando ele foi adaptado para o idioma inglês, o autor foi convidado a transplantar a trama para os Estados Unidos. O Vale do Hudson, uma região com o seu quinhão de estranheza funciona perfeitamente para a história. Eu francamente gostaria de ler a versão original e comparar as diferenças, embora, praticamente todos que o fizeram, concordaram que a história continuou funcionando perfeitamente.


Hex foi lançado aqui no Brasil pela Darkside books em uma edição extremamente caprichada que contou inclusive coma  presença do autor em seu lançamento. O padrão de qualidade da Darkside já é conhecido pelos fãs do gênero fantasia e horror, e ele continua simplesmente impecável: da capa dura, ao marcador de páginas, das belas ilustrações na contra capa até a tradução primorosa. Tudo ali conspira para tornar a leitura mais agradável e a experiência duradoura.

Para os fãs do horror contemporâneo, Hex é um trabalho maravilhosamente assustador recheado de imagens duradouras e de reviravoltas capazes de surpreender os leitores mais calejados. 

É o livro perfeito para levar para a cama e ler até altas horas da madrugada. Só não fique surpreso se, ao apagar as luzes, começar a ouvir sons estranhos pela casa.

Para saber mais a respeito deste e de outros livros, visite a página da Darkside Books: