Aninhada no sopé da Serra de Moncayo, na província de Saragoça na Espanha, a pequena aldeia de Trasmoz parece não ter nada de diferente das demais. À primeira vista, é apenas mais uma inocente cidadezinha do interior.
Mas Trasmoz tem uma longa e tumultuada história. Suas origens remontam ao século XII quando ela foi fundada por um importante Senhor de Terras e Cavaleiro. No passado, ela também presenciou a conquista de Jaime I, Rei de Aragão, bem como uma quase Guerra Civil com a vizinha Abadia de Veruela. Ela também ficou conhecida como a residência temporária de Manuel Jalón Coróminas, o folclórico inventor espanhol do esfregão e do balde de limpeza.
Ao longo dos anos, a população decaiu de aproximadamente 10.000 habitantes em seu apogeu para apenas 62 moradores permanentes nos dias atuais. Para todos os efeitos, Trasmoz parece uma pequena cidade fantasma. Há muitas habitações vazias e outras tantas abandonadas, as ruas vivem desertas e o lugar mais movimentado ao longo do ano é uma Taverna com o sugestivo nome de "Casa del Brujo" que segundo os habitantes foi aberta no século XV.
Mas a despeito da aparência decadente e da quietude impassível, este lugar é notável por ter um passado sinistro como um lugar de Bruxaria, Rituais Pagãos e Magia Negra.
Mas a despeito da aparência decadente e da quietude impassível, este lugar é notável por ter um passado sinistro como um lugar de Bruxaria, Rituais Pagãos e Magia Negra.
O epicentro de inúmeros rumores a respeito de feitiçaria na região, os boatos podem ser rastreados até a construção do Castelo de Trasmoz no século XIII. A obra estranha e imponente da fortaleza possui uma estrutura única em formato hexagonal que muitos consideram um mal presságio já que os vértices dos muros parecem formar um símbolo pagão, o hexagrama. Soma-se a isso o fato do Castelo ter sido, supostamente construído sobre um cemitério em que pagãos eram sepultados em tempos idos. Finalmente, existem relatos de que o lugar, antes da chegada dos cristãos, era o palco de encontros entre feiticeiras que realizavam ali seus sabás. Não por acaso, a região da construção era chamada de Vale Negro pelos habitantes originais.
Desde o início, o Castelo atraiu a desconfiança dos aldeões. Uma das lendas é que o nobre incumbido da construção teria feito um acordo com um feiticeiro mouro chamado Mutamin que operou um milagre, erguendo a construção em apenas uma noite por intermédio de sua magia. Como pagamento pela empreitada, ele teria ficado com o filho mais velho do nobre que foi levado como seu escravo.
Uma vez pronto o Castelo, multiplicavam-se as histórias a respeito de ruídos estranhos na calada da noite, o clangor de metal e luzes iluminando o céu noturno. As masmorras formavam um complexo de túneis escavados na rocha que se estendiam por baixo do vilarejo, Elas eram a fonte da maioria dos rumores sussurrados pelos preocupados residentes. Diziam que o lugar era usado frequentemente pelo Castelão, o responsável pela fortaleza, para punir os aldeões que o desagradavam. Dizem que o homem era muitíssimo perverso e tinha prazer em torturar aqueles que o desafiavam. Os gritos das vítimas ecoavam pelas câmaras e todos podiam ouvir quando o homem estava "trabalhando" nas masmorras subterrâneas.
O Castelão era também um inimigo das bruxas que viviam nos arredores da Vila de Trasmoz. Ele ordenara que fossem capturadas mais de uma vez e levadas à sua presença para que ele as interrogasse. Quase sempre elas conseguiam escapar, supostamente alertadas pelos seus familiares que contavam quando os soldados se aproximavam de suas cabanas isoladas. Mas em uma ocasião, os homens conseguiu capturar uma velha bruxa que foi torturada na masmorra até a morte. A mulher teria espiado, esmagada sob uma madeira coberta de pesadas lajotas de ardósia.
Esse ato, contudo, não passaria impune. O Castelão acabou enlouquecendo graças a um malefício dirigido contra ele pelo Cabal. As feiticeiras desejavam vingança pela afronta cometida contra uma delas. Em uma noite de lua cheia, o homem, perturbado das ideias, subiu até o alto da Torre Mor e saltou lá de cima, vindo a se esborrachar no pátio de pedra. Mas esse não foi o fim da história...
Após sua morte, o corpo foi enterrado em um cemitério próximo sem as bençãos dos sacerdotes uma vez que suicídio era pecado mortal. Para piorar, o corpo do homem desapareceu misteriosamente, ou assim diz a lenda. Alguns suspeitavam que as bruxas teriam exumado o cadáver para usá-lo em seus rituais negros. Na Idade Média, quando superstições ganhavam ares de certeza, diziam que o cruel Castelão havia sido trazido de volta como um horrendo morto vivo, compelido a vagar sem destino pelas catacumbas abaixo do castelo, incapaz de encontrar a saída. Gemia quando chegava a noite: faminto e solitário. Seu lamento ecoava pelos túneis e câmaras. E assim como os murmúrios de suas vítimas, também eram ouvidos os seus gemidos nos salões superiores e ruas do vilarejo.
Não é possível precisar se essa e outras histórias tem algum fundo de verdade, mas há rumores de que muitas dessas lendas horripilantes teriam sido intencionalmente espalhadas pelos próprios habitantes do Castelo.
Na época, o Castelo de Trasmoz seria o covil de um grupo de falsificadores que usavam as masmorras abaixo da construção para cunhar moedas falsas. As montanhas da região tinham minas de prata e segundo consta, o metal era usado para fazer moedas ilegalmente. Além disso, a prata era misturada a outras ligas para render em quantidade.
Dizem que para manter os aldeões e as autoridades afastadas da operação, os falsários criavam todo tipo de história bizarra. O ruído de metal contra metal que era ouvido de madrugada seria o som dos martelos sendo batidos contra as bigornas. As luzes misteriosas eram meramente o reflexo dos fornos e das labaredas nas nuvens. O golpe teria funcionado, mantendo todos os curiosos afastados, mas isso criou uma reputação temível para a Vila de Tresmoz; ele se converteu num esconderijo para bruxas, fantasmas e adoradores do Demônio.
Infelizmente para os habitantes de Tresmoz, o rumor espalhado pelos falsários funcionou bem demais. Muito tempo depois da quadrilha ter encerrado suas atividades criminosas, as histórias continuaram a ser contadas. Todos os vilarejos vizinhos conheciam a fama de Tresmoz como verdadeira colmeia de feiticeiros, bruxas e todo tipo de maldição blasfema.
Não ajudou em nada que um pároco local tenha sofrido um trágico acidente quando estava seguindo para o Vilarejo para oficializar um casamento por volta de 1360. Quando a notícia da morte inesperada do religioso chegou aos vilarejos vizinhos, todos tinham CERTEZA absoluta de que ele teria sido vítima das Bruxas de Trasmoz, furiosas com a visita de um Homem de Deus.
A situação chegou a tal ponto que o Monastério vizinho de Veruela oficialmente pediu à Igreja que realizasse a excomunhão de todos os que viviam em Tresmoz. Historiadores afirmam que essa manobra visava simplesmente forçar o vilarejo a pagar mais impostos para os cofres públicos já que comunidades não-cristãs eram obrigadas a contribuir com uma taxa especial. Seja como for, a Igreja não chegou a acatar o pedido dos monges, mas ainda assim, a situação repercutiu muito mal.
O boato de que os habitantes poderiam ser excomungados (algo extremamente grave para os padrões medievais), fez com que muitos simplesmente abandonassem a cidade. Para piorar, aqueles que ficaram para trás eram em sua maioria muçulmanos ou judeus, o que ajudou a reforçar o rumor de que a cidade era um antro de pagãos adoradores de Satã. Não obstante, aqueles que ficaram deram início a um período próspero em que o comércio deslanchou e trouxe riqueza para a cidade.
O atrito entre Trasmoz e a Abadia de Veruela continuaria por muitos anos, eventualmente quase levando a uma Guerra Civil. Isso ocorreu quando os monges represaram um rio que abastecia o vilarejo e exigiram que os habitantes pagassem uma taxa para retirar água diretamente com eles. Embora o Rei de Espanha, Fernando II, tenha dado ganho de causa a Trasmoz que levou o Caso até a Corte Real, a Igreja tomou a decisão como uma afronta.
Acreditando que o Rei estava errado por ter dado razão a uma cidade infestada por bruxos e a beira de ser excomungada, ao invés de uma comunidade de monges, a Igreja Católica exigiu uma nova decisão. O caso ganhou tanta repercussão que chegou a mais alta autoridade católica, o Papa Julio II que pediu que a decisão fosse revista. Julio II, não por acaso é lembrado como o Papa Mercurial por seu gênio e decisões intempestivas.
Quando nenhuma atitude foi tomada, o "Santo" Padre sinalizou com a poderosa e raramente usada Prerrogativa de Invocar o Salmo 108 do Livro dos Salmos, que segundo a tradição cristã era uma potente maldição guardada apenas para ser lançada sobre os piores hereges e diante dos mais graves crimes. A maldição foi invocada não apenas contra algumas pessoas, mas sobre todos os moradores e habitantes do Vilarejo de Trasmoz.
À saber, o Salmo 108, pede pela intercessão divina para destruir os inimigos de Deus e da Cristandade. Ele diz:
Meu coração está firme, ó Deus!
Cantarei e louvarei, ó Glória minha!
Acordem, harpa e lira!
Despertarei a alvorada.
Eu te darei graças, ó Senhor, entre os povos;
cantarei louvores entre as nações,
porque o teu amor leal
se eleva muito acima dos céus;
a tua fidelidade alcança as nuvens!
Sê exaltado, ó Deus, acima dos céus;
estenda-se a tua glória sobre toda a terra!
Salva-nos com a tua mão direita
e responde-nos,
para que sejam libertos aqueles a quem amas.
Do seu santuário Deus falou:
"No meu triunfo dividirei Siquém
e repartirei o vale de Sucote.
Gileade me pertence e Manassés também;
Efraim é o meu capacete, Judá é o meu cetro.
Moabe é a pia em que me lavo,
em Edom atiro a minha sandália,
sobre a Filístia dou meu brado de vitória!"
Quem me levará à cidade fortificada?
Quem me guiará a Edom?
Não foste tu, ó Deus, que nos rejeitaste
e deixaste de sair com os nossos exércitos?
Dá-nos ajuda contra os adversários,
pois inútil é o socorro do homem.
Com Deus conquistaremos a vitória,
e ele pisará os nossos adversários.
Esse foi o começo do fim de Trasmoz, que havia se tornado uma vila próspera e movimentada. A força da decisão do Papa causou um acentuado declínio na região inteira. Comerciantes deixaram de negociar com os mercadores locais, os produtos estragavam sem encontrar interessados em adquiri-los e mesmo viajantes preferiam fazer um grande desvio ao invés de passar pelo ligar maldito. Sofrendo por uma misteriosa epidemia de doença a cidade ainda teve de lidar com um incêndio que fez o Castelo de Trasmoz arder em 1520.
Temendo que o lugar realmente estivesse amaldiçoado os habitantes começaram a deixar a área em massa. As ruas ficaram vazias, os negócios fecharam suas portas e casas foram simplesmente abandonadas. Isso fez com que Trasmoz se tornasse a única cidade na Espanha a ser excomungada pela Igreja de Roma.
Nos séculos seguintes, Trasmoz simplesmente foi minguando até se tornar um ajuntamento de pequenas construções esparsar aninhadas próximas das muralhas do Castelo. Apenas no século XIX, quando a influência da Igreja como um todo falseava, que a Vila voltou a receber alguns habianes permanentes. A reputação do lugar, entretanto, continuava a afastar qualquer pessoa interessada em se estabelecer nos arredores. As histórias sobre Bruxas continuavam sendo disseminadas como um rumor preocupante em uma nação majoritariamente cristã.
Mas as coisas mudam...
O século XXI trouxe uma espécie de redenção para a Vila de Trasmoz. Se até então sua fama mantinha as pessoas longe, justo seu passado e reputação como lugar maldito começaram a atrair turistas interessados em conhecer a história local e conhecer esse "antro de feitiçaria". Hoje, Trasmoz faz pouco para atenuar as lendas, pelo contrário, seus habitantes se esforçam para parecer o mais sinistros possível e isso tem feito muito bem para a economia da pequena comunidade.
Anualmente a Câmara de Comércio promove a Feria de Brujeria, um festival que atrai um público cada vez maior de curiosos. Durante o festival, que ocorre em Agosto, as pensões e pousadas locais ficam lotadas, apresentações de rua contam a história bizarra do vilarejo, um comércio de amuletos, ervas e objetos ligados a bruxaria se abre para consumidores ávidos por um souvenir da cidade mais amaldiçoada da Espanha. Até mesmo o Castelo de Trasmoz, que foi reconstruído abre suas portas para visitantes e oferece a chance de conhecer as temidas masmorras. Há planos para a construção de um museu no local.
Trasmoz também sedia há cinco anos uma Convenção Anual de "Bruxas e Feiticeiras" que realiza rituais e homenageia a memória daqueles que foram perseguidos e mortos pela Igreja Católica durante o período medieval. O ponto alto dessa celebração é a escolha da Bruja del Año.
Com tudo isso acontecendo recentemente, não é de se estranhar que a Prefeitura de Trasmoz tenha declinado de aceitar um recente pedido de desculpas da Santa Sé que ofereceu um Perdão Oficial e a chance de remover a Excomunhão que ainda pesava sobre o vilarejo. O prefeito local causou sensação ao dizer que "Com todo o respeito, o Papa pode enfiar o Perdão onde bem entender".
Ao que tudo indica, o espírito desafiador das Bruxas de Tresmoz continua ardente e cheio de rebeldia.
(tenham elas existido, ou não)
(tenham elas existido, ou não)
Pra variar, a Igreja e sua hipocrisia.
ResponderExcluirMuito Bom
ResponderExcluirEnfiar o perdão onde bem quiser foi sensacional
ResponderExcluirCom todo o respeito, o Papa pode enfiar o Perdão onde bem entender".
ResponderExcluirMagnífico.
Nossa, que prefeito imaturo.
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