Para os que não sabem, campanhas são uma sequência de cenários de aventuras interligados e tendo um mesmo elo de ligação encadeando as histórias sob uma premissa central. No passado, Call of Cthulhu nos brindou com campanhas fantásticas como Horror no Orient Express, Masks of Nyarlathotep e Day of the Beast que tem um lugar reservado no coração de muitos mestres e jogadores de RPG.
Quando a sétima edição de Call of Cthulhu foi anunciada, muitos fãs começaram a se perguntar qual seria a primeira campanha lançada usando o novo sistema. Havia até pessoas apostando em uma sequência para Masks ou que a Chaosium iria aposentar essas mega campanhas em favor de cenários mais curtos que poderiam ser desmembrados em one-shots.
Mas então veio a confirmação de que a primeira mega-campanha globe-throter se passaria no recentemente lançado universo de Pulp Cthulhu.
The Two-Headed Serpent: An Epic Action-Packed and Globe-Spanning Campaign (A Serpente de Duas Cabeças: Uma Campanha de Volta ao Mundo Épica recheada de Ação) entrega exatamente o que o longo título promete. A Campanha envolve conspirações de cultistas, seitas diabólicas, vilões aterrorizantes, criaturas dos Mythos, viagens ao redor do mundo e perigosos desafios que apenas um grupo de heróis, não meros investigadores, poderiam vencer.
Idealizado para o uso na "plataforma" Pulp, a campanha combina uma boa dose de investigação tipicamente lovecraftiana com ação e aventura com direito a perseguições, tiroteios, fugas desesperadas, planos maquiavélicos, ciência bizarra e heróis maiores que a própria vida. A Campanha bebe da fonte de campanhas antigas sendo que a já citada Masks of Nyarlathotep parece ser a inspiração mais direta. Ela é uma daquelas campanhas em que cada aventura se passa em uma localidade exótica, forçando os personagens a uma jornada através do globo para frustrar cada tentáculo (literal ou não) da conspiração em curso. Durante as aventuras, o grupo será forçado a visitar lugares como Bolívia, Nova York, a Ilha de Borneo, o deserto de Okhlahoma, as Selvas do Congo Belga, as paisagens desoladas da Islândia, a costa do Brasil, e além!
De um ponto de vista de localizações, é ótimo ver os autores escrevendo a respeito de lugares diferentes e apresentando alguns países pouco visitados ao invés da mesmice de usar Arkham, Londres e Boston como centro de todos os acontecimentos estranhos. Sendo desavergonhadamente bairrista, é ótimo ver o Brasil figurando em uma campanha de Chamado de Cthulhu. Melhor ainda é que conversando com o autor, fiquei sabendo que uma das postagens do Mundo Tentacular serviu como referência para ele escrever o episódio se passando por essas paragens. Olha o orgulho!
Publicado pela Chaosium, The Two Headed Serpent , que pode ser traduzido como "A Serpente de Duas Cabeças" (e que daqui em diante será abreviado como THS) mostra a que veio já em sua magnífica capa feita pelo artista Pintuero. Na capa é possível ver vários elementos presentes na campanha: sim temos duas serpentes entrelaçadas, sim, ela envolve um vulcão em erupção e sim os personagens apresentados em destaque fazem parte da história e tem um papel central na trama. Uma vez que o título fala de "serpentes" não pode ser considerado spoiler confirmar que répteis peçonhentos tem um enorme papel no roteiro e que os heróis encontrarão MUITAS cobras. Finalmente, a arte não chega a entregar esse detalhe, mas podemos adiantar que um dos elementos centrais na trama envolve a participação dos personagens dos jogadores em uma organização internacional chamada Fundação Caduceus, uma organização médica cujo símbolo é (adivinha só) um caduceu (que tem cobras entrelaçadas)!
A Fundação é o ponto de partida para envolver o grupo de investigadores. Os personagens serão indivíduos trabalhando para a Caduceus não apenas como médicos, enfermeiras e cientistas, mas como todo tipo de pessoa capaz de auxiliar a distribuição de remédios, prestar ajuda humanitária e socorro a vítimas de guerras ou desastres naturais. Isso abre um leque de muitas possibilidades para que os jogadores criem personagens e justifiquem sua participação na história. É claro, o livro oferece um sortimento de heróis prontos e muito bem detalhados que podem ser usados imediatamente para facilitar a vida de quem não gosta muito de criar seus próprios personagens. Na lista temos um detetive particular durão, um arqueólogo obstinado, um cientista sikh com conhecimento de ciência bizarra, uma aventureira que adora usar disfarces para se infiltrar e um caçador com anos de experiência em explorações. Os personagens parecem ótimos para serem usados na campanha e servem como boas opções ou modelo para a construção de outros.
Quanto a proposta do jogo em si é preciso dizer. Esse tipo de campanha não é apenas corajosa, mas bastante radical em comparação com qualquer outra campanha de Chamado de Cthulhu, onde a premissa é que os investigadores desconhecem os Mythos ou os mistérios no início da campanha. Nada disso constitui um spoiler, porque os heróis irão tomar conhecimento de fatos a respeito dos horrores cthulhianos logo no início. A ambientação de THS também prepara os jogadores e seus personagens heróicos para o que está por vir e estabelece desde cedo o tom da campanha antes de jogá-los na ação. Fundamentalmente, Two Headed Serpent não envolve longas e custosas investigações, mas uma acelerada investida contra os Mythos do tipo "porrada, tiro e bomba"!
Para veteranos habituados a tomar cuidado com suas ações, planejar antecipadamente e calcular cada passo, essa é uma mudança incrível e de cair o queixo. Por vezes o grupo pode (e de fato), encontrará mais pistas tomando o caminho da ação e do confronto. Essa ao meu ver é uma mudança necessária já que em Pulp Cthulhu temos heróis capazes de lidar com esses desafios.
A Campanha se passa no ano de 1933 e o ponta pé inicial é em um lugar no mínimo incomum. O contestado Território do Chaco, no auge da Guerra entre Bolívia e Paraguai. Os heróis são parte de um grupo que trabalha com apoio a populações civis atingidas por conflitos. Ao longo da campanha, os heróis terão de desempenhar uma grande variedade de tarefas, seja explorar templos ancestrais, negociar com militares, religiosos e acadêmicos, investigar atividades da Máfia, descobrir o que está por trás de uma epidemia mortal e enfrentar desafios da fauna e da flora em cantos exóticos e extremamente perigosos do planeta. A campanha se desenrola ao longo de NOVE capítulos, cada um com o título da localização em que ele se passa. A maioria dos cenários irá consumir uma sessão de jogo, duas no máximo para completar, portanto a campanha não será demasiadamente longa.
Em sua maioria, os capítulos são bem direcionados, ainda que as aventuras possam ser jogadas em qualquer ordem que os jogadores decidirem. Inicialmente eles irão descobrir apenas indícios da Grande Conspiração, mas aos poucos as peças do quebra cabeças irão começar a se encaixar e as repercussões dos acontecimentos forçarão o grupo a viajar de um canto para o outro em busca de mais pistas e de uma maneira de frustrar os planos de seus adversários. A Campanha pressupõe que os heróis trabalham para uma Sociedade chamada Fundação Caduceus e logo eles descobrirão que a Fundação é também uma fachada para algo muito maior e inesperado. Com inimigos em toda parte o grupo terá de buscar aliados - nem sempre honrados, para vencer seus adversários mais perigosos. Como manda o espírito pulp, o grande prêmio é salvar a humanidade e evitar que cultos destruam o mundo. Também no melhor espírito de aventuras de Cthulhu o grupo irá desvendar segredos negros e enfrentar coisas aterrorizantes.
The Two Headed Serpent é uma aventura cheia de reviravoltas e com muita ação. Espere trocar tiros com gangsters, fugir de dinossauros, se embrenhar em selvas inóspitas, encontrar templos perdidos em vulcões adormecidos e testar tecnologias avançadas e bizarras.
A Campanha é bem construída e tem um desenvolvimento sólido. Há uma boa quantidade de Recursos bem produzidos para entregar aos jogadores e pistas que facilitam o trabalho. Além disso, os capítulos incluem relatos de três sessões teste que ajudam a antecipar as ações dos jogadores. É bem interessante ler esses relatos e ver como grupos podem divergir quanto ao seu curso de ação e a maneira como procedem em seus jogos. Este é um elemento útil, principalmente para os mestres que estão começando e que podem se sentir intimidados diante de uma campanha. É importante que o Guardião leia cada detalhe e conheça os NPCs para tirar deles as reações corretas.
Para os grupos puristas, que não abrem mão do caráter desesperador de Cthulhu, existe uma sessão que ajuda a adaptar a aventura para as regras convencionais de Chamado de Cthulhu. É claro, nesse caso, espere uma quantidade elevada de mortes em sua mesa.
Fisicamente, THS é um belo livro no estilo que a Chaosium parece ter adotado para seus lançamentos da sétima edição em diante. O material tem capa dura e é totalmente colorido, com arte decente (ainda que não impressionante) em cada página. O layout é limpo e agradável de ler. Há algumas ilustrações que se destacam, sobretudo as de página inteira que se encaixam num estilo "capa de revista pulp", o que é ótimo! Eu tenho algumas reticências a respeito da maneira como as ilustrações de NPCs são dispostas, com um grupo deles reunido, mas confesso que pode ser apenas uma cisma minha. Os mapas não são ruins, mas estão lá muito mais para "serem bonitos" do que funcionarem como referência para os jogadores.
Um pequeno defeito é que ao se concentrar em ação vertiginosa, a aventura fica devendo um pouco em detalhamento. A campanha leva os heróis a visitar lugares exóticos da Bolívia, a Borneo, passando pelo Congo Belga e India, mas não desenvolve esses lugares deixando muita coisa em aberto sobre o que encontrar em cada um deles. O grupo parece sair de uma selva genérica apenas para cair em outra bem parecida, explora uma ruína apenas para achar outra bastante semelhante em outro continente. Poderia haver um pouco mais de colorido e profundidade para individualizar cada local permitindo assim que o grupo possa explorar mais a contento as localidades, não apenas de modo "an passant".
Apesar desse pequeno deslize, uma nova e empolgante campanha para Chamado de Cthulhu é sempre um lançamento bem vindo. Sobretudo depois de algumas campanhas da sexta edição que deixaram a desejar, como a fraca Terror from Skies e a lamentável reedição de Spawn of Azathoth.
The Two-Headed Serpent por outro lado é divertida, acelerada e repleta de cenas loucas de ação. Para quem gostou da mecânica e estilo de Pulp Cthulhu será uma oportunidade de ouro de colocar o jogo à prova. Pode ter certeza, essa campanha irá render grandes aventuras, sobretudo se o grupo comprar a proposta de enfrentar os horrores com os próprios punhos ao invés de correr deles.
Então, pegue suas armas! Vista seu chapéu fedora! Prepare-se para a ação!
Então, pegue suas armas! Vista seu chapéu fedora! Prepare-se para a ação!
Ótima resenha realmente corrobora o que achei dessa obra.
ResponderExcluirExcelente livro abarrotado de ação e aventura e de fato só peca, como foi explicitado no texto acima, em detalhamento dos cenários mas nada que o guardião não consiga resolver com um toque de criatividade pessoal e umas visitas na Wikipédia.
Recebi ele a cerca de um mês, junto com o Pulp Cthulhu, e desde então estou estudando para iniciar a próxima aventura com o pessoal.
Adorei isso cara. Parabéns!
ResponderExcluirUm ar de novidade para a CoC...
ResponderExcluirExcelente resenha!
ResponderExcluirMuito bacana, estou seriamente pensando em entrar no financiamento coletivo da New Order para essa aventura.
ResponderExcluir