quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Sob as Águas Escuras - A Serpente Marinha de Gloucester


Os mares de nosso planeta são tão vastos, quanto insondáveis em seus segredos. Ninguém pode realmente dizer o que existe nas profundezas. O fato é que quase tudo que imaginamos à respeito dele pode estar errado e o que refutamos como absurdo, pode, no final das contas, se provar verdade.

As lendas mais antigas à respeito de nossos oceanos envolvem o que habita essas águas misteriosas. Que tipo de criaturas permanecem escondidas, desafiando nosso senso de normalidade e capacidade de acreditar? Diz o ditado que "ver é acreditar", mas será que tantas pessoas veem coisas inexplicáveis ou simplesmente as imaginam? 

Dentre todos os tipos de monstros, as Serpentes Marinhas estão entre as criaturas fantásticas mais famosas dos sete mares. Foram tantos os avistamentos ao longo da história, e em tantos lugares diferentes que por vezes é difícil aceitar que todos esses casos não passam de enganos e da mera imaginação dos envolvidos. Ainda que 99,9% desses avistamentos possam muito bem não passar de enganos, sempre resta aquele 0,1% que desafia a razão e nos faz perguntar: "E se?

Na maioria das vezes, os encontros com Serpentes Marinhas se resumem a incidentes fugazes e únicos. Uma testemunha solitária, um grupo de pescadores, um bando de marinheiros ou ainda, turistas em férias num navio de luxo, ficam sem saber o que pensar diante da visão de uma forma sinuosa rompendo a superfície da água e nadando sem que ninguém consiga explicar do que se trata.

Contudo, esse tipo de avistamento não constitui uma regra. 

Um dos mais estranhos casos de Serpente Marinha registrado na história assombrou o Porto de Gloucester, Massachusetts, que está situado ao norte da cidade de Boston. Vem de lá algumas das narrativas mais bizarras e peculiares à respeito de um animal de corpo alongado habitando as profundezas oceânicas. 


Até onde pode ser determinado, o relato mais antigo sobre a Serpente Marinha de Gloucester data de 1638. A testemunha foi um homem chamado John Josselyn, que escreveu o seguinte trecho em uma carta enviada posteriormente a um amigo: 

"Em Gloucester, os pescadores e homens do mar conhecem a lenda de uma serpente marinha, ou cobra gigante, que habita a costa de Cape Ann. os índios também sabem a respeito dela e a temem. Quando eu estava à bordo de um barco na companhia de colonos e de dois nativos, avistamos a criatura e alguns homens à bordo se apressaram para pegar seus mosquetes afim de atirar na serpente. Os índios imediatamente intercederam para impedi-los. Disseram que se a criatura fosse apenas ferida, todos estariam em perigo, pois ela avançaria contra eles e não pararia por nada, até afundar o barco e matar todos à bordo".

Os nativos contaram que a criatura era uma fera conhecida por eles, um monstro marinho que fazia das cavernas submarinas seu covil. Ele costumava vir à superfície de tempos em tempos, geralmente quando sentia fome. A criatura caçava em águas rasas, se aproximando furtivamente por baixo da água até chegar perto o bastante para executar o bote mortal. Ao apanhar a presa, ela a leva para o fundo, fazendo com que esta se afogue. A seguir, carregava o corpo para seu esconderijo inundado para devorá-la ao longo de semanas. Seu covil, por isso, era coalhado de ossos e restos de vítimas em decomposição. 

Um ano depois, outro colono chamado Obadiah Turner escreveu sobre a poderosa besta: 

"Alguns estavam em uma grande baía observando as embarcações pesqueiras fazendo seu trabalho honesto, quando perceberam uma forma escura sob a superfície. Espiaram uma serpente de dimensões prodigiosas nadando velozmente. Seu corpo era grande e arredondado como um cachimbo e tinha mais de quinze braças de comprimento. O monstro nadava perto do Cabo Ann e fazia daquela área de águas calmas e rasas seu lugar de caça. As pessoas já haviam ouvido falar do animal, mas quando o viram tiveram um grande choque e gritaram para os pescadores em alerta, implorando que eles voltassem o quanto antes pois onde estavam não era seguro".


As razões para a preocupação com a segurança dos pescadores eram legítimas, ou assim diziam, uma vez que a Serpente Marinha teria atacado um grupo de pescadores que estava à bordo de um bote à remos poucos meses antes. A pequena embarcação foi virada e seus três tripulantes atirados na água gelada. Embora capazes de nadar e que ali fosse raso, um dos homens foi puxado pela fera e desapareceu sem deixar rastro. 

A mesma criatura foi vista alguns meses antes espreitando próximo da praia. Na ocasião, as testemunhas de sua passagem a descreveram como uma enorme serpente com escamas de um tom azul prateado, cabeça grande e feia, olhos amarelados vítreos e presas afiladas na grande boca rasgada. A coisa, segundo alguns media pelo menos 15 metros, mas outros afirmavam que ela não passava dos cinco. Era rápida, se movia com facilidade pela água, mas não se acanhava de penetrar alguns metros em terra, sendo ágil o bastante para saltar em um bote para agarrar sua infeliz presa. Não havia consenso sobre ela ser venenosa ou não, mas alguns diziam que a criatura havia matado um cão injetando nele um veneno que o fez inchar e morrer em poucos minutos.

A única certeza é que ela vivia em um complexo de cavernas que a maré se encarregava de inundar à noite. Segundo os rumores, a Serpente foi vista repetidas vezes ao longo de 1639 e 1641, até que acabou sendo abatida por um caçador chamado John Mathias que a abateu com a ajuda de três nativos armados com lanças e machadinhas. A fera foi atraída para a praia com uma isca irresistível, uma cabra cuja garganta foi cortada afim de espalhar o cheiro convidativo de sangue fresco. Quando a fera saiu da água o caçador e seus assistentes a cercaram, o que permitiu a ele efetuar três disparos, sendo que o último a acertou em cheio na cabeça. A fera foi apresentada para a população aliviada por ela ter sido eliminada pelo corajoso caçador. Os registros da comarca atestam que a Serpente Marinha media 5,2 metros de comprimento, tinha dentes finos semelhantes a espinhos e atitude agressiva. Após ser abatida, a carcaça teria ficado em exposição na taverna local, ao menos até ser descartada quando apodreceu.         
Mas esse não foi o final da história sobre a Serpente Marinha de Gloucester, pois em 1817, foi feito um novo relato notável à respeito de um monstro habitando as águas cinzentas da baía. A criatura foi avistada pelo Sr. Amos Story, um comerciante respeitado da cidade e o tipo de pessoa que não inventaria uma história desse tipo: 

"Era cedo da manhã quando a avistei evoluindo na água aparecendo e mergulhando sucessivas vezes. Eu estava sentado na praia e me aproximei da linha das ondas para ver melhor o que era aquela coisa estranha. De repente, ela saiu da água e avançou na minha direção. Sua cabeça era muito parecida com a de uma tartaruga marinha, e ela se lançou da água violentamente. Tinha um corpo sinuoso e alongado, muito ágil e musculoso. Da parte de trás de sua cabeça até o final da cauda devia medir algo entre dez e doze metros, talvez mais. Ele se moveu muito rapidamente pela água, mas na terra era menos ligeira, se limitando a botes, o que me permitiu escapar. Frustrada em seus planos de me capturar, ela retornou para a água onde desapareceu".


O relato da história foi rapidamente seguido pelo de Solomon Allen III, Capitão do Provo, navio mercante que singrava a Baía de Gloucester. Allen foi chamado por seu imediato para ver a criatura estranha que havia surgido na rota da embarcação. O capitão descreveu o animal nos seguintes termos:

"Sua cabeça se assemelhava em forma a de uma cascavel, feia e peçonhenta, mas quase tão grande quanto a cabeça de um cavalo. Era enorme, com um corpo longilíneo similar a uma moreia.  Quando surgia na linha da superfície, rompendo a linha d'água, seu movimento era lento, às vezes brincando em círculos, e às vezes movendo-se em linha reta. Era diferente de qualquer animal que eu já tenha visto em 20 anos de serviço no mar. Parecia uma serpente, mas nunca soube de um réptil desse porte nadando em mar aberto. Não quis me aproximar e o animal também manteve uma distância constante de 20 braças. Durante todo o tempo que nos seguiu, o que deve ter durado uns bons 10 minutos, ela foi vista por vários homens". 

Na viagem de volta para Gloucester na semana seguinte, a tripulação do Provo relatou ter visto a Serpente Marinha uma vez mais, rompendo a linha d'água em duas ocasiões como se tivesse reconhecido os marinheiros acotovelados no costado. Foram eles que apelidaram a Serpente Marinha de Gloucester de Fiona e espalharam a história assim que desembarcaram no porto.

Poucos dias mais tarde um relato particularmente detalhado foi feito por Cheever Felch, um naturalista de Boston que estava viajando à bordo da escuna Science. Felch havia ouvido falar da Serpente Marinha e rumou para Gloucester interessado em ver a criatura que já havia se tornado uma lenda local. Felch sequer acreditar na própria sorte; na segunda viagem pela Baia de Gloucester, um marinheiro chamou sua atenção para a estranha criatura que aparecia cerca de 30 metros da escuna. 

A descrição do naturalista de longe era a mais acurada e técnica: 

"Sua cor é castanha escura com branco sob a garganta nas escamas. Seu tamanho não pudemos determinar com precisão, mas sua cabeça tem cerca de um metro de circunferência, plana e grande em relação ao corpo. Não vimos sua cauda; mas da ponta da cabeça até a protuberância mais distante não estava longe de ter trinta metros. Falo com certo grau de certeza, pois estou habituado a medir e estimar distâncias e comprimentos. Contei quatorze corcovas em suas costas, a primeira a três metros de sua cabeça e as demais em intervalos de dois metros. Estes diminuíam de tamanho em direção a parte posterior. O movimento era parcialmente vertical e parcialmente horizontal, como o das cobras de água doce. Conheci muitas cobras que vivem em nossos rios e posso afirmar que seu movimento era o mesmo."


A Serpente Fiona foi vista ao longo de todo o ano de 1817, em pelo menos uma dúzia de ocasiões diferentes. As testemunhas de seu aparecimento incluíam indivíduos de todas as classes sociais desde capitães e marinheiros, a viajantes ocasionais à caminho do Novo Mundo. O Porto de Gloucester se tornou famoso por algum tempo, o epicentro de várias histórias sobre monstros marinhos. Nas docas, não se falava de outro assunto e uma das mais famosas Tavernas da Zona Portuária mudou seu nome de Breeze of Gloucester para "Fiona, Serpente de Gloucester" para acompanhar o interesse despertado.

Mas as aparições se tornaram mais escassas no ano seguinte, sendo que o último registro de avistamento data de setembro de 1818. Na ocasião, um navio de passageiros vindo das Antilhas cruzou bem perto da criatura que os saudou com saltos e evoluções. Embora tenha havido avistamentos esporádicos de serpentes marinhas nas águas de Gloucester ao longo dos anos, nenhuma delas - em termos de frequência, número de testemunhas e credibilidade - chegou perto de se igualar àqueles dias tumultuados do início do século XIX, quando a população afirmava categoricamente que Gloucester era o lar de uma Serpente Marinha.

O último surto de avistamentos data de 1927, quando uma Serpente Marinha medindo incríveis 50 metros de comprimento teria sido vista pela tripulação do Stingray, um navio de guerra da Marinha em rota para Cuba. O evento reacendeu o interesse pela história, mas este teve curta duração.

Com tantos avistamentos e narrativas, será possível que todas as pessoas que afirmavam ter visto a Serpente Marinha estivessem inventando ou que tivessem se enganado no que imaginavam ter visto? Muitos sugerem que a criatura em questão poderia ser um extraordinariamente grande Peixe Remo - um animal raro, mas não inteiramente desconhecido na área. Mas seria possível que marinheiros experientes e um naturalista estivessem tão enganados quanto ao tamanho do animal, a ponto de confundi-lo com uma mítica Serpente Marinha?

Seja lá qual for a verdade, Gloucester até hoje mantém sua fama como o Porto da Serpente Marinha, e para aqueles que desejam conhece-la, é possível ouvir histórias e visitar a mesma taverna do início do século XIX, adornada com quadros e decoração remetendo ao monstro marinho que assombrou um dia essas águas.

Para os habitantes de Gloucester a Serpente sempre existiu, muito além da província das histórias de pescadores.

2 comentários:

  1. Estou lendo o livro de Charles Berlitz (TRIÂNGULO DAS BERMUDAS, 1974) e ele diz que teve avistamento da serpe marinha em Gloucester por varias pessoas em 1917 e que teve investigação da Sociedade de Naturalistas de Boston que comprovaram a existência de na serpente de 30m de comprimento e que eles conseguiram chegar perto a uns 139m de distância.👀

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