quarta-feira, 27 de maio de 2020

Quem colocou Bella na Árvore? - Um crime enigmático que desafia o tempo


Mistérios sem solução nos fascinam, sobretudo porque quanto mais tempo passa, menos provável que encontremos uma solução satisfatória para eles. Não faltam casos sem solução e eles não cansam de nos desafiar. Esse caso em especial desafia investigadores e surpreende curiosos desde o início. 

Passados quase 80 anos a pergunta permanece sem resposta: "Quem colocou Bella na Árvore"?

Tudo começou na manhã de 18 de abril de 1943 com quatro meninos de Stourbridge, uma pequena vila em Worcestershire na Inglaterra. Os rapazes – Robert Hart, Thomas Willets, Bob Farmer, e Fred Payne – haviam combinado uma expedição à Floresta de Hagley; uma área pertencente ao Lorde Cobham, composta por 350 acres que se espalhavam ao redor da propriedade da família; Hagley Hall. O lugar bucólico possuía trechos de mata fechada, raramente explorados com uma variedade enorme de carvalhos, cedros e olmos escoceses.

Os amigos se divertiam, correndo, brincando e observando a natureza. Ao se deparar com um grande olmo escocês, Robert Farmer de 12 anos, decidiu escalar em busca de ninhos de pássaros e para fazer uma observação do alto. Ao subir, entretanto, ele percebeu algo estranho numa parte oca do tronco. A princípio, pensou se tratar dos restos de algum animal que tivesse se protegido naquele espaço e acabara morrendo - mas ao inspecionar com mais atenção, percebeu que não se tratava de um animal.

Ele tinha cabelos e dentes, e parecia grande demais para uma raposa ou cão do mato. Quando o rapaz colocou a mão no vão e puxou o objeto, este se soltou e um crânio rolou pelo chão revelando ter pertencido a uma pessoa. Era um cadáver cuidadosamente depositado naquele espaço da árvore. O susto foi grande e a primeira reação dos meninos foi correr e contar a alguém, mas essa opção se revelou um tema complexo. Ir até as autoridades faria com que soubessem que eles haviam entrado na propriedade de Lord Cobhan sem a devida autorização. Os meninos discutiram sobre a melhor medida. Decidiram que não iriam falar nada com conhecidos, pais ou membros da família, e que manteriam aquela descoberta macabra em segredo. Com cuidado devolveram o crânio ao local onde o acharam e firmaram uma espécie de pacto entre si.


O segredo entretanto não durou muito, exatamente uma semana. Tommy Willets o mais jovem dos meninos, com apenas 9 anos; talvez em face de sua idade ficou especialmente apavorado com o crânio enfiado na árvore. Sofrendo de pesadelos contou aos pais o que ele e seus colegas haviam descoberto. 

A polícia foi chamada para verificar a história e os meninos concordaram em levar os detetives até o trecho da floresta onde a macabra descoberta foi feita. Era de fato um cadáver. Um médico legista tratou de cuidadosamente desalojá-lo do espaço revelando imediatamente se tratar de uma mulher. O cadáver ainda vestia os farrapos de um vestido, sapatos e um anel de casamento na mão esquerda. Logo abaixo da árvore, em meio às raízes, foi encontrada sua mão direita, enterrada. Ela havia sido arrancada com alguma ferramenta.

O exame pericial estabeleceu que o esqueleto era de uma mulher de aproximadamente 30 anos de idade no momento de sua morte. As evidências apontavam que ela havia sido assassinada. Um pedaço de tecido foi encontrado em sua boca, indicando que ela provavelmente foi amordaçada ou asfixiada. Ela foi colocada no espaço oco do tronco logo após ter sido morta, antes do rigor mortis se instalar nos membros. O perito concluiu que o cadáver tinha aproximadamente 18 meses, portanto a morte teria ocorrido em algum momento de outubro de 1941. 

A mão direita enterrada nas raízes era um mistério à parte. Ela havia sido claramente cortada, provavelmente por um objeto serrilhado uma vez que o pulso apresentava ferimentos condizentes com um instrumento dessa natureza. O ferimento teria ocorrido post-mortem. Talvez o assassino tenha pensado em seccionar o cadáver, mas não teve estômago para continuar, como sugeriu um detetive.


Esperando identificar a vítima pela arcada dentária, a polícia contatou um dentista local que tratava de boa parte das pessoas na região. Ele não conseguiu fazer um reconhecimento positivo apesar dos dentes terem uma formação incomum. Também não havia nenhuma denúncia de desaparecimento na região ou de que alguma mulher tivesse fugido de casa ou abandonado a família. Um artista forense fez uma reconstituição da provável face da mulher e um cartaz foi espalhado por uma área de 200 quilômetros perguntando se alguém poderia identificar a mulher. Infelizmente, ninguém a reconheceu positivamente.   

Seis meses se passaram e a polícia parecia sem pistas que levassem à identificação da mulher e de seu assassino. O caso parecia destinado a se tornar um mistério sem solução. Foi quando as pichações começaram a aparecer:

QUEM COLOCOU LUEBELLA NO OLMO ESCOCÊS? 

(“WHO PUT LUEBELLA DOWN THE WYCH-ELM?”)

A enigmática pergunta apareceu no início de 1944 em uma parede na Upper Dean Street, Birmingham, escrita com giz branco. As pessoas se perguntaram quem teria escrito a mensagem e o que tencionava com o questionamento. Nos dias que se seguiram outras mensagens semelhantes começaram a aparecer em cidades, povoados e vilarejos da região. Aos poucos elas foram tomando a forma mais conhecida: "Quem colocou Bella no Olmo escocês?"


Embora a polícia tenha investigado quem poderia ser o responsável pelas inscrições, isso também se mostrou um beco sem saída. Seguindo a sugestão expressa no muro, os detetives se concentraram em buscar por qualquer mulher chamada "Luebella" ou "Bella" que tivesse desaparecido. Não encontraram nada!

Também não se apurou quem teria escrito a mensagem e como saberia a informação sobre o nome da vítima, algo que a polícia jamais conseguiu determinar. 

Ao longo dos anos, muitas teorias surgiram, assim como novas mensagens enigmáticas escritas nas paredes e muros das cidades próximas. Uma das teorias mais populares assumia que a mulher (Bella, como passou a ser chamada) fora vítima de uma espécie de sacrifício humano numa cerimônia satânica. A mão serrada do cadáver apenas reforçava essa sinistra possibilidade. Aqueles que defendiam a suspeita apontavam a Floresta de Hagley, um lugar isolado e escuro, como tendo um passado peculiar.

No século XVI, a região foi palco de uma Caça às Bruxas, que resultou na prisão de oito mulheres acusadas de participar de uma cabala com o intuito de realizar adoração ao Demônio e presidir missas negras. "As Oito de Hagley", como ficaram conhecidas eram acusadas não apenas de conluio com forças diabólicas, mas de terem matado crianças não batizadas em rituais nefastos. Um xerife e um juiz teriam sido enviados de Birmingham para investigar as acusações. Diz a lenda que ambos sofrearam "estranhos acidentes" e que nenhum dos dois conseguiu presidir o inquérito para apurar a culpabilidade das acusadas. Um segundo juiz chamado às pressas também falhou em dar prosseguimento ao inquérito e sem provas, as mulheres acabaram sendo liberadas. 


Na época o sentimento era de que a justiça havia sido feita, já que não havia qualquer prova contra elas além de testemunhos dúbios. Mas nem todos estavam tão certos da inocência das mulheres e muitos chegavam a afirmar que não apenas os responsáveis por julgar o caso haviam sido afetados por feitiçaria lançada pela cabala, como uma criança havia desaparecido semanas depois das mulheres ganharem liberdade. As suposições eram de que a pobre criança teria sido vítima de um sacrifício realizado pelas feiticeiras como agradecimento pela sua liberação.

A mão direita ter sido decepada também é algo curioso. Na literatura ocultista, existem rituais que envolvem a remoção da mão direita de uma vítima de sacrifício, para criação de artefatos (como a infame Mão da Glória) ou realização de rituais. Contudo, a mão foi achada enterrada próximo do cadáver, o que não faz sentido se a presunção de crime ritualístico for levada em consideração. 

Além dessas teoria esotérica, haviam outras mais mundanas. Muitos suspeitavam do proprietário das terras, Lord Cobham, que não era bem quisto pelas pessoas da região. Alguns suspeitavam que Bella provavelmente fosse uma criada trazida para trabalhar na propriedade e que não havia se sujeitado aos avanços do nobre. O sumiço da mulher, desconhecida na região, não chamaria a atenção de ninguém. Alguns cogitaram que Lord Cobham pessoalmente teria dado cabo de Bella asfixiando-a e depois incumbindo algum homem de sua confiança de se livrar dela na floresta. A polícia chegou a entrevistar Lord Cobham, mas ele jamais foi considerado suspeito. Ademais, registros da casa demonstram que ele sequer estava na propriedade 18 meses antes do cadáveres ter sido encontrado.

Finalmente, havia uma terceira e controversa teoria. A verdadeira identidade da mulher assassinada seria Clarabella, uma criada incumbida de se infiltrar na casa de um oficial britânico e espionar suas atividades para a Alemanha. Ela trabalharia para os nazistas e fazia parte de um círculo de espionagem que se espalhava por todo norte da Inglaterra. De acordo com o escritor Donald McCormick, autor de Murder by Witchcraft, Clarabella teria trabalhado para os nazistas. A mulher enviava mensagens cifradas para contatos sobre posições e planos obtidos clandestinamente.

A reconstituição da face de Bella
Embora a teoria de McCormick, lançada em 1968, tivesse poucas evidências, o jornal The Independent investigou as alegações em 2013, descobrindo que havia um fundo de verdade na história. Arquivos secretos liberados na época detalhavam a presença de espiões trabalhando para a Gestapo. Um deles identificado como Jakobs foi capturado e interrogado. Jacobs teria sido lançado de paraquedas em Cambridgeshire em janeiro de 1941. Ele foi preso e acusado pelo Ministério do Interior e permaneceu preso até o final da guerra. A investigação apontou que Jacobs tinha em seu poder uma fotografia de uma mulher que se assemelhava muito com a reconstituição feita para Bella. A foto, segundo o espião pertencia a uma mulher camada Clara Baurle.

De acordo com ele, Clara era sua amante antes da guerra. Os dois haviam se conhecido em Hamburgo na década de 1930 onde ela se apresentava em um Café como cantora. Clara foi recrutada como espiã, assim como Jacobs, e os dois enviados para a Inglaterra depois de receberem treinamento. Jacobs revelou que a ideia é que Clara fosse posicionada na casa de uma pessoa envolvida com a defesa aérea da Inglaterra. O espião disse que perdeu contato com sua colega, mas que ela chegou a ser instalada na casa de um oficial. O que aconteceu com ela, ele próprio desconhece. 

Infelizmente não há nenhuma pasta oficial citando o nome de Clara Baurle nos arquivos do Serviço Secreto e de Contra Espionagem britânico. Os alemães também não tinham qualquer informação à respeito de uma mulher chamada Clara trabalhando infiltrada para a Gestapo. Entretanto, é curioso que não não se saiba o paradeiro final de Clara Baurle, já que ela desapareceu misteriosamente em 1940. A última informação sobre ela é que estaria vivendo em Dusseldorf. Mas ainda que Clara seja a misteriosa mulher encontrada no tronco da árvore, isso não explica como ela teria ido parar lá. Quem a matou e por que?

Um exame dos restos mortais poderia oferecer a solução definitiva para a identificação de Bella e descobrir se ela e Clara eram a mesma pessoa. Parentes vivos de Clara Baurle na Alemanha se ofereceram para ceder material genético para um exame de DNA, mas eis então outro mistério. Não se sabe o que aconteceu com os restos da mulher achada na árvore. Ela simplesmente desapareceu! Após o exame pericial conduzido pela polícia, o cadáver teria sido enviado para um patologista na Universidade de Birmingham para testes adicionais. Lá, em algum momento, ela teria desaparecido sem que se saiba como ou por ordem de quem. Suspeitas de acobertamento e de algum tipo de conspiração foram levantadas, mas nada foi provado.

"Mulher no Olmo Escocês foi assassinada".
O estranho caso da mulher achada na árvore continua aberto a debate. 

Passadas tantas décadas, inscrições com a célebre pergunta "Quem colocou Bella na árvore" ainda aparece no Norte da Inglaterra de tempos em tempos. Uma delas apareceu no muro do Tribunal de Justiça de Birminghan em 2017. A questão permanece em aberto, mas quem sabe se um dia o mistério será desvendado. 

Bella aguarda pacientemente. 

2 comentários:

  1. muito interessante este mistério... Vou te dizer que dá umas ideias boas para criar aventuras, principalmente de Call of Cthulhu... Poderia ser assim: Lord Cobham contratando investigadores particulares para resolver o mistério, afinal o corpo foi ocultado em sua propriedade. Isso poderia gerar uma aventura com pelo menos 2 enredos possíveis: um é que o próprio Lorde matou a mulher e a escondeu no tronco, e está mandando investigarem o caso só para criar uma cortina de fumaça e "demonstrar serviço", e os jogadores eventualmente chegarão a esta conclusão; outro é que o mandante do assassinato é um rival político dele na House of Lords, e este foi apenas um dos crimes planejados para destruir a a reputação de Cobham (que já não era muito boa, pelo visto); Os elementos sobrenaturais/lovecraftianos poderiam ser inseridos nos verdadeiros motivos do crime, e no modo como ele foi feito (algum culto da natureza, que ofereceu o corpo da vítima a uma árvore sagrada, por exemplo) ou até mesmo nos motivos (o rival de Cobham quer alcançar posições de mais prestígio para ter acesso a mais recursos para conseguir financiar seus projetos macabros - talvez ajudar a estabelecer a Ordem Esotérica de Dagon em plena Londres...

    https://bardodanevoa.blogspot.com/

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