domingo, 20 de setembro de 2020

O Olho de Zyre - O Anel Maldito do Dr. Emmitt


Existem pessoas com histórias para contar e nos últimos anos, a Internet parece ter dado voz a elas, permitindo compartilhar suas narrativas com quem estiver interessado em ouvi-las. Quanto mais estranhas e incomuns, melhor. Não importa o quão inacreditáveis sejam, quanto mais inusitadas melhor.

Tomemos por exemplo essa narrativa enviada a um fórum, o Spectre (atualmente encerrado) dedicado a discussão e debate a respeito do Sobrenatural em 2006. O tópico foi iniciado por uma pessoa que preferiu usar nomes inventados para os envolvidos na sua narrativa como forma de preservá-los. Ela, no entanto, afirmava que todos os detalhes eram reais e que transcorreram conforme descrito.

A pessoa que usou o nome Tess se dizia ex-secretária particular de um homem chamado W. M. Emmitt. Ela descrevia Emmitt como um respeitado Professor de Antropologia e também um especialista em Ocultismo e História Antiga. Além dessas qualificações, Emmitt era ainda um ávido colecionador de antiguidades, em especial objetos que possuíam conturbadas histórias ligadas ao sobrenatural. De fato, a devoção do Professor ao tema era tamanha que ele chegou a criar um pequeno museu para guardar seus artefatos. Este museu particular ficava em sua própria casa, no sótão e contava em seu acervo com uma série de objetos à primeira vista inofensivos, mas que escondiam uma natureza sinistra. Eram bonecas, quadros, estatuetas, peças de vestimenta, joias e um sortimento imenso de artigos insuspeitos que o Professor garantia estavam infundidos por energias paranormais. Nem todos eram necessariamente malignos, mas uma grande parte deles poderiam ser perigosos.

Emmitt passava seus dias escrevendo e preparando aulas. Com a idade ele viu a necessidade de ter um assistente e contratou a narradora dessa história para ajudá-lo a organizar sua agenda, cuidar de seus documentos e datilografar trabalhos. Como parte do trabalho, ela morava na casa e podia tirar folga nos finais de semana. No início Tess estranhou um pouco o teor do trabalho, sobretudo quando suas atribuições envolviam transcrever as informações a respeito dos curiosos itens do Museu. Com o tempo, no entanto, ela foi se acostumando com o caráter excêntrico de seu trabalho e de seu patrão, por quem desenvolveu certo grau de afeição. 

Em seus últimos meses no trabalho, Tess começou a se preocupar com a saúde do Prof. Emmitt. Em suas próprias palavras, ele havia se tornado obsessivo com um item em particular recém chegado à sua coleção. Tamanho era seu interesse a respeito desse item que ele passou a sonegar suas aulas e compromissos. Até mesmo seu sono era deixado de lado para se dedicar exclusivamente a saber mais a respeito do objeto. A coisa em questão tinha um nome chamativo, o "Olho de Zyre", uma grande opala negra encrustada em um anel bastante antigo.

Tess não sabia dizer em que circunstâncias o Dr. Emmitt havia obtido o anel, mas suspeitava que ele teria chegado às suas mãos através de algum antiquário, já que vários deles costumavam suprir a coleção do estudioso com itens que lhe pudessem ser interessantes. Boa parte da coleção havia sido adquirida daquela maneira. 

Antes de conseguir a peça, Emmitt teria realizado extensivas pesquisas a respeito da sua história: sua origem, quem foram seus donos e como ele influenciou a vida de diferentes pessoas. As considerações de Emmitt eram gravadas e depois entregues à sua assistente para que ele fizesse a transcrição para seu arquivo pessoal. Mas naquele caso ele decidiu manter para si suas conclusões, o que era uma quebra da rotina, algo incomum em uma pessoa tão metódica.

Foi nesse ponto que a narrativa começou a ficar realmente estranha, levando a secretária a descobrir um inesperado mundo de obsessão, insanidade e horror sobrenatural.

Os estudos do misterioso Olho de Zyre se tornaram o foco de todos os esforços de Emmitt e sua secretária imediatamente percebeu a mudança dele. Foi no dia 11 de março de 201x, que ele recebeu o objeto e voltou para casa com um brilho diferente nos olhos. Emmitt levou imediatamente o pacote fechado para seu estúdio e pediu para não ser perturbado uma vez que tinha muito trabalho pela frente. Tess relatou que ele passou várias horas trancado no aposento e que ao passar pelo corredor conseguia escutar através da porta algumas palavras vindo de dentro. 

À princípio, Tess não chegou, uma vez que, imerso no trabalho, Emmitt se desligava de tudo. Entretanto, daquela vez ele ficou afastado por muito tempo o que a preocupou. Depois de bater à porta, ela obteve uma ordem ríspida vinda de dentro para não perturbar a não ser que fosse chamada. Depois disso, Tess decidiu não incomodar novamente o professor e saiu para sua folga de final de semana sem perturbá-lo mais. Ao retornar na segunda feira o encontrou de melhor humor. Ele pediu desculpas por sua reação, mas reforçou que precisava de paz e tranquilidade para que seu trabalho pudesse progredir. 

O Prof. Emmitt, também falou brevemente sobre o anel cuja história ele havia levantado. A secretária escreveu a respeito da primeira vez que ela e o professor falaram a respeito do objeto:

"Na ocasião, o Professor Emmitt mostrou uma fotografia do anel que ele estava pesquisando. Depois disso, ele se tornou muito zeloso de compartilhar qualquer informação a respeito do item. 

A foto, disse ele, havia sido tirada no início dos anos 50 para uma seguradora que exigia essa formalidade. A imagem mostrava um anel de aro grosso com uma grande opala no topo. Segundo o Doutor aquela era a única imagem registrada do anel já que seus donos sempre se mostraram relutantes em capturar sua aparência em foto (o anel aparecia também numa pintura retratando um antigo proprietário dele, datada de 1838). De acordo com o professor, seus donos raramente mencionavam a joia, exceto para parentes próximos ou amigos íntimos. Se era pelo valor dela ou por temer atrair atenção indesejada, não ficou claro. Ele deu a entender que sua história estava ligada a ocultistas e pessoas com legítimo interesse pelo assunto.

É curioso que naquela ocasião eu não percebi a ironia de que o Professor incorria no mesmo comportamento dessas pessoas, preferindo me mostrar a foto do anel ao invés do próprio que estava logo ali, no escritório. Só me dei conta disso mais tarde, mas não questionei pois estava habituada às pequenas excentricidades dele.

O que posso dizer pela foto é que eu não gostei do anel... ele parecia grosseiro, algo grande e desajeitado que provavelmente ficaria exagerado na mão. A foto era próxima o bastante, permitindo ver detalhes da enorme pedra redonda. Havia algo inquietante nas raias azuladas suspensas na superfície da opala negra, algo que eu não conseguia explicar. Aos meus olhos, pareciam pequenas formas de pessoas desenhadas, como sombras dançando na superfície escura. Algo que me causou um arrepio involuntário.

O que mais posso dizer é que era lisa, mas não parecia trabalhada como se tivesse sido encontrada daquela forma, moldada exclusivamente pela natureza. Percebi que havia uma pequena parte lascada como se alguém tivesse batido a opala com força e quando questionei a respeito, o Professor observou que uma joia com tantos séculos era difícil jamais ter sido de alguma forma avariada. Quando ele mencionou "tantos séculos" eu perguntei inocentemente qual era a idade da peça e ele me lançou um olhar estranho. Não sei explicar, mas era como se eu tivesse feito uma pergunta imprópria, ou que ele julgava indevida. O professor apenas apanhou a fotografia e desconversou dizendo que tinha que prosseguir em seu trabalho e que não queria ser incomodado. Como eu disse, estava acostumada às suas pequenas excentricidade e dei de ombros".

Mas as coisas começaram a ficar ainda mais estranhas nos dias que se seguiram. O Professor Emmitt passava cada vez mais tempo trancado com a coisa, perdendo palestras e aulas. Nas poucas vezes que saia do escritório ele se comportava de forma arredia: tinha os olhos arregalados, estava pálido e irritadiço, muito diferente de seu estado normal. Suas refeições eram compostas de porções cada vez menores. Após alguns dias com esse comportamento recluso, ele deixou de ir à universidade de uma vez por todas. Depois disso, se negava a atender telefonemas e responder mensagens, mandando que a secretária inventasse desculpas.

Tess temia que a saúde mental e física de seu patrão estivessem em perigo. De fato, ele não descia mais para comer, pedia que a bandeja fosse deixada na porta em horários fixos e mais de uma vez, Tess a encontrava intocada. Por vezes, ao recolher o prato ela ouvia sons vindos do interior, mas até então, ela não se sentia à vontade ara espionar o professor e se meter nos seus assuntos. Ela reconhecia estar preocupada, mas não a ponto de romper a confiança do velho estudioso.

Duas coisas, no entanto, fizeram com que ela mudasse de ideia. 

A primeira aconteceu na noite de 19 de março quando um grito medonho vindo do estúdio a acordou no meio da madrugada. Tess se vestiu rapidamente e foi ver do que se tratava achando que encontraria a porta trancada como habitual. Mas ao invés disso se deparou com o professor saindo do aposento furtivamente. Ele estava claramente confuso e assim que viu Tess, mergulhou a mão no bolso do roupão. A secretária ficou impressionada ao ver como o homem havia mudado em apenas uma semana: normalmente alguém cuidadoso com a aparência, ele estava desgrenhado com barba por fazer, descabelado e com a roupa amarrotada. Com algum esforço, Tess o convenceu a descer até a cozinha onde ofereceu uma refeição leve.

Tess escreveu a respeito dessa pequena interação com o Professor:

"Quando mencionei que ele deveria fazer uma pausa ele me olhou com uma expressão de desconfiança que me deixou consternada. Ele então fez um movimento de se levantar: "Eu tenho muito o que fazer... eu não posso... não quero..." mas acabou sentando novamente como se estivesse demasiadamente cansado. Eu tentei oferecer algum apoio, para que ele pudesse se abrir e percebi o quão cansado estava. Mas ele se limitou a sorrir sem graça elogiando o cheiro da sopa que eu estava esquentando. A seguir disse: "Você está me ajudando, Tess... mas eu preciso de mais tempo para esse trabalho. Não é algo fácil... é algo que... cobra um preço alto.. todos que pesquisaram sobre isso... sabe...", e nesse momento ele se empertigou incomodado e pediu que eu levasse a sopa pois ele subiria para adiantar alguns pormenores de sua pesquisa".    

Aquela foi a última vez que Tess conversou com o Prof Emmitt e em retrospecto ela pensou que deveria ter insistido mais com ele. Talvez se o tivesse feito pudesse impedir o que aconteceu a seguir.

Nos dois dias que se seguiram, 20 e 21 de março, Tess não viu o Professor W.M. Emmitt ou ouviu qualquer som vindo do estúdio. As bandejas de comida se acumulavam e ela estabeleceu que na manhã seguinte bateria à porta ou chamaria algum amigo do professor, não importando se isso significasse sua demissão.

Nas primeiras horas da madrugada de 22, Tess foi dormir e teve o mais bizarro dos pesadelos que descreveu conforme segue:   

"Tive um sonho muito estranho sobre o Professor Emmitt. Estávamos no estúdio e ele estava sentado na poltrona. Ele estava usando o anel de opala e falando comigo em um tom calmo, ainda que eu não conseguisse entender as palavras que usava. Era um idioma exótico com palavras sem sentido. A medida que eu ouvia, percebi um detalhe curioso: a boca do Professor não se movia, seus lábios estavam entreabertos, mas sem articular palavras. As palavras pareciam emanar de outro lugar, não dele mas das sombras que se acumulavam no canto do aposento. Eu senti muito medo de olhar naquela direção, como se ali estivesse escondido algo muito ruim.

Minha atenção então se voltou para o Professor Emmitt. A expressão dele mudara: espelhava confusão, uma mistura de medo e desespero como jamais pensei ver em uma pessoa tão resoluta. Ele estava pálido, sua face transfigurada em uma máscara de horror com olhos vítreos dos quais escoriam lágrimas. Seus lábios se moveram e num sussurro ele pediu socorro. Foi quando acordei apavorada. Eu sabia que embora fosse um sonho, aquilo estava de fato acontecendo com ele."

Tess verificou o relógio, eram 4 horas da manhã e assim que o sol raiou, ela decidiu procurar o Doutor. Ela estava determinada a entrar no estúdio e descobrir de uma vez por todas o que estava acontecendo. Foi uma decisão impetuosa da qual ela iria logo se arrepender, pois o que encontrou naquela sala maldita era muito pior do que poderia imaginar. 

(cont...)

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