sábado, 5 de setembro de 2020

Território Desconhecido - Os Mistérios Gélidos da Antártida


Na mais distante e frígida região do nosso planeta, no ponto extremo do Hemisfério Sul, se estende o mais isolado, frio e seco continente da Terra. Antártida é uma vasta terra de montanhas, gelo, tundra e um frio cortante que torna o ambiente absurdamente inóspito. Tamanho o seu isolamento que ele permanece relativamente inexplorado e desabitado quase 200 anos após seu descobrimento. Ainda que a tecnologia tenha avançado e nosso desejo de compreender o planeta em que vivemos tenha aumentado, nós estamos apenas começando a arranhar a superfície dos inúmeros mistérios dessa fronteira desconhecida. O que estamos encontrando no mais remoto e extremo dos continentes é mais estranho do que imaginávamos.

A Antártida cobre uma área total de 14 milhões de quilômetros quadrados, que é aproximadamente duas vezes o tamanho da massa da Austrália e uma vez e meia o tamanho dos Estados Unidos, o que faz dele o quinto maior Continente do mundo. Embora 98% dele seja coberto pelo gelo, que pode chegar a quase uma milha de profundidade em alguns pontos, Antártida é considerado como um dos lugares mais secos do planeta, com apenas 200 mm de precipitação anual ao longo de sua costa e ainda menos em seu interior. 

O frio nessa paisagem desolada, fustigada por ventos cortantes é impressionante, com um recorde de temperatura negativa atingindo -89 graus célsius. Por essa razão, habitações humanas no continente são limitadas, e não há assentamentos permanentes. Mesmo as estações de pesquisas possuem caráter temporário, podendo ser evacuadas no auge do inverno, o que tende a acontecer regularmente. Muitos países mantém estações que se dedicam às mais variadas atividades científicas com revezamento de pessoal.    
    

Para uma área tão vasta, é notável que a Antártida tenha permanecido por muito tempo como um simples mito, uma terra perdida que por séculos foi conhecida como Terra Australis Incognita, ou "A Terra Desconhecida do Sul" e cuja existência constituiu uma busca lendária e a perdição para muitas expedições que falharam em localizá-la. Embora especulações e lendas sobre sua existência sejam muito antigas, remontando a descoberta de icebergs e ilhotas, a massa continental só foi encontrada oficialmente em 1820, quando uma expedição russa liderada por Fabian Gottlieb von Bellingshausen e Mikhail Lazarev navegaram rumo ao sul à bordo das embarcações Vostok e Mirny. 

Mesmo após a sua descoberta, expedições ao continente gelado permaneceram negligenciadas uma vez que viajar essa região tão hostil parecia virtualmente impossível. Com efeito, ela permaneceu não-mapeada, como uma fronteira selvagem intransponível para o homem. Apenas em 1911 a expedição pioneira liderada pelo norueguês Roald Amundsen penetrou no interior da Antártida, após uma perigosa jornada pelo gelo, fazendo dele e de mais quatro companheiros, os primeiros seres humanos a atingir o Polo Sul.

No século XX, a Antártida permaneceu largamente inexplorada, um reino pouco conhecido de frio extremo e gelo perpétuo. Apenas recentemente, com o avanço da tecnologia e das imagens via satélite é que começamos a entender seus mistérios congelantes. Mesmo assim, os segredos da Antártida permanecem quase insondáveis, e o que estamos descobrindo em primeira mão, resulta em mais questionamentos do que respostas. A medida que penetramos mais profundamente no gelo e acessamos seus recessos escuros, não faltam surpresas espantosas. A magistral Antártida está provando ser muito mais do que o imenso pedaço de gelo que muitos imaginavam.      


Algumas das mais excitantes descobertas na Antártida envolvem sua própria composição. O Continente é realmente formado por gelo, especificamente duas grandes massas continentais que recobrem quase 98% de sua área é alcançam quase 5 quilômetros de profundidade. A quantidade de gelo e tão grande que compreende quase 90% das reservas de água doce do planeta. Por muito tempo acreditava-se que o continente inteiro era formado por gelo, entretanto em 1958, uma expedição soviética provou que havia mais. Realizando escavações com dinamite, a expedição demonstrou a existência de um relevo por baixo das geleiras, com montes e picos que um dia estiveram acima da calota polar, mas que acabaram enterrados abaixo dela.

O que torna esse relevo oculto ainda mais bizarro é o fato de que essas formações serem muito antigas, com algo em torno de 900 milhões a 1 bilhão de anos de idade, tempo o bastante para que tivessem erodido há milênios. Ainda assim, as montanhas ainda estão lá, escondidas da vista sob enorme quantidade de gelo. Ha teorias de que um processo geológico até então desconhecido tenha alterado a densidade das montanhas tornando-as mais resistentes as forças da natureza que normalmente conspiram para pulveriza-las. Como isso aconteceu permanece um mistério é a própria presença dessas montanhas é um enigma para os cientistas.

Montanhas sob o gelo são apenas uma das peculiaridades geológicas encontradas na Antártida, que também possui alguns dos maiores e mais extremos desertos do mundo. Em um lugar chamado Vale Seco de McMurdo não há praticamente gelo, o solo é constituído quase que inteiramente de Rocha que se estende até onde a vista alcança. Está peculiar anormalidade em um continente coberto por gelo é causada por uma combinação de diversos fatores ambientais. As montanhas previnem o movimento do gelo solto, enquanto que os fortes ventos agem como um fator que favorece a evaporação de toda umidade. O efeito disso é bizarro, criando uma paisagem alienígena de rochas escuras, lisas e nuas. O Vale Seco de McMurdo cobre por volta de 0,3% da área total do continente, o que faz dela a área com menos gelo na Antártida. O Vale também possui o mais longo Rio do continente, o Ônix, que corre quase em sua totalidade pelo subterrâneo rochoso.


Mas estes não são os únicos elementos estranhos na Antártida. Abaixo das montanhas ocultas pela Geleira de Gamburtsev, próximo da Estação Russa de Vostok, encontra-se um enorme lago 4 quilômetros abaixo da superfície. Com 250 km de comprimento por 50 km de largura, o Lago Vostok atinge mais de 12,500 km2, com uma profundidade média de 432 metros, Ele é de longe o maior dos mais de 200 lagos subglaciais da Antártida. Lagos como o Vostok existem graças a erupções vulcânicas que derreteram o gelo nas profundezas e mantém a água em estado líquido. O calor geotérmico ajuda a manter a temperatura da água acima do ponto de congelamento em torno dos 3 graus célsius. Certamente não é o melhor lugar para mergulhar, mas o lago permanece em estado líquido quilômetros abaixo da superfície congelante o que não deixa de ser algo incrível. 

Os pesquisadores soviéticos desconfiavam da existência do Lago Vostok antes mesmo de encontrá-lo através de sismógrafos. Sua existência, no entanto, foi confirmada apenas em 1996 com sondagens realizadas por radar de profundidade. Apenas em 2012, os cientistas conseguiram escavar o suficiente na superfície para chegar até o lago. Da fissura consequentemente começou a brotar água cristalina. Amostras dessa água confirmaram que se trata de água doce em quantidade impressionante e que ela é perfeitamente capaz de sustentar formas de vida variadas. 


Longe de ser um deserto congelante estéril como imaginado, demovido de qualquer forma de vida, o Lago Vostok se mostrou promissor como ambiente para organismos biológicos.  Das mais de 3500 diferentes sequências de DNA retiradas das amostras da água, foram achadas bactérias e eucariontes, cujas sequências se encaixam no perfil de organismos complexos como moluscos, pulgões da água e pequenos artrópodes. A descoberta de vida microscópica em um ambiente tão hostil confirma que a natureza encontra maneiras de se adaptar, onde quer que seja. Um estudo similar conduzido em outro corpo subterrâneo no ano de 2013, no Lago Williams, trouxe resultados semelhantes. 

Para tornar as coisas ainda mais excitantes, algumas das bactérias encontradas nas amostras são típicas das entranhas de peixes de alta profundidade, sugerindo que espécies desconhecidas de peixes podem habitar o lago. Embora a teoria seja controversa, muitos cientistas acreditam que o Lago Vostok possa hospedar um ecossistema inteiro com animais desconhecidos. Uma fissura no fundo do lago oferece a hipótese de haver um sistema de ventilação geotérmico o que garantiria a manutenção da temperatura. Considerando que o Lago Vostok está isolado do mundo há 15 ou 25 milhões de anos, existe o potencial para descobertas biológicas sem precedentes. Tais formas de vida seriam diferentes de tudo que conhecemos.   

O Vale Seco de McMurdo, que mais parece a superfície de um planeta alienígena do que um lugar na Terra, também é o lar de persistentes formas de vida. Bactérias fotossintéticas vivem na superfície das rochas e se alimentam de nutrientes extraídos do solo. Amostras da água de um lugar chamado Corredeiras de Sangue, em face da cor vermelha acentuada, resultado da concentração de dióxido de ferro, também contribuíram para descobertas significativas. Bactérias estranhas anaeróbicas, com um metabolismo único baseado em ferro e enxofre foram encontradas lá. Tais formas de vida desafiam noções prévias de adaptação e levaram cientistas de todo mundo a estudá-las.   


Até mesmo o gelo da Antártida oferece intrigantes descobertas no campo da Biologia. Bactérias foram encontradas em veios de água em estado líquido, sobrevivendo com ínfimas quantidades de nutrientes. Ainda é muito discutido se essas bactérias estabelecem um equilíbrio com o ecossistema, ou se elas passam a maior parte de sua existência em uma espécie de animação suspensa, até encontrar uma forma de sustento que as leva a despertar. Cientistas identificaram bactérias em animação suspensa há pelo menos 420 mil anos. Uma vez removidas desse ambiente e "reanimadas" em laboratório elas se recuperaram e começaram a se desenvolver como se jamais tivessem estado em suspensão.

A possibilidade de descobertas se estende também aos mares gélidos da Antártida. As águas territoriais do Continente são o lar de uma infinidade de organismos resistentes às mais duras condições. De peixes que possuem um mecanismo natural que evita deles congelarem a aranhas marinhas do tamanho de pratos, passando por crustáceos e moluscos especialmente adaptados, encontrados em nenhum outro canto do planeta, o litoral da Antártida está repleto de espécimes nunca catalogados. Um dos grandes mistérios desses mares virtualmente inexplorados reside justamente nas incontáveis formas de vida que eles hospedam. Não se sabe praticamente nada a respeito do que existe abaixo desse reino de gelo, geleiras e icebergs. Quando começamos a explorar esses recessos, quem pode imaginar o que será encontrado vivendo lá.   


Talvez o maior dos mistérios da Antártida resida no fato de que ela está passando por uma severa mudança. Estudos sugerem que as geleiras são bastante vulneráveis a fatores externos - como a ação do homem, e que o derretimento progressivo das geleiras pode impactar no aumento do nível do mar e alterações na temperatura da água. Nas últimas décadas o derretimento de geleiras, bem como suas mudanças de posicionamento tem causado alterações no ambiente que podem ser desastrosas à longo prazo.   

Foi observado que calotas polares, particularmente na porção ocidental do continente, estão sofrendo rápidas mudanças de magnitude até então sem precedente. Essas calotas estão perdendo sua massa. Mudanças que deveriam levar séculos estão sendo operadas em décadas, o que pode trazer consequências graves para o resto do mundo. Um aumento progressivo no nível dos mares irá atingir populações que vivem no litoral que terão de lidar com inundações e cheias. Da mesma forma, a mudança da temperatura da água pode causar a morte de algas e plâncton e a consequente escassez de alimentos para os peixes. Se um trecho grande o bastante da porção ocidental derreter, o nível do mar pode aumentar em até 5 metros. Isso traria efeitos catastróficos já que é o suficiente para apagar a maioria das praias, obliterar completamente ilhas e redesenhar o mapa dos continentes.  


Parece claro que a terra nos limites de nosso planeta é bem mais importante do que um simples bloco de gelo demovido de vida. Milhares de cientistas continuam usando tecnologia de ponta para compreender esta vasta fronteira do mundo natural. A Antártida é realmente um domínio majestoso e misterioso que oferece incontáveis enigmas geológicos e biológicos. Lá é possível aprender a respeito dos limites extremos das formas de vida que podem servir de referência quando enfim iniciarmos a exploração de outros planetas.

Contudo, ainda existem tantas descobertas aguardando a ciência que talvez jamais tenhamos plena compreensão desse ambiente inóspito. É triste imaginar que boa parte desse continente está em franco processo de desestruturação, com organismos que deixarão de existir antes mesmo de serem descobertos e estudados.

2 comentários:

  1. A Antártida é tão majestosa quanto misteriosa, porém ao mesmo tempo que fico animada para as novas descobertas tenho medo do que pode acontecer com as espécies endêmicas, caso sejam incomodadas.

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  2. interessante ao extremamente...

    ainda temos muito o que estudar...

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