quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Será que um dia ainda veremos um filme de "Nas Montanhas da Loucura"?


O que teria acontecido com o filme "Nas Montanhas da Loucura" do diretor Guillermo Del Toro?

Faz uma década que a clássica novela de H.P. Lovecraft se tornou o projeto dos sonhos do diretor mexicano Guilhermo Del Toro. A história acompanha uma expedição nos anos 1930 que desembarca na até então pouco conhecida Antártida e lá encontra uma antiga civilização de criaturas bizarras que deixou no gelo ruínas que guardam segredos inomináveis sobre o passado remoto da Terra e da própria humanidade. Montanhas é uma das histórias mais populares de Lovecraft, um autor que em vida jamais poderia imaginar a popularidade que conquistaria após sua morte. Redescoberto por uma nova geração de leitores ávidos pelo seu trabalho, Lovecraft se tornou famoso em várias mídias além da Literatura, fazendo seu caminho através de quadrinhos, RPG, desenhos animados e mais recentemente séries de televisão. O cinema, contudo, sempre foi um destino complicado para as obras de Lovecraft.

Com produções modestas mas esforçadas, passando por verdadeiras porcarias indignas de levar seu nome, os filmes baseados na obra de Lovecraft sofrem de uma estranha síndrome de altos e baixos. Montanhas da Loucura poderia sinalizar com a reviravolta que alçaria seu nome a um lugar de destaque nas produções de Hollywood. E vindo dali um sucesso, quem sabe Lovecraft poderia se tornar um nome quente para os estúdios que poderiam adaptar outros contos emblemáticos do Cavalheiro de Providence.

Tudo parecia conspirar para algo monumental, como se as estrelas estivessem próximas de se alinhar. Se existia alguém capaz de fazer a correta transição de Lovecraft do papel para o celulóide, de tornar a aparentemente infilmável história algo factível, esse alguém seria Guilhermo Del Toro, um entusiasta de Lovecraft, nerd, fã de longa data que desfilava por aí com um anel de formatura da Miskatonic University pronunciando os nomes impronunciáveis com uma familiaridade desconcertante.

Em 2006, os rumores começaram a se espalhar e a coisa parecia estar tomando forma.

Del Toro escreveu um rascunho e trabalhou com um roteiro na companhia de Matthew Robbins que ajudou a conceber o script em tempo recorde. Na ocasião, o diretor disse que a paixão pela obra fazia com que as palavras surgissem quase que por encanto. Havia no entanto alguns problemas: a Warner Bros, estúdio que ficaria responsável pelo projeto reclamou do custo elevado (na casa dos 150 milhões) e do teor cínico da história. Para eles, uma história de terror, com conteúdo destinado ao público adulto e com um final pouco feliz era uma aposta perigosa. A saída dada pelos engravatados do estúdio era fazer algumas mudanças no roteiro apresentado: inserir uma personagem feminina, trazer a história para os dias atuais e fazer algumas mudanças no final. 


Os fãs prenderam a respiração.

Del Toro bateu o pé e disse que não comprometeria sua visão da obra de Lovecraft para agradar ao estúdio. Para ele, a história era perfeita da forma que estava e qualquer mudança iria diluir seu impacto, e como todos sabemos, uma história de horror sem impacto é receita para o fracasso.

Apesar de parecer ter ganho o primeiro round, o estúdio acabou recuando. Del Toro recebeu uma proposta para fazer o filme com 65 milhões, uma fração do que se julgava necessário. Foi a vez dele recuar. O projeto foi então engavetado e Del Toro foi lidar de dois outros projetos que tomaram sua atenção pelos quatro anos seguintes Hellboy II e a trilogia The Hobbit.      

Vamos avançar para 2010, quando Nas Montanhas da Loucura foi resgatado do limbo em que se encontrava por ninguém menos que James Cameron que havia acabado de bater todos os recordes de bilheteria com Avatar e que ainda era festejado como o homem que fez o Titanic navegar por águas milionárias. Era sem dúvida um nome de peso! Cameron tinha interesse de ser produtor e tudo parecia conspirar para as coisas avançarem. Ele fez contato com outro estúdio, a Universal Pictures que demonstrou enorme interesse na história, ainda que torcesse o nariz para os 150 milhões e para o final criado por Del Toro.

Ainda assim, as notícias davam conta de que Montanhas seria a maior aposta da Universal para o ano. Del Toro seria o Diretor e receberia carta branca para fazer o que bem entendesse para recriar a expedição ao Inferno Congelado. O nome de Tom Cruise passou a ser associado ao filme. O ator havia supostamente lido o roteiro e se animado com a ideia de viver o Professor Dyer. Outros nomes foram sugeridos em rumores cada vez mais animadores a respeito da produção: James McAvoy (dos filmes da franquia X-Men) que estava se tornando um ator bastante conhecido e Ron Perlman (o Hellboy em pessoa) um amigo e parceiro de longa data de Del Toro. Com grandes expectativas, Del Toro começou a trabalhar nos conceitos para que o filme fosse realizado em 3D, a única imposição da Universal.

Em uma entrevista para a FearNet, Cameron abriu o jogo e contou o que os fãs poderiam esperar da adaptação. De acordo com o produtor, o filme seria um triunfo do ponto de vista visual. Efeitos digitais de tirar o fôlego que marcariam um novo patamar de excelência técnica. Isso vindo de alguém que acabara de dirigir Avatar.


"O desenho da produção é fenomenal - tanto os conceitos tridimensionais quanto os em 2D são notáveis. As maquetes, os testes com CG, o trabalho dos artistas envolvidos. Os fãs certamente ficarão satisfeitos com o que vamos atingir nesse filme".   

Os primeiros modelos de como seriam as criaturas e como seria a interação delas com os personagens animou o estúdio. Ao menos por alguns minutos até eles verem quanto aquele primor custaria. O orçamento do filme chegaria a algo em torno dos 175 milhões, um valor com tendência a inchar ainda mais. 

O risco começava a fazer o estúdio suar frio. A Universal não estava feliz com o grau R (restricted) que o filme teria. Pediram uma reunião com Del Toro e Robbins para conversar sobre alguns aspectos mais sanguinolentos do roteiro e que sem dúvida tornavam o filme adequado apenas para o público adulto. Ou seja, nada de crianças e adolescentes, uma das fatias mais lucrativas da bilheteria. Os produtores expressaram a preocupação de que Montanhas não era um sucesso comercial em face de seu conteúdo aterrorizante. Del Toro bateu de frente com os produtores, contando apenas com o apoio de James Cameron. Ele disse que não iria remover os aspectos mais pesados da trama, e que se o fizesse, o filme não iria funcionar de modo algum. A queda de braço continuou sem que ninguém movesse um centímetro.

Del Toro concedeu uma entrevista na época em que dizia que "Os Pássaros" (clássico de Hithcock) era uma das suas maiores inspirações. Ele usaria efeitos especiais para realçar a visão perturbadora de Lovecraft. Isso tornaria o filme atraente para o grande público, mas não comprometeria sua visão. "O público adora o terror, quando ele é bem feito!" 

Adam Fogelson, o chefe do Departamento de Produção da Universal Pictures, eventualmente aceitou o projeto após várias reuniões com os cineastas. Estes deveriam ceder em apenas dois pormenores: incluir uma protagonista feminina (falou-se de Angelina Jolie por algum tempo) e refazer duas ou três cenas que aos olhos dos produtores seriam certeza de graduação R. Com essas sendo minimamente atenuadas, eles esperavam obter uma classificação PG-17, algo menos arriscado para o estúdio. Na ocasião, Fogelson descreveu o filme da seguinte maneira:

"Será uma das mais extraordinárias e gratificantes experiências cinematográficas dos últimos anos". 


Com sinal verde, Del Toro começou a trabalhar nos detalhes do filme cujo orçamento foi fixado em 160 milhões, o bastante para atingir o grau de excelência esperado. O filme deveria chegar aos cinemas em 2012 e ser uma adaptação fiel seguindo o roteiro original nos menores detalhes. Isso significa que os questionamentos existenciais e o horror cósmico iriam permear cada linha do texto de forma pessimista e aterrorizante. Del Toro queria também monstros e ação, sustos e arrepios. Além disso, esperava apresentar a primeira e mais fiel aparição do Grande Cthulhu

Com o projeto em pré-produção avançando o filme parecia ser uma realidade cada vez mais próxima. Os fãs esfregavam as mãos em antecipação e repetiam o mantra "em Del Toro, nós confiamos". Mas então vieram os problemas detectados na pré-produção.

O 3D e os efeitos CGI custariam, afinal de contas, muito mais caro do que o imaginado, inchando o orçamento para a casa dos 200 milhões segundo estimativas conservadoras. Del Toro queria nada menos do que a mesma equipe empregada em Avatar, algo com que Cameron já havia concordado.

O grande problema, no entanto se encontrava em outra produção que já estava sendo concluída, a prequel de Alien dirigida por Ridley Scott: Prometheus. Muitas pessoas apontavam para uma alarmante semelhança entre os roteiros quanto a origem da raça humana, um dos temas centrais em Montanhas da Loucura. Os dois filmes seriam lançados por volta da mesma época, o que não era uma boa perspectiva do ponto de vista financeiro. Haveriam inevitáveis comparações e os dois filmes poderiam vir a sofrer com isso. Ademais, Prometheus havia largado na frente e Ridley Scott havia prometido entregá-lo com pelo menos 2 meses à frente de Del Toro.

Com tudo isso, o projeto foi colocado primeiro em espera. A Universal ainda tentou negociar com Del Toro uma classificação PG-13, mas nesse momento o próprio diretor decidiu que aquela briga iria continuar indefinidamente. Em meados de 2010, o projeto foi arquivado uma vez mais e continua mantido nesse arquivo como um daqueles filmes extremamente antecipados, mas que dificilmente um dia serão lançados.


Mas o que realmente aconteceu?

Depois do fracasso com a Universal, o Diretor tentou vender o projeto para outros estúdios, mas a essa altura todos já sabiam do altíssimo custo de produção agregado aos riscos inerentes do projeto. Del Toro estava irredutível quanto aos aspectos técnicos e artísticos de seu filme, ele não iria abrir mão de nada que pudesse comprometer sua visão. A Warner voltou a sinalizar para ele, aceitando aumentar o orçamento (sem no entanto, atingir os 200 milhões estimados), mas para isso exigia o comprometimento com um terror menos pesado, uma personagem feminina, um subplot explorando um romance e um final menos denso. Quando Del Toro ouviu que a proposta envolvia uma classificação PG-13 ele teria até abandonado a reunião.

Prometheus também não ajudou em nada. A história similar e o fato do filme receber grande atenção também não eram bom sinal. A luta entre os filmes seria desigual já que Alien era uma franquia consolidada, já Lovecraft não tinha muito a mostrar além de Reanimator. Del Toro estava desanimado com o anúncio de Prometheus, ele temia que o filme seria um sucesso estrondoso e que seu filme ficasse à margem dele...

No final das contas, Prometheus acabou não sendo o filme que se esperava. Apesar de ter conseguido uma boa bilheteria, o filme de Ridley Scott só atingiu uma fração do esperado. Tecnicamente perfeito, o roteiro tinha mais buracos que um queijo suíço. Crítica e Público concordavam que não era exatamente aquilo que se queria e a franquia Alien ficou em modo de espera. Se Prometheus não conseguiu o almejado, será que Montanhas teria melhor sorte?

Del Toro decidiu que tentaria lançar seu nome como diretor respeitado de filmes de ação coalhados de Efeitos Especiais. Ele tentaria um blockbuster na forma de Pacific Rim (2013). Cado o filme, centrado em robôs e monstros gigantescos destruindo cidades, conseguisse o retorno esperado, ele teria respaldo para projetos de altíssimo risco como Montanhas na Loucura. Era uma aposta perigosa que Del Toro aceitou de bom grado.


Infelizmente Pacific Rim, não foi o sucesso que se esperava, terminou por apenas empatar os elevados gastos da produção, em parte graças a bilheteria internacional. E Pacific Rim havia custado 150 milhões, tendo classificação PG-13. Os produtores viram aquilo como um alerta de que o nome de Del Toro podia ser respeitado, mas que seus filmes não tinham o retorno financeiro que se esperava. Assim como havia acontecido com Blade, Hellboy e O Labirinto do Fauno, outros filmes de Del Toro, o público acabava por descobri-los depois deles deixarem os cinemas. Tornavam-se adorados pelos fãs, mas tarde demais para os padrões de Hollywood.

Com o quase fiasco de Pacific Rim e com o Hobbit sendo considerado um projeto megalomaníaco, Del Toro teve de que se reinventar e fez isso com classe. Buscando algo menor e mais introspectivo ele conquistou a glória com "A Forma da Água" (2017), que lhe rendeu o Oscar de Melhor Filme e Direção.

Com o sucesso, o nome de Guilhermo Del Toro se tornou respeitado novamente e muitos esperavam que agora ele poderia conduzir o projeto que bem entendesse. Desse modo, Nas Montanhas da Loucura finalmente estaria apto a ser filmado e lançado, certo?

Bem, até agora isso não aconteceu...

O roteiro continua em poder da Universal e ele permanece com o status de pré-produção, o que nos faz pensar que não foi enterrado de uma vez por todas. Um porta-voz da Universal chegou a cogitar que o filme poderia seguir adiante dirigido por outra pessoa, mas nesse caso Del Toro reagiu dizendo que seu roteiro não será negociado.

Com certeza o diretor não esqueceu da adaptação de H.P. Lovecraft e continua sonhando com ela. Esse é um projeto do qual ele não consegue se despedir e permanece como uma meta a ser alcançada. Ele disse em repetidas entrevistas que ainda espera filmar "Nas Montanhas da Loucura" e que esse dia irá chegar num futuro próximo. No entanto, ele parece bem mais ponderado e menos afoito em impor o filme na base do custe o que custar. Del Toro parece ter compreendido que os filmes tem um momento certo para serem realizados e que é questão de tempo até que Montanhas complete seu caminho.


O sucesso recente da série da HBO Lovecraft Country ajudou a alavancar a esperança, mas ao mesmo tempo a imagem de Lovecraft como indivíduo preconceituoso não ajudou muito. Inegavelmente Lovecraft era um gênio, mas suas opiniões são o pesadelo para qualquer relações públicas. Vender um filme baseado em sua obra como "ame a obra, não o autor" parece ser a proposta mais acertada. Ainda assim existe certo grau de polêmica.

Mas será que ainda veremos Del Toro no timão desse navio?   

Em uma entrevista recente no Indiewire, ele disse que continuará lutando para ver esse filme pronto e que só vai desistir depois de estar morto e enterrado. Há boatos de que a Netflix em 2019 teria entrado em contato com a Universal Pictures, que detém os direitos sobre o roteiro escrito por Del Toro e que teria sinalizado com interesse de adquiri-lo. Não se sabe em que pé está essa negociação se é que ela existe. Seria o filme então transformado em uma série? E se for, isso seria bom ou ruim para a obra?

Enquanto essas perguntas não são respondidas, os fãs tentam observar o horizonte distante, que parece coberto por uma densa neve branca e um nevoeiro espesso. Eles esperam enxergar o contorno das Montanhas da Loucura se delineando a qualquer momento, mas os fãs fiéis de Lovecraft devem saber que isso só irá acontecer quando as estrelas estiverem certas.

Até lá nos aguardamos.

Bom, enquanto o filme não sai, podemos sonhar com o cartaz. Que tal esse aqui?

3 comentários:

  1. É um absurdo atrás do outro. Que criatura unicelular conceberia um filme de Lovecraft com classificação PG 13? Queriam que o Del Toro fizesse uma versão longa do Little Cthulhu do youtube? E ainda meter romance no meio? não da nem pra achar graça disso.
    E de novo a questão do lovecraft racista. Sim, ele tinha umas opiniões muito bestas, mas não dá pra ignorar ele e curtir os contos não? Falam e falam dele, mas não evitam de usar elementos dos contos dele e lucrar nisso.

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  2. "os fãs fiéis de Lovecraft devem saber que isso só irá acontecer quando as estrelas estiverem certas." Verdade, melhor não fazer do que fazer mal feito.

    Nesse quesito Del Toro merece os parabéns por não aceitar filmar qualquer coisa.

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  3. seria ótimo. mas é melhor não ter filme nenhum do que ter um péssimo certo?

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