domingo, 8 de agosto de 2021

A Maldição do Mago - A lenda da Cidade Proibida da Índia


Localizada no distrito de Barmer no Rajastão indiano, nos desolados limites do Deserto Thar encontramos as ruínas da antiga cidade de Kiradu, originalmente conhecida como Kiratakup. É um lugar isolado num dos recônditos menos habitados do subcontinente. A cidade mais próxima, Barmer, fica a cerca de 35 quilômetros de distância, através de um terreno difícil, marcado por rochedos, ravinas e desfiladeiros íngremes. 

Apesar desta localização hoje em dia ser extremamente remota, a área foi no passado um importante entreposto comercial que recebia  caravanas que contribuíram para criar uma longa história de progresso, comércio e movimento. A região foi governada pelo poderoso Clã Kirad que transformou Kiratakup numa cidade rica entre os séculos X e XII, idealizada pelo Rei Someshwar. Tamanha era sua importância que Kiratakup foi alçada ao patamar de capital dinástica e um dos lugares mais importantes do Rajastão. Reis e Rainhas a visitavam e lá escolhiam ter seus herdeiros. Comerciantes vindos de todos os cantos traziam suas mercadorias oferecidas no Grande Bazar: seda, perfumes, especiarias, escravos, armas, animais, joias... as moedas mudavam de mãos rapidamente, as fortunas iam e vinham. 

Apesar de sua importância como uma grande Capital, Kiratakup era alvo frequente de invasores atraídos até ela como moscas pelo mel. Essa ameaça vinha das profundezas do deserto na forma de nômades que costumavam atacar as caravanas que abasteciam a cidade. No século XI, a Tribo dos Turushkas, foi ainda mais ousada, descendo das pradarias, eles tomaram a cidade de assalto: assassinaram a guarda, saquearam o mercado, destruíram prédios, atearam fogo e partiram carregando tudo que podiam levar consigo.


Furioso, o Rei Someshwar ordenou que a cidade fosse reconstruída, mas dessa vez com muros altos e portões intransponíveis que deveriam ser vigiados dia e noite por sentinelas. Qualquer caravana chegando ou partindo era passível de revista e suspeitos não eram admitidos em seus limites. Patrulhas regulares afugentaram os bandoleiros, e todo saqueador capturado era executado por decapitação no Bazar. A Tribo dos Turushkas foi exterminada sem piedade. Finalmente, o Rei mandou que um quartel fosse construído em uma posição estratégica para que uma guarnição de soldados ficasse permanentemente estacionada ali. Com as novas medidas, a cidade prosperou e viveu seu apogeu.

Em algum momento do final do século XII, a Coroa patrocinou a construção de cinco enormes templos ornamentados em Kiratakup. Os Templos logo se tornaram local de peregrinação; atraindo fiéis e aumentando ainda mais o fluxo de visitantes à Capital que desejavam ver sua beleza opulenta.

No entanto, misteriosos infortúnios e uma suposta maldição fizeram com que estes templos passassem a ser considerados assombrados e lugares a serem evitados. De fato, a Capital acabou sendo totalmente abandonada nos séculos que se seguiram em virtude do que supostamente aconteceu nesses templos. É nesse ponto que verdade e lenda começam a se misturar, tornando-se difícil separar o que é história, do que é mito.


Sabe-se que os imensos templos foram dedicados aos Deuses Shiva e Vishnu e eram massivas estruturas de arenito, mármore e concreto, construídas com paredes e pilares amplamente decorados. Uma infinidade de esculturas, ornamentos e intrincados entalhes de figuras de animais, deuses e deusas embelezavam esses lugares divinos. Em suas vastas câmaras rescendendo a incenso, sacerdotes compartilhavam com seus fiéis os mistérios do Céu e da Terra.

Hoje os prédios religiosos se encontram em diferentes estados de deterioração, submetidos à voracidade do tempo, com alguns deles apresentando colunas tombadas, tetos desabados e paredes rachadas. Um apresenta pouco mais do que algumas poucas paredes caiadas no solo árido do deserto. O mais bem preservado deles, o Templo de Someshvara causa um misto de excitação e tristeza no visitante pois ainda permite um vislumbre de sua grandiosidade em meio à total decrepitude. esses templos se encontram no centro das lendas mais sombrias e rumores de uma maldição que permeia este lugar assombrado por velhas memórias.

Uma das lendas mais interessantes começa durante o reinado do Rei Someshwar, em uma época em que Kiratakup havia conquistado seu posto como uma das mais belas cidades do Rajastão. Apesar da grandiosidade da cidade, o Rei estava atormentado e perdia seu sono. Ele sentia que a magnífica cidade, joia maior de seu reino, não duraria para sempre e que assim como muitas outras, estava fadada um dia a ser esquecida. Aconselhado pelo Grão-Vizir, o Rei decidiu visitar um poderoso Mago que vivia como eremita no deserto, servido por alguns poucos discípulos que compartilhavam com o mestre conhecimento sobrenatural. Ao ver a comitiva real, o Mago aceitou receber o monarca na humilde caverna que lhe servia de residência. O Rei imediatamente lançou a questão que o atormentava: "Como fazer para que Kiratakup existisse para sempre"?


O homem sábio ponderou e disse que precisaria conhecer a cidade para dar a sua resposta. Ele veio até a capital à convite do Rei acompanhado de cinco dos seus mais proeminentes discípulos. Depois de analisar a cidade e estudar sua história, ele disse que poderia realizar uma grande magia que protegeria Kiratakup para sempre. A capital seria envolta por um manto protetor sobrenatural, imune a desgraças e tragédias naturais de todo tipo. Nenhum terremoto, nenhuma enchente ou tempestade a danificaria. Suas construções, das torres mais altas aos prédios mais humildes ficariam para sempre intactos. Ela também seria imune a incêndios e nenhum inimigo seria capaz de conquistá-la. Com isso, Kiratakup perduraria pela eternidade.

O Rei ficou entusiasmado com a promessa, mas o Grão-Vizir, receoso, quis saber o que o Mago iria querer em troca dessa façanha. O mago disse que queria o controle dos cinco templos e estes deveriam dar metade de seus lucros a ele pelos próximos 20 anos. O pedido aos olhos do Grão-Vizir era uma afronta, um disparate, mas Someshwar via vantagem naquele acordo, afinal, sua grande preocupação era preservar a cidade para sempre. O acordo foi então feito!

O Mago deu início aos preparativos para lançar a magia, um esforço monumental que segundo ele, diminuiria sua expectativa de vida e traria grandes repercussões no tecido místico. Apenas os preparativos levaram um ano para serem implementados, o que demandou gravar símbolos mágicos em cada rua, prédio e monumento de Kiratakup. Uma vez realizados esses cuidados, o Mago subiu até a Torre mais alta do palácio real e de lá, auxiliado pelos seus discípulos, cada qual colocado no alto de um templo gritou aos espíritos da Terra e do Ar, do Fogo e da Água para que preservassem aquela cidade e desviassem dela qualquer tragédia causada ou invocada. Dizem as lendas que os símbolos arcanos espalhados pela cidade brilharam e que uma luz espectral vinda de lugar nenhum iluminou a noite.


Concluído o feitiço, o Mago se sentia exaurido de suas forças. Carecendo de descanso ele resolveu partir em uma viagem que duraria 20 anos. Deixou os cinco discípulos cada qual responsável por coletar metade dos lucros dos templos em seu nome. Os anos que se seguiram foram de completa paz e tranquilidade para os habitantes da cidade e de fato, tudo indicava que a Magia Protetora do Mago havia sido um sucesso. Entretanto, algumas pessoas muito importantes na Capital não estavam nada satisfeitas com aquilo e afirmavam que a tal magia não passava de uma fraude, uma invenção que visava simplesmente explorar as crenças supersticiosas do Rei Someshwar.

Treze anos se passaram e a única coisa que mudou, foi o nome da cidade que passou a se chamar Kiradu. Ela continuava sendo um movimentado centro político, de comércio e religião. Os templos davam mais lucro do que nunca, atraindo multidões, mas metade das riquezas eram transferidas aos discípulos responsáveis por coletar a parte de seu mestre. 

Foi então que uma conspiração começou a tomar forma. Planejada pelo Grão-Vizir, mercadores inescrupulosos e religiosos insatisfeitos, seu plano era acusar os discípulos de terem operado uma farsa, confiscar suas riquezas e eliminá-los um por um. Os conspiradores esperaram o Rei Someshwar ficar velho e débil para agir. Convidaram os discípulos para uma festividade e em meio a ela, fizeram sua grave acusação dizendo que o Mago não passava de um farsante e que sua Magia de Proteção não era nada a não ser um embuste. Os discípulos se mostraram ultrajados, mas a essa altura, os conspiradores já haviam agido, dopando a água que lhes foi oferecida. A seguir, os discípulos foram mandados para uma torre e submetidos à tortura para que confessassem o truque e revelassem onde estava o Mago. Por fim, eles foram conduzidos até o Bazar e executados diante da população de Kiradu. Eles negaram até o último momento que haviam operado um truque e jamais revelaram o paradeiro de seu mestre. Após a execução por decapitação, as riquezas que mantinham foi confiscada e dividida entre os envolvidos com a anuência da Coroa Real.


Mais sete anos se passaram e quando se completaram os vinte, o Mago enfim apareceu nos portões de Kiradu para reencontrar seus discípulos e reaver sua fortuna. Mas as sentinelas tinham ordens para não permitir que ele entrasse na cidade e o escorraçaram sob ameaças de morte. O Mago ficou furioso com a traição e falta de gratidão das pessoas na cidade, mais ainda com a morte de seus discípulos e o confisco de sua fortuna. Em sua fúria ele voltou ao deserto e deu início à sua vingança, pois "não há nada mais terrível e assustador que a vingança de um Mago contrariado".

Ele urdiu cuidadosamente uma Maldição a ser lançada sobre Kiradu, invocando todos os poderes da Terra para que ouvissem sua súplica e trouxessem ventos de vingança e escuridão. Diz a lenda que o Mago se colocou no alto de um monte e proclamou: "Um lugar que não tem humanidade, não deve ser povoado com humanidade", e ergueu seus braços para os céus executando sua entoação sinistra. Ele avisou em seguida que qualquer pessoa dentro de Kiradu após o amanhecer sofreria um destino terrível. Alguns temendo a maldição fugiram e se lançaram aos pés do mago implorando pelo seu perdão. Estes foram os poucos que sobreviveram ao horror que se seguiu. 

Diz a lenda que quando amanheceu, algo impensável havia acontecido om os habitantes da bela capital. 


O povo de Kiradu, aqueles que conspiraram e aqueles que simplesmente se omitiram, sofreram a mais severa das maldições. Quando o sol raiou, todos homens, mulheres e crianças que continuavam na cidade haviam se transformado em pedra, paralisados na última posição em que se encontravam segundos antes do sol surgir. O Mago então esgotado, decidiu partir para descansar novamente, mas deu ordens aos que sobreviveram de relatar o que havia transcorrido e informar que Kiradu não deveria ser mais povoada por homens: Doravante, uma maldição se abateria sobre todo aquele que ficasse ali da noite até o amanhecer. Os sobreviventes também foram incumbidos de quebrar as estátuas que um dia haviam sido pessoas, pois "deles deveria restar apenas o pó", nas palavras do Mago. Usaram para isso porretes e marretas, pulverizando as estátuas até que o último traço dos habitantes da cidade tivesse desaparecido para sempre.

A Lenda da maldição de Kiradu rapidamente se tornou bem conhecida em todo Rajastão, e até hoje ninguém visita o lugar após o pôr do sol. O medo palpável dos habitantes é que aqueles que passam a noite lá serão transformados em pedra. 

Verdade ou mera superstição, todo o complexo que envolve as ruínas em especial os Templos permanece trancado atrás de um portão imponente para manter as pessoas do lado de fora. Ele é vigiado por guardas armados. Em parte isso se deve à preocupação com os perigos que as ruínas representam para um explorador descuidado, mas em parte pela crença de que a maldição é muitíssimo real. Há até uma estátua de mulher perto da periferia da cidade, diferente das outras esculturas dos templos em seu fantástico realismo, diz-se que esta teria sido a única estátua poupada da destruição para comprovar a história. 


Os habitantes locais de Barmer em sua maioria acreditam na lenda e dificilmente algum nativo da região chegará perto das ruínas após o pôr-do-sol, menos ainda aceitará passar a noite ali. Da mesma forma, visitantes e forasteiros tentando ganhar acesso às ruínas são geralmente rejeitados. O complexo do templo também é conhecido por incontáveis lendas sobre fantasmas, assombrações e demônios de toda ordem. Não por acaso, o local é um destino popular para investigadores paranormais indianos e estudiosos de fenômenos sobrenaturais. Estes, no entanto, precisam burlar a segurança, sendo que tentativas de invasão ao sítio resultam em prisão e processo. Talvez, até tenham resultado em algo mais sério, se você está disposto a acreditar em tais coisas... 

É difícil saber se este lugar é assombrado, amaldiçoado ou ambos, já que ninguém parece estar disposto a ficar nas ruínas por muito tempo e elas se encontram totalmente abandonadas. Os únicos residentes em tempo integral nesse lugar sombrio são os rebanhos de cabras selvagens e talvez os fantasmas do passado. O governo da Índia não incentiva a visitação, não realiza pesquisas arqueológicas, estudos ou fornece credenciais para acadêmicos estrangeiros visitarem o local. De fato, o acesso a ele é normalmente vedado. 

Kiradu se tornou uma terra intocada, um estranho pedaço de tradição e temor cuja lenda raramente é contrariada.

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