segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Alquimista Imortal - A Vida e as Lendas sobre Nicholas Flamel


Desde o início dos tempos, desde que os homens tomaram consciência de sua própria mortalidade, houve quem quisesse impedir o que é inevitável. Indivíduos que tentaram à todo custo evitar a aproximação da morte. 

A busca pela imortalidade se tornou um tema comum de obsessão ao longo da história, desde os antigos imperadores chineses em busca de elixires da vida eterna até aqueles que procuram a lendária Fonte da Juventude. Nas selvas da África feiticeiros tiravam entranhas de animais em busca de ingredientes para rituais capazes de prolongar a vida, enquanto no Peru, sacerdotes ofereciam sacrifícios aos deuses para ganhar seu favor divino e garantir uma vida longa. Parece que não há limites a respeito do que as pessoas estão dispostas a fazer quando o assunto é viver para sempre. 

No entanto, embora tudo pareça um sonho inatingível, sem base na realidade, houve quem alegasse ter atingido seu intento. Uma dessas pessoas, foi um homem que viveu no século XV e cujo nome se tornou uma lenda. Usando magia antiga e métodos extraídos da mítica arte da Alquimia, ele supostamente desvendou os segredos para a vida eterna. 

O Mestre Nicholas Flamel nasceu em Pontoise, no ano de 1330, ele morou a maior parte de sua vida em Paris, onde exerceu o ofício de escriba, copista e vendedor de manuscritos. Flamel era o proprietário duas lojas em Paris especializadas na compra e venda de livros. Ele se casou com uma mulher chamada Perenelle em 1368 e os dois foram cristãos bastante devotados, dedicados à filantropia. Isso tudo soa bastante mundano, e de fato, a vida Flamel não parece muito interessante, mas depois de sua morte em 1418, ele começou a atrair a atenção das pessoas através de histórias estranhas que o transformaram em uma das figuras mais misteriosas de seu tempo.


Foi no século XVII, séculos depois de sua morte, que as histórias sobre os segredos e habilidades místicas de Flamel começaram a circular. As narrativas davam conta de que ele fora muito mais do que um humilde escriba e livreiro parisiense. Afirmava-se que ele de fato estava profundamente envolvido nas artes místicas da alquimia, um interesse que começou como passatempo, mas que se transformou em uma obsessão depois de um sonho. A história conta que uma noite ele teve um sonho vívido com um anjo, que veio a ele mostrando um livro e proclamando: "Olhe bem para este livro, Nicholas. A princípio, você não entenderá seu conteúdo - nem você nem qualquer outra pessoa. Mas um dia você verá nele o que nenhum outro homem foi capaz de ver”.

No sonho, Nicholas pegava o livro em suas mãos, mas antes que pudesse ler suas páginas, acordava. Nos dias que se seguiram, o sonho surreal espreitou no fundo de sua consciência o atormentando. Com o tempo, ele decidiu esquecer aquilo e se concentrar no trabalho, contudo, quando menos esperava, um estranho entrou em sua loja. O homem apareceu em sua porta trazendo um livro que pretendia vender, o que não era particularmente estranho considerando a linha de trabalho de Flamel. O que era estranho é que o livreiro imediatamente reconheceu o exemplar como sendo o livro que o anjo estava segurando em seu sonho. 

Flamel comprou imediatamente o livro e levou-o ao escritório para examiná-lo. A capa era de uma aparência antiga, ornamentada com tiras de cobre trabalhado adornado com símbolos e desenhos arcanos que ele desconhecia. A primeira página afirmava que ele era de autoria de um tal "Abraão, o judeu, príncipe, sacerdote levita, astrólogo e filósofo". Flamel jamais havia ouvido falar de tal pessoa, mas imediatamente se interessou em ler o conteúdo e saber o que pessoa tão distinta teria à dizer.


As primeiras páginas eram uma ladainha de advertências ao leitor do livro, amaldiçoando aqueles que não fossem dignos de lê-lo, seguido por páginas e páginas de texto enigmático, desenhos, ilustrações, diagramas e símbolos, todos escritos em uma mistura quase ininteligível de grego, hebraico antigo e outras línguas, a maioria das quais Flamel não entendia e algumas que nunca tinha visto antes. O livreiro era versado em conhecimento arcano, livros místicos haviam passado pelas suas mãos, de modo que ele sabia o suficiente para reconhecer que o livro tinha algo a ver com alquimia. Embora não fosse capaz de compreender seu conteúdo, ele suspeitou que haviam segredos profundos em suas páginas mas que estes só seriam extraídos mediante uma tradução. Assim começou sua busca obsessiva por decifrar o livro.

Flamel tornou a compreensão do livro seu objetivo de vida. Ele passava noites inteiras folheando febrilmente o volume, fazendo anotações e consultando outros livros em busca de informações que pudessem ajudá-lo. Ele também vasculhava as bibliotecas e livrarias de Paris em busca de pistas capazes de lançar uma luz sobre as partes mais obscuras do intrincado texto. Por vezes avançava em um ponto: decifrava algumas notas de rodapé, reconhecia certos caracteres e obtinha um fio de informação, mas o trabalho progredia lentamente, consumindo todo seu tempo livre.

Ele passaria cerca de 21 anos dedicados a exasperante tradução, lentamente desbloqueando alguns trechos e parágrafos do manuscrito, mas ainda assim aquilo o iludia. Ele então decidiu fazer uma viagem para a Espanha, onde muitos exilados judeus viviam na época. Se o autor do livro que o deixava obcecado era um judeu, talvez conseguisse encontrar respostas lá. Já na Espanha, Flamel se encontraria com vários estudiosos e pesquisadores. Um destes era um renomado sábio judeu de nome Maestro Canches, que identificou o livro em seu poder como uma cópia do Livro original de Abramelin, o Mago, um dos maiores mestres de todos os tempos. Canches um estudioso dos mistérios da Cabala mística já havia ouvido rumores sobre a existência daquele volume, mas até então, cogitava se tratar de uma lenda. O livro teria se perdido há muito tempo, mas segundo a lenda ele encontraria o caminho até as mãos de uma pessoa destinada a compreender os seus segredos.


O sábio se prontificou a ajudar Flamel no que fosse possível. Os dois conseguiram traduzir algumas páginas que Flamel trouxera consigo, fazendo um avanço significativo, mas era necessário retornar a Paris para se concentrar no restante. O sábio judeu concordou em seguir com ele para Paris, mas pouco depois, Canches morreria de uma doença contraída na viagem. Felizmente Flamel havia aprendido com o velho mestre o suficiente de dialetos hebraicos para continuar decodificando o manuscrito por conta própria.

De acordo com a lenda, Flamel levou três anos para concluir a tradução, liberando no processo os vastos poderes mágicos contidos no livro. Dizem que foi o tratado que lhe permitiu aprender o segredo para criar a mítica Pedra Filosofal, a chave para a cobiçada arte da transmutação. A pedra mágica tinha a propriedade única de transformar metais básicos como o mercúrio em ouro, uma habilidade procurada pelos alquimistas desde a criação dessa ciência.

Curiosamente, durante esse tempo, Flamel tornou-se repentina e inexplicavelmente rico, supostamente através do uso da alquimia. Ele e sua esposa começaram a doar grandes quantias de dinheiro para vários projetos de filantropia, bem como fazer doações para a Igreja, sem ninguém ser capaz de descobrir de onde vinha tanto dinheiro. O Rei Carlos VI da França até ordenou uma investigação sobre Flamel por suspeita de que ele havia encontrado um tesouro, mas não foi apurado nada que pudesse explicar a fonte dessa inesgotável riqueza ou qualquer indício de negociação escusa.


Registros históricos atestam que, oficialmente, Flamel morreu em 1418 aos 88 anos, uma idade prodigiosa para sua época. Após seu falecimento, sua casa foi saqueada por uma turba que tendo ouvido falar sobre as suas proezas, desejavam obter para si seus tesouros. Estes teriam buscado a Pedra Filosofal e o Livro de Abramelin, mas nenhum deles foi encontrado. Colecionadores, nobres poderosos e pessoas gananciosas enviaram seus agentes por toda Paris, incumbindo-os da missão de descobrir o que teria acontecido com os pertences do Mestre Alquinista.

Eles revelaram rumores de toda ordem que circulavam pela cidade: Dizia-se que Flamel teria encenado a própria morte uma vez que era imortal. Que ele havia entregue tanto o Livro de Abramelin quanto a Pedra Filosofal para uma Ordem de Monges antes de morrer ou de partir para um exílio que ele próprio se impôs. Que ele teria atirado a pedra num rio e queimado as páginas de seu livro quando sentiu a aproximação da morte. Que um anjo (ou quem sabe um demônio) teria exigido tanto a pedra quando o livro de volta para que pudesse passá-lo para um novo dono. Ninguém sabia ao certo!

No início do século XVII, um homem chamado Dubois alegou ser descendente direto de Nicolas Flamel e que havia herdado alguns dos segredos de seu ancestral, entre os quais como fabricar ouro a partir do chumbo. Ele desejava obter um patrono que pagasse a ele uma soma considerável em troca dos segredos, visto que lhe faltava a habilidade prática para realizar as proezas alquímicas. Quando o poderoso Cardeal Richelieu soube a respeito desse sujeito, imediatamente deu ordem de prisão a Dubois. Os homens do Cardeal tentaram extrair dele o segredo, recorrendo a tortura nas masmorras parisienses. Dizem que o Cardeal teve êxito em obter o livro, mas que aparentemente nunca foi capaz de entendê-lo. Uma suposta cópia contendo a tradução teria sido escondida por Dubois, mas este morreu sem revelar seu paradeiro. Mais estranho ainda: o livro que estava em poder de Richelieu teria desaparecido misteriosamente de um cofre, sem que jamais o sumiço pudesse ser explicado.


A localização do livro se tornou a obsessão de muitos colecionadores que promoviam verdadeiras caçadas ao tomo perdido. Livreiros de todos os cantos da Europa ambicionavam colocar suas mãos no livro, acreditando que em suas páginas estaria o segredo para uma fortuna inestimável. A obra supostamente apareceu e desapareceu em diferentes momentos da história, em diferentes lugares, mas não é difícil separar o que é lenda e o que é verdade. De fato, o Livro original de Abramelin, ou ainda, o Livro de Flamel, se tornou para colecionadores uma busca digna de comparação com a demanda do Cálice Sagrado. Seja como for, o Livro se perdeu nas brumas do tempo, com muitos acreditando que ele tivesse sido destruído ou que jamais tivesse existido.

Em meados do século XVII vários textos aparecerem repentinamente para falar das proezas mágicas de Nicholas Flamel, com tratados de alquimia supostamente escritos por ele surgindo de tempos em tempos e sendo editados com grande interesse. Em Paris, os Tratados de Flamel se tornaram uma febre e passaram a ser referenciados como obras legítimas de grande importância. Tudo isso serviu para alimentar a enorme popularidade da Alquimia na época, referenciada até mesmo nos célebres Diários de Isaac Newton, como "o Caduceu e os Dragões de Flammel". Vários estudiosos renomados passaram a reconhecer as contribuições de Flamel como um dos Mestres da Arte, capaz não apenas de realizar a desejada transmutação de metais em ouro, mas de atingir outras façanhas, entre as quais promover a imortalidade.


Embora Flamel supostamente tenha morrido no século XV, começaram a aparecer histórias de que nem tudo era o que parecia ser. Houve vários supostos avistamentos de Nicholas Flamel em academias, bibliotecas e universidades em toda a Europa, muitos anos depois de sua morte. Diziam que ela lecionava em certas instituições usando nomes falsos ou pseudônimos, que conduzia experimentos bizarros e que havia escrito tratados usando nomes fictícios.

Um arqueólogo chamado Paulo Lucas esteve em Broussa, na Turquia, enviado à mando do Rei Luís XIV em uma missão para adquirir antiguidades. Enquanto estava lá, Lucas conheceu um sábio filósofo que lhe revelou que Flamel e sua esposa haviam explorado os segredos da imortalidade por meio da Pedra Filosofal. De acordo com este filósofo, com os segredos da Pedra Filosofal uma pessoa poderia viver milhares de anos. Lucas foi informado de que Flamel e sua esposa alcançaram a imortalidade, fingiram suas próprias mortes, simularam os funerais e então se mudaram para a Espanha e depois para a Índia, onde ainda viviam. Embora Lucas estivesse cético no início, ele começou a acreditar quando o filósofo descreveu o Livro de Abraão e como Flamel havia chegado a sua posse. Em dado momento, o arqueólogo desconfiou que o sábio era o próprio alquimista, se divertindo às suas custas, e quando pensou em confrontá-lo, este desapareceu sem deixar vestígios. Lucas devotou o restante de sua vida a tentar encontrar Flamel. Ele foi apenas o primeiro a fazê-lo: muitos outros pesquisadores se dedicaram a encontrar o alquimista e encontrar a verdade.

Mas até onde essas lendas são reais? Flamel realmente traduziu o livro e criou a Pedra Filosofal? Ele detinha o conhecimento da Transmutação de Metais? Ele realmente simulou a sua morte e da esposa? E mais importante, ele conseguiu vencer a morte? Ninguém realmente sabe e qualquer certeza é fugaz.


Flamel permaneceria um elemento fixo do mundo alquímico nos séculos posteriores, mencionado em várias obras de ficção e até mesmo entrando na cultura pop moderna, aparecendo no romance best-seller Harry Potter e a Pedra Filosofal e sua adaptação para o cinema, bem como seu filme spinoff Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald. Claro, considerando que Flamel nunca foi realmente conhecido como alquimista até os livros publicados séculos após sua morte, argumenta-se que não passavam de mitos em torno de uma figura histórica real, uma construção para vender livros, manuscritos atribuídos a ele escritos por outra pessoa, tudo embelezado, na melhor das hipóteses, pura fabricação, na pior.

Isso nos deixa sem saber o quanto de tudo isso se baseia em fatos, exatamente onde termina o mito e começa a realidade. Nicholas Flamel certamente existiu, mas ele alguma vez foi um alquimista todo-poderoso que descobriu os segredos do universo e da vida eterna? Ou tudo isso é apenas folclore e lenda? Ele é apenas uma figura histórica envolta em mito, ou está por aí até hoje, tão vigoroso e vivo como há séculos atrás?

É difícil dizer, mas Nicholas Flamel definitivamente deixou sua marca na história.

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